Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, advogado de um dos réus da Lava Jato, revelou como o caso é guiado na Justiça do Paraná e a interferência da imprensa por Patricia Faermann
Entrevista concedida a Luis Nassif e Patricia Faermann
Vídeo e edição: Pedro Garbellini
Jornal GGN - “Todos os tribunais superiores estão trabalhando em coro com o doutor Moro [juiz que comanda a Lava Jato]. Todos. O Tribunal Regional Federal, o Superior Tribunal de Justiça, e o Supremo trabalhando de acordo com ele”, disse o criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, advogado do vice-presidente da Camargo Correa, em entrevista exclusiva ao GGN.
Mariz de Oliveira, que se vê como um quixotesco na defesa dos direitos constitucionais, analisa criticamente a atuação da imprensa no caso jurídico sob holofotes. E mais. Para ele, há uma intrínseca relação entre a condução dos jornais para divulgar o caso com a tomada de decisões de Sergio Moro.
O criminalista explica que a mídia tem sido “porta voz da cultura punitiva” que, segundo ele, domina hoje a sociedade brasileira. “De repente surge um caso emblemático, surge um juiz que está sendo o trompetista dessa cultura, ele que espalha essa cultura, a mídia divulga”, afirma, contando que o risco é a propagação, já verificada, dessa linha de julgamento para as demais Cortes, incluindo as instâncias superiores.
Como exemplo, lembrou o Habeas Corpus deferido pela liberdade de Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras, em dezembro de 2014. “Houve uma liminar deferida para soltar um dos acusados, nós todos pedimos a extensão desse Habeas Corpus, uma vez que a situação era idêntica e o despacho era um só que determinou a prisão. Ele [Teori Zavascki, ministro do STF] soltou um e não soltou os demais”, explicou.
“Essa vinculação [das demais Cortes] com o juiz de primeira instância, se dá de forma muito clara”, alertou Antônio Cláudio Mariz de Oliveira. “Agora, qual é o papel da mídia nisso?”, questionou, referenciando a omissão da imprensa para alguns episódios da tramitação da Lava Jato.
“A mídia está ajudando, ou até substituindo, um juiz no ato de julgar”, afirmou o criminalista, sem fazer menção direta a Sergio Moro.
“O juiz mais fraco, o juiz preocupado com a sua imagem, que não tem a coragem de enfrentar a opinião pública, ele se deixa levar pela mídia. A influência da mídia hoje é uma das coisas mais preocupantes”, completou.
Ao ser questionado sobre os limites e regulamentações para que não haja excessos por magistrados e juízes, Mariz, com mais de 50 anos de experiência na Justiça disse: “controle nenhum. Ninguém fiscaliza o Judiciário. A pior ditadura é a do Judiciário, muito pior do que a ditadura das armas, porque com ela, você eventualmente pode ter armas e lutar. Contra a ditadura do Judiciário não existe arma”.
Explica que existem meios de reclamar e denunciar, mas “nada que impeça que eles continuem” a praticar abusos.
Somando-se a isso, alertou para o vício de a magistratura utilizar a imprensa como fonte de denúncia e de acusação. Segundo ele, isso preenche um cenário de expectativa da sociedade pela condenação e culpabilização, acima dos direitos individuais. O resultado, explica, é a inversão da lógica de que o ônus da prova é de quem acusa: o acusado tem que provar que é inocente, sem a presunção de que já seria, garantida pela Constituição Federal.
Acordo com empresas para melhorar sistema prisional
Para explicar como as tramitações de todos os réus denunciados no esquema de corrupção da Petrobras estão sob o controle estrito da Justiça Federal do Paraná, guiada por Sergio Moro, Mariz recordou que o posicionamento anterior do Ministério Público Federal era de firmar acordos com as empresas denunciadas, em prol de colaborarem nas investigações, e em troca a punição seria investir no sistema prisional brasileiro.
Entretanto, procuradores do MPF do Paraná, membros da Força Tarefa criada para investigar o caso, interferiram no objetivo.
“Havia um interesse do Procurador-Geral da República [Rodrigo Janot] em fazendo um acordo, que implicasse pagamento substancial de multas, e esse dinheiro fosse revertido para a construção de presídios, pelas próprias empreiteiras, que assumissem o compromisso para melhorar o sistema penitenciário. Soube que esta ideia sofreu uma objeção por parte dos integrantes dos procuradores de Curitiba, que constituem a Força Tarefa. E a partir desta objeção deles, o procurador [Janot] deixou de mexer com isso”, contou.
A explicação encontrada por Mariz de Oliveira foi que “esse acordo não ia dar à sociedade essa satisfação que as prisões dão”.
A primeira ofensiva do conservadorismo, depois de 2002, foi durante a crise do chamado “mensalão”, de 2005 em diante.
O alvo imediato da coalizão entre a velha mídia e os setores mais retrógados, incluindo parte da base governista, era o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu.
De lambuja, vinha a expectativa de criar as circunstâncias necessárias para o impedimento presidencial ou até sua renúncia.
Não se tratava apenas de golpear a principal liderança orgânica do PT e da esquerda, além de possível sucessor de Lula em 2010. A meta também era quebrar a coluna vertebral da agremiação e desorganizar seu núcleo dirigente.
