Blog I'unitá Brasil

Blog I'unitá Brasil
Blog I'unitá Brasil

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Dalmo Dallari: "Postura de Gilmar Mendes é falsamente moralista e nula juridicamente"

Jurista critica decisão de ministro de determinar que PGR e PF investiguem contas de Dilma



por Ana Siqueira 



“A atitude dele é puramente política, sem nenhuma consistência jurídica”, afirma o jurista Dalmo Dallari a respeito da determinação do ministro Gilmar Mendes, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de que a Procuradoria Geral da República e a Polícia Federal (PF) investiguem eventuais irregularidades nas contas eleitorais da campanha da presidente Dilma Rousseff em 2014.

De acordo com Gilmar Mendes, existem indícios de que crimes de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica foram cometidos durante as eleições do ano passado, o que poderia levar à abertura de ação penal. Embora as contas já tenham sido aprovadas com ressalvas pelo TSE, o ministro manteve o processo aberto para incluir nas apurações novas informações descobertas pela Operação Lava Jato.

O ministro da Comunicação Social, Edinho Silva, que coordenou a parte financeira da campanha eleitoral da presidente no ano passado, destacou em nota que as contas da presidente foram aprovadas por unanimidade. "Todas as contribuições e despesas da campanha de 2014 foram apresentadas ao TSE, que, após rigorosa sindicância, aprovou as contas por unanimidade."

O PT também se manifestou e informou que todas as doações que o partido recebeu durante a campanha eleitoral "foram realizadas estritamente dentro dos parâmetros legais e foram posteriormente declaradas à Justiça Eleitoral.”

Na visão do jurista Dalmo Dallari, o objetivo do ministro Gilmar Mendes é pressionar para a retomada do julgamento de uma Ação de Investigação de Mandato Eletivo (AIME) proposta pela Coligação Muda Brasil, que teve Aécio Neves (PSDB) como candidato à presidência em 2014. O ministro Luiz Fux pediu vista do processo, que foi movido contra a Coligação Com a Força do Povo e pedia a cassação dos mandatos de Dilma e do vice-presidente Michel Temer (PMDB). “Ele está pretendendo exatamente isso, mas como não tem consistência jurídica, acho que não vai ter seguimento”, opina Dallari.

Confira abaixo a entrevista de Dallari, que é especialista em Direito Constitucional e professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, ao JB:
JB - Do ponto de vista jurídico, é legítimo retomar a análise de contas de campanha que já haviam sido aprovadas pelo TSE?
Dallari – Não, acho que não é legítima e é lamentável essa atitude do ministro Gilmar Mendes. O ministro, quando foi procurador-geral, fez coisas muito piores do que isso. É lamentável que agora tome essa postura falsamente moralista e nula juridicamente. Ele realmente não tem base jurídica para fazer o que fez, então fica evidente o seu envolvimento político. E além do mais, a imprensa revelou também que há poucos dias ele teve reuniões com grupos partidários, tem inclusive ligação com o [presidente da Câmara] Eduardo Cunha. Gilmar Mendes participou de reuniões com ele para discutir a possibilidade de impeachment da Dilma. Isso já torna extremamente suspeita a atitude dele, já seria um fator de nulidade de sua iniciativa porque a torna juridicamente suspeita. Então, realmente, o que se pode dizer é que é lamentável essa postura do ministro Gilmar Mendes que até confirma o que eu já disse e sustentei: ele não atende às condições necessárias para ser ministro do Supremo Tribunal. Se tudo é possível voltar atrás, vamos voltar atrás na carreira do próprio Gilmar Mendes. A atitude dele é puramente política, sem nenhuma consistência jurídica. 
JB - O TSE já estava julgando uma Ação de Investigação de Mandato Eletivo proposta pela Coligação Muda Brasil, que teve Aécio Neves como candidato à presidência, contra a coligação de Dilma, mas o ministro Luiz Fux pediu vistas do processo. O pedido de abertura de investigação de Gilmar Mendes, na sua opinião, seria uma forma de pressionar para a retomada do julgamento do recurso?
Dallari – Ele está pretendendo exatamente isso, mas como não tem consistência jurídica, acho que não vai ter seguimento. Acho que pura e simplesmente vai ser rejeitada a iniciativa do ministro Gilmar Mendes. Essa seria a forma juridicamente correta. Então não acredito que isso vá ter desdobramentos.
JB – O senhor já se pronunciou publicamente a respeito do impeachment, dizendo que não existe nenhuma possibilidade legal, jurídica e constitucional de ele acontecer. No caso de uma eventual condenação das contas de Dilma pelo TSE, com que cenário estaríamos lidando? 
Dallari – Acho que realmente ninguém indicou qualquer fundamento legal, legítimo para dar  seguimento às exigências de impeachment ou de qualquer coisa desse tipo. E não há fundamento jurídico para um procedimento dessa natureza. Essa iniciativa do ministro Gilmar Mendes também não acrescenta em nada, é apenas mais uma manifestação política sem fundamento jurídico. [Caso eles consigam condenar as contas de Dilma no TSE], depois teria que ir ao Supremo Tribunal Federal, eles que teriam a última palavra. E chegando ao extremo do Supremo também condená-las, cairiam Dilma e Temer. Mas não vejo nenhuma possibilidade de que isso venha acontecer porque falta, exatamente, a fundamentação jurídica.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

