Por Afonso Hipólito
Tio
D. e tia M. são casados há décadas e tem apenas um filho, J., que tem
mais de 50 anos, é deficiente e totalmente dependente dos pais
octogenários que sempre viveram para trabalhar e cuidar do filho.
Tio D. e tia M. são daquelas pessoas que por terem a vida lhe imposto
adversidades extremas, aqueles que desconhecem o instinto dos guerreiros
natos se perguntam: como eles não se cansam de trabalhar
e amanhecem todos os dias como se tivessem sonhado com um dever na
noite anterior e com a certeza de que terão força pra cumprir, e mais,
como esta certeza parece nunca falhar, posto que o dever nunca dexa de
ser cumprido ?
Tio D. e tia M. já tinham décadas derramando
suor no solo de São Roque de Mutum na lida para plantar, cuidar e colher
alimentos e amar o rebento J. da forma especial que ele precisa ser
amado quando eu, que tenho trinta anos, nasci.
Tia M. tem, além
do cansaço natural de uma vida longa de tanto trabalho, a fragilidade
que o desenvolvimento contumaz, por anos, de doenças ósseas, causou.
Tio D. sempre foi um forte para tudo, mas como com o passar dos anos a
força física se esvai, até mesmo dos que, como ele, parecem ter reserva
infindável, também tem suas limitações.
Primo J., com o passar
dos anos e as mudanças que ocorreram na forma de tratar eternas crianças
puras como ele, se tranquiliza muito mais com o amor que recebe - e que
sempre recebeu - dos pais do que com os comprimidos, que, presumo,
nunca deixarão de lhe acompanhar, o que é de se entender, afinal estão
juntos há tanto tempo.
Nos parcos passeios que meus queridos
tios e meu primo fazem, saindo de manhã bem cedo e voltando ao
anoitecer, às vezes eles vem almoçar na casa de minha amada mãe, irmã da
tia M., e, claro, são e sempre serão recebidos com todo carinho,
respeito e admiração que merecem.
Pena que os poucos passeios podem findar-se com a tristeza que, neste momento, enche a casa e os corações dos meus tios.
É que meus admiráveis tios e meu primo tiveram a casa em que vivem
desde antes do meu primo nascer invadida por seres que, apesar das
características observadas por meus tios, acredito que não são humanos.
Os seres invadiram a casa e de forma brutal humilharam e agrediram
física e psicologicamente meus tios e meu primo, derramando álcool sobre
eles e ameaçando atear fogo.
Como meus tios sempre tiveram uma
forma peculiar de guardar o que conseguiam com o trabalho, os seres
levaram tudo que todo o trabalho na terra lhes deu esses anos todos.