O presidente Lula e seu partido, no entanto, decidiram evitar o confronto proposto por seus adversários. Dirceu foi decapitado e entregue à própria sorte, ainda que parte importante da militância de esquerda tenha, ao longo do tempo, se mantido solidária.
Imperou a ideia de que o “republicanismo” – parido pelo conceito do Estado como terreno neutro, no qual as instituições não devem ser disputadas a ferro e fogo, ao contrário do que sempre fizeram as classes dominantes – permitiria compensar o sacrifício do principal general petista, além de outros dirigentes históricos, pois neutralizaria o impacto das denúncias entre as camadas médias e amenizaria a voracidade das tropas inimigas.
Mais refinadamente, “republicanismo” expressava a busca por uma zona de intersecção que amenizasse o choque de classes e programas. Intento fracassado: os governos petistas abdicaram, por exemplo, de investigar as privatizações tucanas e deixaram seus oponentes confortáveis, liberados para operar organismos supostamente republicanos e lançar prolongada guerra de desgaste contra a esquerda.
O fato é que, no episódio do “mensalão”, o governo teve sucesso ao avançar na construção de uma política desenvolvimentista para romper o cerco conservador, o prestígio acumulado desde os anos oitenta ainda era muito elevado e Lula foi reeleito presidente da República.
No entanto, como dizia o ex-prefeito de Santos, David Capistrano Filho, nem tudo que dá certo, ou pareça certo, está certo.
O conservadorismo perdeu sucessivas eleições presidenciais, porém se deu conta de algo essencial: o PT tinha plano de governo, mas não era um partido vocacionado a lutar, com todas as suas implicações, pela transferência do poder de Estado às classes sociais das quais nasceu como principal representação.
Lula e seus correligionários não estavam dispostos a correr riscos, provocados principalmente pela situação minoritária da esquerda no parlamento, para reformar o sistema político, democratizar os meios de comunicação, disputar a hegemonia nos aparatos repressivos e judiciais, levar a cabo uma potente batalha político-ideológica contra as oligarquias ou mobilizar o povo como principal fator de governabilidade.
O esgotamento do modelo econômico impulsionado a partir de 2006, depois do afastamento de Antônio Palocci do Ministério da Fazenda, contudo, acabou por criar as condições para nova ofensiva restauradora.
De uma investigação pontual e fortuita sobre o doleiro Alberto Youssef, emergiu a Operação Lava Jato e veio se consolidando como instrumento fundamental para desestabilizar o projeto encarnado pelo petismo.
A partir de fatos concretos indicando corrupção na Petrobras e no sistema de financiamento eleitoral, um festival de ilegalidades e manipulações fez a escalada conservadora subir de patamar, repetindo o contubérnio da AP 470 entre grupos de mídia, setores do Ministério Público, pedaços do poder judiciário e frações da Polícia Federal.
A República de Curitiba, ao mesmo tempo que poupa a oposição de direita nas investigações sobre desvios e doações eleitorais, anima o golpismo contra a presidente Dilma Rousseff, mira o ex-presidente Lula e almeja a própria cassação do PT.
A direita se sente à vontade, porque aposta que o PT ladra, mas não morde. E que o governo liderado pelos petistas nem sequer ladra.
Até agora não se viu ou ouviu, por exemplo, qualquer gesto público da presidente ou seus ministros contra atropelos e abusos para incriminar, a qualquer custo, o operário cuja popularidade tornou possível a dupla vitória eleitoral da ex-guerrilheira.
As proporções do ataque atual são muito superiores às do “mensalão”, mas o Palácio do Planalto responde com o aprofundamento do “republicanismo” que faz a alegria das forças reacionárias.
Não há embate político a sério, não se pune funcionários do governo que violam estatutos de sua própria corporação, não se enfrenta a mídia, não se fala ao povo sobre o que está em jogo com o cerco ao maior líder histórico da classe trabalhadora.
O que prevalece é a lenga-lenga sobre feitos governistas para garantir autonomia das investigações, como se isso fosse a questão mais relevante em curso.
Marx dizia que a história se repete como farsa. Sorte a dele que não conhecia o país da jabuticaba. Aqui a história pode se repetir como tragédia ao quadrado.
A postura de 2005 custou a cabeça de personagens centrais da geração de resistência à ditadura e da construção do PT.
Sua repetição, nos dias que correm, pode levar de roldão a principal obra política do povo brasileiro desde a derrubada de João Goulart.
Manifestantes reclamam do que classificam como atitudes autoritárias do mandatário, como demissões em massa de servidores públicos e perseguição a movimentos sociais Por Opera Mundi
Um minifestival, liderado pelo cantor Fito Páez, reuniu manifestantes em uma praça em Buenos Aires no último sábado (13/02) para fazer um protesto contra o presidente do país, Mauricio Macri. Eles reclamam do que classificam como atitudes autoritárias do mandatário, como as demissões em massa de servidores públicos e a perseguição a movimentos sociais.
A iniciativa, chamada de “Praça dos Artistas”, em referência às “Praças do Povo” idealizadas na época do governo kirchnerista, foi convocada por meio de um vídeo no YouTube. Nele, artistas da Argentina, ao som da música “Y dale alegría a mi corazón”, de Páez, falavam as palavras “alegria”, “trabalho” e “liberdade”, motes da manifestação idealizada pelo cantor.
Ao jornal Página 12, o ator Pablo Echarri afirmou que o festival é parte de um “espaço de pensamento através da arte, da canção e da poesia”, para defender “o mais importante que nós [argentinos] ganhamos nos últimos anos: poder nos expressar livremente, sem medo”.