DOUTOR É QUEM FAZ DOUTORADO

Por Prof. Marco Antônio Ribeiro Tura


A história, que, como boa mentira, muda a todo instante seus elementos, volta à moda. Agora não como resultado de ato de Dona Maria, a Pia, mas como consequência do decreto de D. Pedro I.

Fui advogado durante muitos anos antes de ingressar no Ministério Público. Há quase vinte anos sou Professor de Direito. E desde sempre vejo “docentes” e “profissionais” venderem essa balela para os pobres coitados dos alunos.

Quando coordenador de Curso tive o desprazer de chamar a atenção de (in) docentes que mentiam aos alunos dessa maneira. Eu lhes disse, inclusive, que, em vez de espalharem mentiras ouvidas de outros, melhor seria ensinarem seus alunos a escreverem, mas que essa minha esperança não se concretizaria porque nem mesmo eles sabiam escrever.


Pois bem!

Naquela época, a história que se contava era a seguinte: Dona Maria, a Pia, havia “baixado um alvará” pelo qual os advogados portugueses teriam de ser tratados como doutores nas Cortes Brasileiras. Então, por uma “lógica” das mais obtusas, todos os bacharéis do Brasil, magicamente, passaram a ser Doutores. Não é necessária muita inteligência para perceber os erros desse raciocínio. Mas como muita gente pode pensar como um ex-aluno meu, melhor desenvolver o pensamento (dizia meu jovem aluno: “o senhor é Advogado; pra quê fazer Doutorado de novo, professor?”).

1) Desde já saibamos que Dona Maria, de Pia nada tinha. Era Louca mesmo! E assim era chamada pelo Povo: Dona Maria, a Louca!

2) Em seguida, tenhamos claro que o tão falado alvará jamais existiu. Em 2000, o Senado Federal presenteou-me com mídias digitais contendo a coleção completa dos atos normativos desde a Colônia (mais de quinhentos anos de história normativa). Não se encontra nada sobre advogados, bacharéis, dona Maria, etc. Para quem quiser, a consulta hoje pode ser feita pela Internet.

3) Mas digamos que o tal alvará existisse e que dona Maria não fosse tão louca assim e que o povo fosse simplesmente maledicente. Prestem atenção no que era divulgado: os advogados portugueses deveriam ser tratados como doutores perante as Cortes Brasileiras. Advogados e não quaisquer bacharéis. Portugueses e não quaisquer nacionais. Nas Cortes Brasileiras e só! Se você, portanto, fosse um advogado português em Portugal não seria tratado assim. Se fosse um bacharel (advogado não inscrito no setor competente), ou fosse um juiz ou membro do Ministério Público você não poderia ser tratado assim. E não seria mesmo. Pois os membros da Magistratura e do Ministério Público tinham e têm o tratamento de Excelência (o que muita gente não consegue aprender de jeito nenhum). Os delegados e advogados públicos e privados têm o tratamento de Senhoria. E bacharel, por seu turno, é bacharel; e ponto final!

 4) Continuemos. Leiam a Constituição de 1824 e verão que não há “alvará” como ato normativo. E ainda que houvesse, não teria sentido que alguém, com suas capacidades mentais reduzidas (a Pia Senhora), pudesse editar ato jurídico válido. Para piorar: ainda que existisse, com os limites postos ou não, com o advento da República cairiam todos os modos de tratamento em desacordo com o princípio republicano da vedação do privilégio de casta. Na República vale o mérito. E assim ocorreu com muitos tratamentos de natureza nobiliárquica sem qualquer valor a não ser o valor pessoal (como o brasão de nobreza de minha família italiana que guardo por mero capricho porque nada vale além de um cafezinho e isto se somarmos mais dois reais).

A coisa foi tão longe à época que fiz questão de provocar meus adversários insistentemente até que a Ordem dos Advogados do Brasil se pronunciou diversas vezes sobre o tema e encerrou o assunto.

Agora retorna a historieta com ares de renovação, mas com as velhas mentiras de sempre.

