Blog I'unitá Brasil

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sexta-feira, 6 de junho de 2014

O problema não é o Brasil. É você.

por Priscila Silva



Toda vez que um assunto polêmico surge na mídia, viraliza nas redes sociais e chega às rodas de amigos, reuniões de família e mesas de bar, começam a pipocar, por toda parte, juízos de valor genéricos a respeito “do Brasil” e “do povo brasileiro”.

Essas “análises”, que estão em alta no atual momento pré-Copa, costumam ser, mais especificamente, materializadas na forma de chavões babacas mais antigos que a minha avó: são os famosos “só no Brasil”, “isso é Brasil!”, e, ainda, o clássico e meu preferido “o problema é a cabeça do brasileiro” (que também pode aparecer na carinhosa versão “o povo brasileiro é burro”).

Que a internet e os círculos sociais estão recheados de ideias idiotas, preconceituosas e desprovidas de qualquer senso lógico ou nexo com a realidade não é novidade. O problema aqui é que as pérolas pertencentes à categoria “Brasil é uma merda porque é uma merda, e eu não tenho nada a ver com isso” não vêm sendo enquadradas como apatia mental, como deveriam, mas como demonstração de revolta consciente e politizada “contra tudo que está aí”. Um quarto dos brasileiros acha que uma mulher de shortinho merece ser estuprada? “Isso é Brasil!”. A Petrobrás fez um mau negócio em Pasadena? “Brasil, né?”. Algumas obras da Copa do Mundo atrasaram? “Só no Brasil mesmo!”.

Não. Não. E não. Na verdade, esse tipo de pensamento vazio, reducionista e arrogante empobrece o debate dos problemas que estão por detrás dos acontecimentos (que acabam sendo levianamente rotulados como “coisa do Brasil”), além de estimular e legitimar uma atitude resignada e egoísta ao melhor (ou pior) estilo Pôncio Pilatos (“lavo minhas mãos, porque a merda já estava feita quando eu cheguei aqui”).


“Só no Brasil”? Não.


Em primeiro lugar, vale uma pesquisa prévia a respeito do assunto sobre o qual se está emitindo opinião: será mesmo que o Brasil é o único país a enfrentar esse problema específico que você conheceu superficialmente através do link que seu amigo compartilhou no Facebook? Pode ter certeza que, em 99% dos casos, a gente carrega o fardo junto com mais algumas dezenas de países (se não com todas as nações do planeta), ainda que ele pese mais ou menos conforme o caso.

E não estamos falando apenas de países considerados “mais atrasados” e “menos civilizados” que o Brasil. Tem corrupção na Europa, os Estados Unidos mal possuem um sistema público de saúde, o racismo segue forte em diversos países “desenvolvidos”, e a Inglaterra é descaradamente sexista. Por isso, antes de iniciar um festival de ignorância, babar ovo de gringo gratuitamente e resumir seu discurso a uma frase despolitizada como essa, lembre-se que o Google está a apenas um clique. Caso contrário, você corre o risco de continuar contribuindo para que 40% dos nascidos no Brasil prefiram ter outra nacionalidade (apesar de o Brasil ser sonho de consumo internacionalmente).


Se “isso é Brasil”, então “isso” é você também.


Dou a qualquer um o direito de achar o Brasil uma merda monumental e sem precedentes, desde que admita ser uma merda de pessoa também. Assim, quando alguém disser “o Brasil é um lixo” ou “o povo brasileiro é burro”, na verdade estará dizendo “eu sou um lixo” e “eu sou burro”. Combinado? Porque, caros amigos niilistas radicais, é estranhamente conveniente excluir-se, deliberadamente, do conjunto de brasileiros, negando a própria cultura e origem, bem na hora em que “a coisa aperta”, não é?

As expressões “isso é Brasil” ou “esse é o povo brasileiro” não são, portanto, apenas generalizantes e reducionistas, mas também um tanto arrogantes. Quem as profere se julga acima dos defeitos da sociedade brasileira, e é incapaz de perceber que suas próprias convicções, ideias e preconceitos são na verdade um reflexo das características e problemas desta mesma sociedade como um todo.

Não é preciso nem dizer que esse tipo de perspectiva segregatória, em que o locutor se coloca em posição imparcial e de superioridade em relação ao restante da população, gera verdadeiros fenômenos de cegueira coletiva. Um exemplo clássico é a inabilidade de algumas pessoas em enxergar o próprio racismo, o que popularizou expressões como “não sou racista, mas…”, culminando com a negação da existência de racismo no Brasil por determinadas “correntes ideológicas”.

Então, antes que comecemos a negar outros “ismos” por aí (o que, a bem da verdade, já acontece), vamos parar de subir em pedestais imaginários e nos colocar em nossos devidos lugares: na arquibancada junto com o resto do povão e toda a torcida do Flamengo.


Se “isso é Brasil”, repetir esse chavão não vai mudar nada (talvez só pra pior).


Imagine a seguinte situação hipotética: um sujeito dito “politizado” está surfando na rede, checando o feed de notícias do Facebook, dando um rolê pelo Twitter e teclando no WhatsApp, quando, casualmente, se depara com uma notícia revoltante (sabemos que a internet está cheia delas). Indignado com a situação ultrajante da qual acaba de tomar conhecimento, nosso amigo resolve mostrar toda a sua revolta por meio de um comentário impactante no perfil de quem, muito sagazmente, compartilhou aquela notícia chocante com ele. “Fazer o que, né, colega? Isso é o país em que vivemos. Viva o Bra-ziu!”.