Pouco a pouco, vai se tornando clara como água a natureza da Operação Lava Jato. A direita, mesmo na oposição, conseguiu o que a esquerda, mesmo no poder, não conseguiu – até porque, nunca tentou: colocar grande parte da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário a serviço de uma corrente político-ideológica.
É estarrecedor como a direita conseguiu aparelhar ideologicamente essas instituições e colocá-las a seu serviço enquanto os governos “republicanos” do PT se gabavam de não interferir nelas.
Sim, Lula 1, Lula 2, Dilma 1 e Dilma 2 jamais interferiram nesses órgãos, mas esqueceram de tomar cuidado para que outros não interferissem. Não nomear procuradores-gerais da República, Chefes da Polícia Federal ou ministros do Supremo alinhados com o governo não bastava. Era preciso que os nomeados não estivessem alinhados com a oposição.
Nesse aspecto, chega a ser estarrecedor como Lula e Dilma permitiram que esses órgãos fossem sendo dominados por grupos político-ideológicos. Deixaram a coisa correr tão solta que, hoje, MP e PF, por exemplo, têm militantes tucanos à frente de investigações.
O juiz Sergio Moro, por exemplo, provém de uma conhecida família abastada, ultraconservadora e antipetista do interior do Paraná. Colocá-lo à frente da Operação Lava Jato foi uma decisão política adjacente à montagem de uma estratégia de limpeza político-ideológica no país. A Operação foi pensada para tirar o PT do poder, já que não era possível derrotá-lo eleitoralmente.
Ano passado, foi fartamente divulgado um documento que mostra que Moro foi escolhido a dedo por seus pendores político-ideológicos e por sua obsessão por uma armação da direita italiana que colocou no poder por um longo período um dos maiores picaretas da história do país, Silvio Berlusconi.
Em 2004, Moro escreveu exaltação da Operação Mãos Limpas que não deixa dúvidas quanto ao caráter ideológico e político da operação policialesca italiana.
O documento escrito por Moro mostra que os vazamentos ilegais e seletivos só contra políticos de esquerda ou aliados são propositais, planejados pelo juiz ligado ao PSDB. Mostra, também, que, como na operação italiana, tudo gira em torno de um grande alvo político.
Enquanto que na Itália os alvos primordiais eram o Partido Comunista Italiano e o Partido Socialista Italiano, no Brasil os alvos são o PT e Lula. Desde o começo.
Assim como na Itália a Operação Mãos Limpas não mudou nada. Como só visava alvos de esquerda, a corrupção continuou. A operação, como admite Moro em seu “paper”, foi responsável pela “santificação” de Berlusconi, de modo que a corrupção continuou, só que pelas mãos da direita.
O pior é que, ao menos na Itália, essa farsa deu certo. A direita radical se manteve no poder por muito tempo graças à Operação Mãos Limpas, até que a população percebesse o que tinha acontecido entregasse o poder ao Partido Democrático, fundado em 2007 através da fusão de vários partidos de centro-esquerda.
O PD não chega a ser bem um partido de esquerda, mas pelo menos a direita fascista de Berlusconi foi apeada do poder.
O que se pode dizer é que o Brasil ainda deve sofrer muito com a Lava Jato. Além de continuar afundando a economia, deve facilitar a ascensão da direita ao poder, o que deve gerar aumento considerável da pobreza e da desigualdade.
A permanência de Dilma no poder durante os próximos 2 anos e 11 meses é o que resta de chance aos desvalidos deste país. Mas se a política continuar nessa toada, ela pouco poderá fazer além de evitar a piora das condições atuais.
Mas se a Lava Jato conseguir aqui o que a Mãos Limpas conseguiu na Itália, a piora das condições sociais dos brasileiros dará um salto após a saída de Dilma. A ideia que norteou a Mãos Limpas e que norteia a Lava Jato é justamente a de colocar os pobres no seu lugar, ou seja, na pobreza.
E, claro, abrir o caminho para a direita roubar à vontade.
Num país onde a ausência de um inédito Prêmio Nobel verde-amarelo alimenta a baixa estima nacional, a visita de dez dias do engenheiro indiano Kailash Satyarti, Prêmio Nobel da Paz de 2014, encerrada neste fim de semana, teve a utilidade de comprovar o mau momento vivido pelos grandes jornais e revistas do país.
Recebido por repórteres de veículos interessados numa pauta única -- o impeachment de Dilma Rousseff --, Kailash teve poucas oportunidades de discutir o assunto em que é uma autoridade internacional -- o combate ao trabalho infantil, causa que lhe deu o Nobel, há dois anos. Em vez disso, "em todas as minhas entrevistas, o impeachment sempre estava entre as primeiras perguntas. E eu não tinha muito o que dizer a respeito, até porque nem sou membro do Congresso e sequer sou cidadão brasileiro", disse, momentos antes de embarcar para Roma, onde tinha uma audiência marcada com o Papa Francisco.
Em entrevistas no Recife, São Paulo e Brasília, Kailash defrontou-se com jornalistas sem interesse real para tentar entender o que ele dizia e mais preocupados em transformar -- de qualquer maneira -- o Prêmio Nobel em instrumento de ataque ao governo. Num movimento selvagem para desconstruir as relações do governo Dilma como as parcelas mais pobres da sociedade, hoje seu maior trunfo de sobrevivência política, a mídia grande só ouviu o que queria ouvir. Mais tarde, ao perceber que o Nobel não iria entrar no jogo, perdeu interesse pela visita.
