Jurista critica decisão de ministro de determinar que PGR e PF investiguem contas de Dilma
por Ana Siqueira
“A atitude dele é puramente política, sem nenhuma consistência jurídica”, afirma o jurista Dalmo Dallari a respeito da determinação do ministro Gilmar Mendes, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de que a Procuradoria Geral da República e a Polícia Federal (PF) investiguem eventuais irregularidades nas contas eleitorais da campanha da presidente Dilma Rousseff em 2014.
De acordo com Gilmar Mendes, existem indícios de que crimes de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica foram cometidos durante as eleições do ano passado, o que poderia levar à abertura de ação penal. Embora as contas já tenham sido aprovadas com ressalvas pelo TSE, o ministro manteve o processo aberto para incluir nas apurações novas informações descobertas pela Operação Lava Jato.
O ministro da Comunicação Social, Edinho Silva, que coordenou a parte financeira da campanha eleitoral da presidente no ano passado, destacou em nota que as contas da presidente foram aprovadas por unanimidade. "Todas as contribuições e despesas da campanha de 2014 foram apresentadas ao TSE, que, após rigorosa sindicância, aprovou as contas por unanimidade."
O PT também se manifestou e informou que todas as doações que o partido recebeu durante a campanha eleitoral "foram realizadas estritamente dentro dos parâmetros legais e foram posteriormente declaradas à Justiça Eleitoral.”
Na visão do jurista Dalmo Dallari, o objetivo do ministro Gilmar Mendes é pressionar para a retomada do julgamento de uma Ação de Investigação de Mandato Eletivo (AIME) proposta pela Coligação Muda Brasil, que teve Aécio Neves (PSDB) como candidato à presidência em 2014. O ministro Luiz Fux pediu vista do processo, que foi movido contra a Coligação Com a Força do Povo e pedia a cassação dos mandatos de Dilma e do vice-presidente Michel Temer (PMDB). “Ele está pretendendo exatamente isso, mas como não tem consistência jurídica, acho que não vai ter seguimento”, opina Dallari.
Confira abaixo a entrevista de Dallari, que é especialista em Direito Constitucional e professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, ao JB:
JB - Do ponto de vista jurídico, é legítimo retomar a análise de contas de campanha que já haviam sido aprovadas pelo TSE?
Dallari – Não, acho que não é legítima e é lamentável essa atitude do ministro Gilmar Mendes. O ministro, quando foi procurador-geral, fez coisas muito piores do que isso. É lamentável que agora tome essa postura falsamente moralista e nula juridicamente. Ele realmente não tem base jurídica para fazer o que fez, então fica evidente o seu envolvimento político. E além do mais, a imprensa revelou também que há poucos dias ele teve reuniões com grupos partidários, tem inclusive ligação com o [presidente da Câmara] Eduardo Cunha. Gilmar Mendes participou de reuniões com ele para discutir a possibilidade de impeachment da Dilma. Isso já torna extremamente suspeita a atitude dele, já seria um fator de nulidade de sua iniciativa porque a torna juridicamente suspeita. Então, realmente, o que se pode dizer é que é lamentável essa postura do ministro Gilmar Mendes que até confirma o que eu já disse e sustentei: ele não atende às condições necessárias para ser ministro do Supremo Tribunal. Se tudo é possível voltar atrás, vamos voltar atrás na carreira do próprio Gilmar Mendes. A atitude dele é puramente política, sem nenhuma consistência jurídica.
JB - O TSE já estava julgando uma Ação de Investigação de Mandato Eletivo proposta pela Coligação Muda Brasil, que teve Aécio Neves como candidato à presidência, contra a coligação de Dilma, mas o ministro Luiz Fux pediu vistas do processo. O pedido de abertura de investigação de Gilmar Mendes, na sua opinião, seria uma forma de pressionar para a retomada do julgamento do recurso?
Dallari – Ele está pretendendo exatamente isso, mas como não tem consistência jurídica, acho que não vai ter seguimento. Acho que pura e simplesmente vai ser rejeitada a iniciativa do ministro Gilmar Mendes. Essa seria a forma juridicamente correta. Então não acredito que isso vá ter desdobramentos.
JB – O senhor já se pronunciou publicamente a respeito do impeachment, dizendo que não existe nenhuma possibilidade legal, jurídica e constitucional de ele acontecer. No caso de uma eventual condenação das contas de Dilma pelo TSE, com que cenário estaríamos lidando?
Dallari – Acho que realmente ninguém indicou qualquer fundamento legal, legítimo para dar seguimento às exigências de impeachment ou de qualquer coisa desse tipo. E não há fundamento jurídico para um procedimento dessa natureza. Essa iniciativa do ministro Gilmar Mendes também não acrescenta em nada, é apenas mais uma manifestação política sem fundamento jurídico. [Caso eles consigam condenar as contas de Dilma no TSE], depois teria que ir ao Supremo Tribunal Federal, eles que teriam a última palavra. E chegando ao extremo do Supremo também condená-las, cairiam Dilma e Temer. Mas não vejo nenhuma possibilidade de que isso venha acontecer porque falta, exatamente, a fundamentação jurídica.