Satisfeito com sua contribuição, o internauta bem informado segue para os próximos “hits do dia” nas redes sociais, afinal, “isso é Brasil” — não tem jeito. E ele, pessoa politizada e, portanto, ciente do “beco sem saída” que é o nosso país, nem vai se dar ao trabalho de pensar sobre o assunto (e muito menos fazer algo a respeito), uma vez que essa nação é feita de pessoas naturalmente incompetentes e políticos naturalmente corruptos. Confere? Não confere. Na verdade, cidadão politizado, o problema, neste cenário, não é o Brasil. É você.

Quando um indivíduo, ao deparar-se com determinado problema que considera sério, resume seu pensamento e manifestação à depreciação verbal genérica e gratuita de seu país, só podemos concluir que ele atingiu um nível sobre-humano de apatia mental e social. Além de não agir para mudar a situação que o indignou, contribui para difundir um clima negativo, conformista e preguiçoso por onde passa, contagiando outras pessoas com a ideia deturpada de que é impossível mudar as coisas para melhor (ou que simplesmente não vale a pena), porque “o povo brasileiro é assim mesmo”.

Resumo da ópera: quem não quiser realmente tentar entender o problema, trocar ideias sobre como solucioná-lo, contribuir com organizações e movimentos sociais envolvidos no assunto, criar ou participar de campanhas de conscientização, e procurar votar em políticos empenhados na causa em questão, que pelo menos pare de encher o saco com reducionismos pessimistas e burros. A esfera pública agradece.


“Isso é Brasil” agora, mas pode mudar. E depende de você também.


Imaginem se, há 30, 40 anos atrás, quando ainda vivíamos uma ditadura, todos pensassem que o “Brasil é assim mesmo”, que “somos um povo submisso que só funciona na ‘base da porrada’”? Imaginem se a população tivesse desistido de exigir a redemocratização, e se resignado, limitando-se a comentar com seus conhecidos, em cafés e restaurantes, que “aquilo era o Brasil”. Foi porque as pessoas não se conformaram com o que o Brasil era ou parecia ser que hoje nós vivemos uma democracia plena, onde todos podem se manifestar da forma que julgam melhor (até de forma superficial e não construtiva, como a que estamos tratando neste texto).

O direito à liberdade de pensamento e expressão é indiscutível, e o que deixo aqui é apenas um humilde conselho: vamos usar essas prerrogativas de verdade. Para debater, e não para cair em chavões limitados e vazios de que o país é uma porcaria generalizada, pior que qualquer outro, que nosso povo é burro e corrupto, que estamos no fundo poço e nunca sairemos dele, e que é impossível mudar a realidade em que vivemos. Isso não quer dizer, de forma alguma, que devemos fugir dos problemas ou nos conformar com o que já foi conquistado, pois ainda existem inúmeros desafios a serem superados nesse Brasil continental. Se “isso” é mesmo o Brasil, a mudança só depende de nós.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Um hiato no Judiciário

por Leonardo Attuch




Terminou, na última semana, uma página que merece ser riscada da história do Poder Judiciário no Brasil. A era Joaquim Barbosa, fruto de uma escolha equivocada do ex-presidente Lula, chega ao fim deixando um legado de desrespeito a advogados, falta de civilidade entre ministros de uma suprema corte e esmagamento de direitos duramente conquistados pelos brasileiros. Barbosa renunciou porque sua presença era incompatível com o Estado de Direito.

Essa incompatibilidade ficou evidente na decisão unilateral e arbitrária tomada por ele no que tange ao direito de condenados em regime semiaberto ao trabalho externo. Barbosa criou uma jurisprudência própria, que feria o entendimento dos tribunais superiores do País e colocava em risco, segundo a Ordem dos Advogados do Brasil, a situação de 100 mil presos.

Era uma decisão ilegal e arbitrária que, se fosse submetida ao plenário, acabaria derrotada por 10 a 1. Barbosa saiu antes da humilhação, mas não resistiu ao isolamento, depois que até o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o apontou como um fator de "insegurança jurídica". Ou seja: o chefe do Poder Judiciário era o problema. Era alguém que, segundo o ministro Luís Roberto Barroso, padecia de "déficit civilizatório".

Sem ele, e com Ricardo Lewandowski na presidência, o Supremo Tribunal Federal poderá recuperar, aos poucos, a sua própria dignidade e também a confiança dos brasileiros. A começar pelo fato de que, na casa, não haverá novos pretensos candidatos a qualquer cargo eletivo. Aliás, em sociedades maduras, juiz é juiz, político é político. Quando as duas coisas se misturam, a toga se converte em trampolim para projetos pessoais e réus se transformam em objeto de vingança e catarse coletiva. Se vale uma sugestão para o Senado, que nas próximas sabatinas futuros candidatos a ministro renunciem previamente a qualquer ambição política. Fica a dica.

Afora isso, a respeitabilidade do STF também será recuperada por outra decisão tomada na semana passada: a que acaba com as transmissões de julgamentos de natureza política. Juízes não podem ser, em sociedades civilizadas, atores que disputam a preferência do auditório com a melhor frase ou a decisão mais populista, capaz de garantir de quinze segundos de fama nos telejornais. Justiça é algo que pressupõe serenidade, comedimento e recato. É o avesso do espetáculo.

Juiz de múltiplas agressões e de um processo só, Joaquim Barbosa foi um ponto fora da curva no Judiciário, assim como a própria Ação Penal 470. Representou apenas um hiato. Fruto de uma escolha demagógica e que também pontuou sua ação pela demagogia. Agora, o espetáculo chega ao fim, as luzes se apagam e é bom que não mais se acendam.