"Em São Paulo eu disse que a atuação do Brasil contra o trabalho infantil era um exemplo a ser seguido no mundo inteiro. Fiquei sabendo, no dia seguinte, que interpretaram a frase no sentido invertido, como se eu tivesse criticado o governo brasileiro e que não era um exemplo a ser seguido," conta o Nobel. "Claro que essa versão, errada, foi a que ficou circulando por vários dias," afirma uma autoridade que acompanhou a visita de perto.
Ativista contra o trabalho infantil num país onde a merenda escolar é uma novidade relativamente recente -- no Brasil, foi estabelecida em lei há meio século e é assegurada pela Constituição de 1988 -- Kailash começou a tomar contato com os programas sociais brasileiros antes de Lula chegar ao Planalto. Em sua primeira visita ao país, conheceu o Bolsa-Escola, lançado no Distrito Federal pelo então governador Cristovam Buarque, com quem também se encontrou durante a visita. Em 2016, na sexta viagem ao Brasil, teve uma audiência de mais de uma hora com Dilma Rousseff, a quem sugeriu que o Brasil liderasse uma conferência dos Brics -- Brasil, Índia, China e África do Sul -- contra o trabalho infantil.
Kailash manteve várias conversas com Tereza Campelo, titular do Ministério do Desenvolvimento Social. Saiu de uma audiência com o ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, convencido de que os programas de assentamento e apoio à agricultura familiar merecem mais aplausos do que têm recebido até agora. Em São Paulo, Kailesh reuniu-se com empresários do grupo Ethos que têm uma atuação destacada na defesa dos direitos da criança, inclusive recusando-se a comprar produtos de empresas que empregam mão de obra infantil. Também teve uma conversa de uma hora com estudantes que participaram da ocupação de escolas da rede pública.
Entrevista a Paulo Moreira Leite
PML -- Eu gostaria de saber como o senhor interpreta os dados mais recentes sobre trabalho infantil, computados em 2014, que mostram um perfil diferente no Brasil. Hoje, 80% das crianças que trabalham têm 15 anos ou mais e 62% dos menores de 14 anos estão mobilizados na agricultura familiar. É uma situação muito diferente daquela que se via anos atrás.
KAILASH -- Conheço esses números. Eles mostram uma mudança muito importante, num processo de longa duração e que sempre avançou na mesma direção. Vocês tiveram o Bolsa Escola do governador Cristovam, que ajudou a atrair a criança para escolas. Depois, o Bolsa Família do governo Lula, que representou um avanço importante. O governo Dilma ampliou o Bolsa Família, não só pela geografia, mas também em outros aspectos. Também precisamos lembrar que, comparando com outros países, o Brasil tem uma legislação que ajuda muito.
PML -- Por que?
KAILASH -- O Brasil tem hoje a legislação mais progressista do mundo sobre trabalho infantil. Para começar, o trabalho só é autorizado depois dos 16 anos. Nos outros países, como a India, o limite é 14. A legislação brasileira protege a criança com exigências rigorosas, o que facilita a ação de quem está interessado em punir abusos. É uma diferença importante, pois outros países não tem nada parecido. Os Estados Unidos sequer assinaram a convenção contra o trabalho infantil da Organização Internacional do Trabalho, o que significa que ali as crianças tem pouca proteção legal.
PML -- Além do Brasil, outros países possuem programas de distribuição de renda que ajudaram a manter a criança na escola. Como eles são?
KAILASH - Na Índia, por exemplo, o programa Mahtma Ghandi de Garantia de Emprego Rural assegura às famílias das pequenas comunidades rurais pelo menos 120 dias de trabalho por ano. Se não há emprego, elas recebem o equivalente em salário. Outro programa assegura pelo menos uma refeição quente por dia a 130 milhões de crianças.
PML -- Em São Paulo, o senhor reuniu-se com estudantes que recentemente ocuparam escolas públicas para exigir melhoria na qualidade do ensino. Qual sua avaliação dessa mobilização da juventude?
KAILASH -- É um fenômeno muito positivo, que reflete o progresso ocorrido nos últimos anos. Por causa do progresso social, os jovens passaram a comparecer a escola com mais frequência. Ao descobrir a importancia para a educação em suas vidas, passaram a se preocupar com a qualidade do ensino. Estão certos. A qualidade de ensino, no Brasil, é um desafio a ser enfrentado. Precisa melhorar. Não haverá progresso sustentável sem progresso na educação. Essa é a chave. É positivo, portanto, que os jovens se mobilizem para colocar novos direitos e reivindicações. Querem participar mais, interferir mais. Seu poder está emergindo. Eu acho muito bom.
PML -- Até hoje, os programas de distribuição de renda, como o Bolsa Família, têm adversários influentes nos meios de comunicação. É comum ouvir que esses programas estimulam a preguiça, acomodam as pessoas e no fim das contas acabam prejudicando o desenvolvimento do país.