Agora o ato é um “decreto”. E o “culpado” é Dom Pedro I (IV em Portugal).

Mas o enredo é idêntico. E as palavras se aplicam a ele com perfeição.

Vamos enterrar tudo isso com um só golpe?! A Lei de 11 de agosto de 1827, responsável pela criação dos cursos jurídicos no Brasil, em seu nono artigo diz com todas as letras: “Os que frequentarem os cinco anos de qualquer dos Cursos, com aprovação, conseguirão o grau de Bacharéis formados. Haverá também o grau de Doutor, que será conferido àqueles que se habilitarem com os requisitos que se especificarem nos Estatutos que devem formar-se, e só os que o obtiverem poderão ser escolhidos para Lentes”.

Traduzindo o óbvio.

A) Conclusão do curso de cinco anos: Bacharel.

B) Cumprimento dos requisitos especificados nos Estatutos: Doutor.

C) Obtenção do título de Doutor: candidatura a Lente (hoje Livre-Docente, pré-requisito para ser Professor Titular). Entendamos de vez: os Estatutos são das respectivas Faculdades de Direito existentes naqueles tempos (São Paulo, Olinda e Recife). A Ordem dos Advogados do Brasil só veio a existir com seus Estatutos (que não são acadêmicos) nos anos trinta.

Senhores.

Doutor é apenas quem faz Doutorado. E isso vale também para médicos, dentistas, etc, etc.

A tradição faz com que nos chamemos de Doutores. Mas isso não torna Doutor nenhum médico, dentista, veterinário e, mui especialmente, advogados.

Falo com sossego.

Afinal, após o meu mestrado, fui aprovado mais de quatro vezes em concursos no Brasil e na Europa e defendi minha tese de Doutorado em Direito Internacional e Integração Econômica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Aliás, disse eu: tese de Doutorado! Esse nome não se aplica aos trabalhos de graduação, de especialização e de mestrado. E nenhuma peça judicial pode ser chamada de tese, com decência e honestidade.

Escrevi mais de trezentos artigos, pareceres (não simples cotas), ensaios e livros. Uma verificação no sítio eletrônico do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) pode comprovar o que digo. Tudo devidamente publicado no Brasil, na Dinamarca, na Alemanha, na Itália, na França, Suécia, México. Não chamo nenhum destes trabalhos de tese, a não ser minha sofrida tese de Doutorado.

Após anos como Advogado, eleito para o Instituto dos Advogados Brasileiros (poucos são), tendo ocupado comissões como a de Reforma do Poder Judiciário e de Direito Comunitário e após presidir a Associação Americana de Juristas, resolvi ingressar no Ministério Público da União para atuar especialmente junto à proteção dos Direitos Fundamentais dos Trabalhadores públicos e privados e na defesa dos interesses de toda a Sociedade. E assim o fiz: passei em quarto lugar nacional, terceiro lugar para a região Sul/Sudeste e em primeiro lugar no Estado de São Paulo. Após rápida passagem por Campinas, insisti com o Procurador-Geral em Brasília e fiz questão de vir para Mogi das Cruzes.

Em nossa Procuradoria, Doutor é só quem tem título acadêmico. Lá está estampado na parede para todos verem.

E não teve ninguém que reclamasse; porque, aliás, como disse linhas acima, foi a própria Ordem dos Advogados do Brasil quem assim determinou, conforme as decisões seguintes do Tribunal de Ética e Disciplina: Processos: E-3.652/2008; E-3.221/2005; E-2.573/02; E-2067/99; E-1.815/98. Em resumo, dizem as decisões acima: não pode e não deve exigir o tratamento de Doutor ou apresentar-se como tal aquele que não possua titulação acadêmica para tanto. Como eu costumo matar a cobra e matar bem matada, segue endereço oficial na Internet para consulta sobre a Lei Imperial: www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_63/Lei_1827.htm Os profissionais, sejam quais forem, têm de ser respeitados pelo que fazem de bom e não arrogar para si tratamento ao qual não façam jus. Isso vale para todos. Mas para os profissionais do Direito é mais séria a recomendação. Afinal, cumprir a lei e concretizar o Direito é nossa função. Respeitemos a lei e o Direito, portanto; estudemos e, aí assim, exijamos o tratamento que conquistarmos. Mas só então.


Prof. Marco Antônio Ribeiro Tura é jurista. Membro vitalício do Ministério Público da União. Doutor em Direito Internacional e Integração Econômica pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Direito Público e Ciência Política pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor Visitante da Universidade de São Paulo. Ex-presidente da Associação Americana de Juristas, ex-titular do Instituto dos Advogados Brasileiros e ex-titular da Comissão de Reforma do Poder Judiciário da Ordem dos Advogados do Brasil.


Imagem: AQUI