KAILASCH -- É assim no mundo inteiro, inclusive na India. Essa crítica parte daquelas pessoas, que representam uma pequena parcela de cada sociedade, que tem dinheiro, acesso a educação, a Justiça. Elas imaginam que o progresso dos que nada têm, ou têm muito pouco, poderá prejudicar sua situação. Sentem-se ameaçadas. Não percebem que irá ocorrer justamente o contrário.
PML -- Como assim?
KAILASCH -- Estamos falando da emergência de sociedades mais homogêneas, onde não apenas 20%, mas 40%, 60% das pessoas conseguem ter boas escolas, um bom emprego, uma boa perspectiva. Essas sociedades têm menos tensões sociais, menos violência e, potencialmente, menos insegurança. Isso porque o progresso vai além da economia. Traz esperança a quem está por baixo e nunca pode pensar numa condição de vida melhor. Dá confiança. E essa confiança é essencial para que se possa mobilizar a sociedade civil em busca de melhorias. O apoio população só se obtém quando todos podem confiar no que está acontecendo. Não é correto culpar o governo por tudo o que acontece. As leis ajudam, a ação do Estado é muito importante mas não resolve tudo. A sociedade também tem sua responsabilidade. Todo mundo sabe que os programas sociais, não apenas beneficiaram a juventude, que teve condição de ir a escola, mas também fortaleceram o papel da mulher na sociedade. Isso é muito positivo. E não apenas para as mulheres, claro.
“Eu não acho que exista um combate à corrupção, existe uma guerra declarada ao Partido dos Trabalhadores”.
Quem diz a frase, com a ressalva de que “não sou PT” e “não gosto de muita coisa no PT”, é o delegado aposentado Armando Coelho Neto, ex-Presidente da Associação de Delegados da Polícia Federal.
A entrevista, ao veterano colega Humberto Mesquita (ex-Realidade, Tupi e SBT), é impressionante, porque é dada por quem não apenas conhece a corporação como porque historia fatos. E que evita, por consciência do que deve ser o comportamento de uma autoridade policial, evita qualquer afirmação leviana contra qualquer pessoa.
Um deles é a descrição de como se tomou o depoimento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: com absoluta discrição e sem qualquer tipo de constrangimento, como deve ser a colaboração com a apuração de crimes.
Outro, a denúncia sobre o desvirtuamento da Operação Zelotes, que apura sonegação – e, portanto, desvio de dinheiro público – em volume maior do que a Lava Jato e foi transformada em “Operação Filho do Lula”, por uma suspeita que, além de frágil, é absolutamente lateral ao cerne do que se fez: formar-se um esquema de quadrilha dentro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.
O delegado Armando já havia sido mencionado aqui, por conta de um dos ótimos posts de Marcelo Auler, repórter que conhece a área e que é testemunha do comportamento deste policial. Que parece mesmo alguém mais preocupado em ser equilibrado do que um leviano e exibido.
"Não sou um homem, sou dinamite", diz Nietzsche, em Ecce Homo.
Me parece uma citação apropriada para falar de José Dirceu, que se tornou uma espécie de judeu errante da política brasileira, indo de prisão em prisão, de acusação em acusação, alvo de uma campanha diuturna na imprensa há mais de dez anos.
O seu depoimento a Sergio Moro é um tanto chocante, por sua banalidade.
O juiz não tem acusações a fazer contra Dirceu. Então ele se fixa, por horas a fio, em perguntas mesquinhas, perguntas de contador, pedindo detalhes triviais sobre o patrimônio do ex-ministro.
Ele fornece os detalhes: tem uma casa em Vinhedo, onde morava, adquirida antes de entrar no governo; uma outra, no mesmo condomínio; um terreno; uma casa comprada para sua mãe em Passa Quatro.
Nenhum dos imóveis são de alto valor.
O tal "condomínio de luxo" em Vinhedo, explica Dirceu, só começou a ser mencionado assim pela imprensa depois que ele voltou a residir por lá.
E é só.
Ecce Homo.
Em suas contas bancárias, não se encontrou praticamente nada.
Não se encontrou contas de Dirceu no exterior - e se contas de Eduardo Cunha foram encontradas tão rapidamente, imagine o esforço que os procuradores não devem ter feito para acharem uma conta de Dirceu lá fora.
Eis o homem apresentado como a encarnação maior do mal em nosso país.
O satanás da corrupção!
O Globo, mestre na arte da mentira e da manipulação, pega uma frase de Dirceu durante o depoimento, fora de contexto, e publica no título:
"Dirceu: R$ 120 mil por mês era irrisório."
A frase fazia parte da explicação de Dirceu acerca dos pagamentos por sua consultoria. Ele cobrou R$ 120 mil por mês à Engevix para abrir o mercado no Peru.
É o custo empresarial, que inclui as despesas.
É sempre irônico imaginar um punhado de alienados lendo essa notícia num jornal cujo dono é a família mais rica do país, e que ganha dinheiro não com consultorias internacionais a grandes empresas, não abrindo mercados para empresas brasileiras no exterior, mas com aplicações em fundos abutres que apostam contra a economia nacional.
Sergio Moro pede explicações igualmente banais sobre a consultoria. Diversas grandes empresas já declararam, nos autos, explica o réu, que os seus serviços como consultor foram prestados corretamente, tanto que essas companhias conseguiram acessar mercados no exterior que antes não acessavam.
Moro não se satisfaz. Quer fazer o réu cair numa pegadinha: você não prestava contas? Não fazia reuniões com os diretores?
"Eu prestava consultorias para mais de 60 empresas", explica Dirceu.
Podemos quase ouvir os pensamentos do juiz, porque ele já o expressou em outras ocasiões: é estranho isso, é estranho aquilo.
Moro costuma condenar as pessoas por achar "estranho" isso ou aquilo.
O espectador se pergunta: por acaso Moro entende alguma coisa de consultoria internacional?
Após ouvir as explicações de Dirceu, o espectador entende o que ele fazia.
O juiz, não.
Aliás, no próprio depoimento, Dirceu, animal político nato, sem querer revela porque as empresas o contratavam: ele é um profundo estudioso da política no Brasil e no mundo, mesmo na prisão.
Ele comenta, como que numa conversa sobre política com o espectador do vídeo, sobre a exigência do Podemos, a nova esquerda espanhola, por tantos ministérios.
Dirceu viajava para os países com os quais tinha mais relações, estudava seus mercados, sua política, sua economia, investigava os procedimentos necessários para uma empresa ingressar nele, e cobrava por isso.
O mais chocante de tudo, porém, é que pelo jeito não há - de novo - nenhuma prova contra ele.
Ele argumenta com o juiz sobre a razoabilidade de sua prisão: eu já estava em prisão domiciliar, diz, abri meu sigilo telefônico. Não vou obstruir a justiça. Por que, então, não responder o processo em liberdade?
Por que prender alguém que já está preso?
A explicação sobre Renato Duque poderia demolir, se houvesse o mínimo de diversidade na grande imprensa brasileira, a lenda sobre a "indicação de Dirceu".
O ex-ministro fala o óbvio: a indicação para as diretorias estatais são negociações com todos os partidos, e inclusive com a equipe de transição, ligada ao governo anterior.
Ninguém pode impor os nomes que deseja. A coalização filtra as indicações e chegam-se a um ou dois nomes de consenso. O PSDB, por exemplo, diz Dirceu, enquanto parte da equipe de transição, tentou emplacar Dimas Toledo, homem forte de Furnas, numa diretoria importante da Petrobrás.
A citação de Dimas Toledo, por Dirceu, é uma provocação, uma saudável e oportuna malícia, como que a lembrar a Sergio Moro: e aí, juiz, não vai investigar a delação de Yousseff, de que Aécio recebia quase meio milhão de reais por mês, por meio de uma empresa ligada a Furnas?
Sim, porque Dimas Toledo era um dos operadores das propinas tucanas em Furnas, em especial para o PSDB de Aécio Neves. Ele é um dos homens por trás da famigerada Lista de Furnas, que a mídia conseguiu abafar. Um dos presos ligados ao esquema, mesmo querendo delatar, foi mantido incomunicável. E a imprensa mineira, como se sabe, é uma das mais censuradas e corruptas do país. Foi mantida sob rígida mordaça, por causa do acordo entre proprietários de jornal e o governo Aécio.
Enfim, voltando a Dirceu, vemos um homem abatido, mas de espírito firme.
Ao final do depoimento, ele encontra tempo para rechaçar qualquer tentativa, por parte da procuradoria, de usar o processo para pedir a cassação do registro partidário do PT ou incriminar o ex-presidente Lula.
Juiz observa, hipócrita: "mas isso não tem a ver com o processo"...
Não importa, rebate Dirceu, eu quero falar.
Antes de morrer pela segunda vez, diante do mesmo juiz que ajudou a escrever sua primeira condenação, Dirceu dá seu recado aos acusadores: jamais entrarei no jogo sujo de vocês! Jamais trairei minhas ideias e meu partido!
A história sobre as "reformas" na casa de Dirceu, bancadas pelo homem da Engevix que pagava pelos serviços dele, revela sobretudo a contradição das acusações contra o ex-ministro.
Ora, se ele era um homem tão rico, um corrupto tão bem sucedido, porque ele aceitaria que alguém pagasse uma reforma em seu imóvel?
Que corrupto de merda, que não tem recursos para bancar uma mísera reforma em sua casa!
Uma reforma meia boca, aliás. Não uma reforma suntuosa num palácio.
Dirceu era um homem privado, há muitos anos fora do governo, mas que lutava para ganhar dinheiro e, com isso, sobreviver politicamente.
Havia uma necessidade financeira real para Dirceu, urgente, enorme. Ele não estava livre. Enquanto prestava consultoria, ele sabia que a onda se avolumava, e que, em algum momento, iria se espatifar contra ele. O processo da Ação Penal 470 corria, em tenebroso sigilo.
Dirceu precisava pagar honorários altíssimos para seus advogados e construir sua defesa política.
Ele precisava lutar, praticamente sozinho, contra uma máquina gigantesca, uma máquina que não escondia a intenção de fazer de tudo para condená-lo, mesmo sem provas, como aconteceu.
Na verdade, a impressão que tenho, quando li a acusação do delegado que motivou a prisão de Dirceu, é que sua nova prisão representou uma vingança.
Uma vingança contra o fato dele não ter se rendido, de ter, até o fim, lutado para provar por sua inocência na Ação Penal 470.
Os conspiradores do Estado, na Ação Penal 470, jamais perdoaram Dirceu por ele ter se mantido de cabeça erguida, por ter conseguido manter, em sua defesa, uma ativa e numerosa militância, que inclusive se mobilizou para pagar a multa de 1 milhão de reais imposta pelo Judiciário.
Como poderiam perdoar essa afronta?
José Dirceu tem sido mantido preso incomunicável. Não pode falar com a imprensa. Outro absurdo bem típico da nossa era.
Quando assistimos a documentários e filmes americanos, vemos que psicopatas, assassinos em série, criminosos de toda espécie, tem direito a falar com a imprensa, a contar sua versão.
Quantos filmes não vimos em que jornalistas de verdade, não esses "chapa-branca" desprezíveis da nossa imprensa, sempre em favor da acusação, sempre em favor do Estado, em que esses jornalistas de verdade entrevistam os réus, ouvem sua versão, dispõem-se a acreditar neles e, no fim, conseguem mudar uma sentença de morte!
Truman Capote escreveu sua obra-prima A Sangue Frio, com base nos depoimentos dados por um assassino.
Aqui no Brasil vivemos de fato uma espécie de ditadura judiciária, com censura e tudo.
Apenas conteúdos e depoimentos contra os réus são vazados.
Qualquer movimentação dos réus, qualquer tentativa de se defenderem dessa publicidade opressiva da qual são vítimas (independente inclusive de serem culpados), qualquer esforço que fazem para garantirem sua liberdade, ou apenas sua dignidade, são imediatamente criminalizados pelo juiz, procuradores e mídia.
Apenas a acusação tem voz. Apenas a acusação pode ter voz.
Tornamo-nos um país dominado por procuradores de província.
O juiz Sergio Moro é um aliado da procuradoria, não um magistrado isento, não é um representante autêntico de uma justiça que deveria pesar sempre os dois lados, e nunca pender para nenhum, e se preocupar sempre, antes de tudo, em não ferir desnecessariamente a liberdade de nenhum cidadão brasileiro.
Procuradores e juiz dão entrevistas em profusão. Discursam em templos religiosos. Participam de regabofes patrocinados pela grande mídia ou por medalhões da oposição.
Os réus, enquanto isso, não podem falar nada. São apenas massacrados, dia após dia, até o ponto em que nenhum juiz terá coragem de lhes dar um mísero habeas corpus, com receio de que isso resulte em represálias contra si na opinião pública.
A troco de que correr esse risco?
Vale a pena transcrever por inteiro o aforisma de Nietzsche que termina com a frase citada no início do texto.
É um aforisma que tem muito a ver com o que se tornou Dirceu: um símbolo invertido, demoníaco, do que o homem comum, o indignado leitor de jornais, entende como "moral".
Dirceu é a antítese do bom burguês nietzschiano.
É um homem culto, forte, que poderia ter ficado rico sem grandes esforços.
Dirceu, no entanto, em algum momento de sua vida, fez uma escolha trágica: decidiu lutar contra a ditadura, não apenas contra a ditadura do regime militar, mas contra essa ditadura que vige até hoje, essa violência constante do Estado contra seus próprios cidadãos, esse egoísmo sem controle, esse ódio social entranhado profundamente no espírito das classes bem nascidas, dos cidadãos "de bem".
Esse egoísmo quase assassino, tão bem representado nas marchas de alienados que vimos em 2015, e sintetizado maravilhosamente naquele cartaz empunhado por uma pacata senhora.
"Por que não mataram todos em 64?"
Bem que tentaram, minha senhora. Bem que tentaram matar Dirceu. Não deu naquele momento. Mas hoje conseguiram uma coisa ainda mais efetiva: matar-lhe em vida, destruir-lhe a reputação.
É muito melhor assim, senhora. Muito mais inteligente.
Dirceu também é, ao mesmo tempo, um representante dessa furiosa vontade de realizar, de superar obstáculos, que caracteriza o homem político, em todos os tempos, sem o qual não haveria jamais progresso, jamais república, sufrágio universal, avanços sociais, revoluções.
Um homem, que fique bem claro; não um santo.
Não, santo jamais! Antes um demônio!
O aforisma de Nietzsche:
"Eu conheço meu destino. Um dia meu nome será associado à memória de algo tremendo - uma crise sem igual na terra, a mais profunda colisão da consciência, uma decisão que foi tomada contra tudo que se acreditou, pediu, venerou. Não sou um homem, sou dinamite".
Ecce Homo. Dirceu. Símbolo de tudo que há de bom e ruim, de forte e fraco, na política.
Um homem que fundou um partido, que fez esse partido crescer e, contra tudo e contra todos, ganhar o poder.
Um homem que destruiu um partido, que se tornou a principal ferida desse partido.
Um homem que venceu, que conquistou o mundo.
Um homem que viu esse mundo fugir-lhe das mãos, e voltar-se, furioso, contra si mesmo, e tirar-lhe tudo: reputação, família, patrimônio, liberdade.
Por Ana De Hollanda Em 05 De Fevereiro De 2016 Durante quase dois anos em que fui responsável pelo Ministério da Cultura junto com uma equipe bastante gabaritada, pude conhecer melhor a Lei Rouanet com seus benefícios e defeitos em relação à finalidade. Dialogamos com produtores, artistas, e potenciais patrocinadores do país todo junto com o saudoso Deputado Pedro Eugênio, então relator do Procultura (projeto de lei substituto que tramita no Congresso), para que esse fosse aperfeiçoado ao máximo. Até onde fomos, o projeto deu um enorme salto, principalmente em relação às variantes de públicos beneficiados, assim como dos perfis das produções culturais. Hoje não sei dizer se aqueles avanços foram mantidos.
Nesse tempo todo, o Secretário da Secretaria do Fomento e Incentivo à Cultura – SEFIC, Henilton Menezes, estudou e dialogou permanentemente com os usuários da lei e CNIC e a adaptou, dentro de seus limites, com portarias que destravaram, em muito, a burocracia e corrigiram deformações.
Há anos que essa figura controladora e autoritária, que atualmente ocupa a pasta, vem combatendo a lei não pelos seus defeitos, mas sim pelas facilidades com que ela permite ao interessado buscar patrocínio a partir da aprovação técnica da CNIC, sem um aval “cultural” do Estado. No caso, ele. Defende, então, que eventuais patrocinadores repassem o valor a ser debitado do IR ao Fundo Nacional de Cultura, controlado pelo MinC, e não ao produtor cultural. Não por acaso, quando Secretário Executivo do MinC, batalhou ardentemente pela criação da desastrada e abortada Ancinav, com suas propostas de “dirigismo cultural”.
Hoje o TCU determinou que projetos culturais com "forte potencial lucrativo" sejam proibidos de receber apoio através da Lei Rouanet. Ora, o que determina o limite desse potencial lucrativo? Afinal, todas as empresas produtoras visam lucro, seja qual for o projeto cultural. Se o TCU pretende criar limites de valores a serem deduzidos, independente dos custos, teria que deixá-los explícitos. Mas lei a nº 8.313 nada prevê em relação a isso. Na ausência de explicitação caberá ao MinC decidir qual projeto “potencialmente lucrativo” pode, e qual não pode?
Por Luiz Carlos Bresser Há meses que eu ouço frases como: “Quando vão chegar no Lula?”, ou então, “Quando vão pegá-lo?”. Porque, afinal, este é o objetivo maior do 'establishment' brasileiro: atingir o maior líder popular do Brasil desde Getúlio Vargas. Não porque ele seja desonesto, mas porque ele se manteve de esquerda, porque se manteve fiel à sua classe de origem não obstante o clássico processo de cooptação de que foi objeto. Pois bem, o 'establishment' chegou ao Lula. Não para incriminá-lo, mas para tentar desmoralizá-lo. Duas manchetes de primeira página dos dois principais jornais de São Paulo semana passada são significativas. Na Folha li que “Lula é investigado por suposta venda de MPs”. Não há nada contra o ex-presidente na Operação Zelotes, a não ser a desconfiança de um delegado irresponsável. O que há nessa operação é o envolvimento de grandes empresas e de seus dirigentes em um escândalo de grandes proporções de pagamento de propinas para obterem MPs favoráveis. No Estadão, por sua vez, a manchete era “Compra de sítio foi lavrada no escritório de compadre de Lula”. Neste caso – o do uso por Lula e sua família de um sítio no qual construtoras se juntaram para realizar obras sem que houvesse pagamento – o caso é mais objetivo. Lula aceitou um presente que não deveria ter aceito.
As contribuições de empresas a campanhas eleitorais (que até a decisão do Supremo eram legais) são afinal presentes. Mas é impressionante como empresas dão ou tentam dar presentes mesmo a políticos – presentes dos quais elas não esperam nada determinado em troca; fazem parte de suas relações públicas. Eu sempre me lembro de como tentaram reformar a piscina da casa do Ministro da Fazenda em Brasília quando ocupei esse cargo em 1987. Minha mulher os pôs para correr. Era o que devia ter feito Lula, que havia acabado de sair do governo. Não o fez, e isto foi um erro político. A reforma não aumentava seu patrimônio, apenas lhe proporcionava mais conforto. Ele não trocou a reforma do sítio por favores às duas construtoras. Não há nada sobre isto na investigação sobre o sítio. O Estado brasileiro está revelando capacidade de se defender – de defender o patrimônio público – ao levar adiante as operações Lava Jato e Zelotes. Dirigentes de empresas, lobistas e políticos envolvidos estão sendo devidamente incriminados e processados. A instituição da delação premiada revelou-se um bom instrumento de moralização. Mas está havendo abusos. Houve e estão havendo abusos na divulgação de delações sem provas, houve abuso em prisões cautelares ou provisórias quando não havia razão para elas. E não é razoável o que se está fazendo com Lula. Só um clima de intolerância e de ódio pode explicar o cerco de que está sendo vítima.
Discordar das escolhas estratégicas de Lula não autoriza a silenciar quando as elites o perseguem – nem a esquecer a hipocrisia brutal deste ataque seletivo
Por Guilherme Boulos
No apagar das luzes de seu mandato, o ex-presidente promoveu um jantar no Palácio do Planalto para a nata do PIB nacional – Odebrecht, Gerdau, Lázaro Brandão, entre outros – com direito a vinho francês e refinado menu. Mas o prato principal era obter dinheiro para o financiamento de seu instituto após sair da presidência. Conseguiu naquela noite a bagatela de R$7 milhões.
O filho do ex-presidente teve as contas de um hotel de luxo em Ipanema, onde morou por certo período, pagas por um grupo empresarial do setor têxtil. Andava pra lá e pra cá de BMW e tinha um jatinho permanentemente à sua disposição. Isso tudo com o pai ainda na presidência da República.
O ex-presidente e seu partido foram acusados por certo senhor que foi seu Ministro de Estado e figura ativa na campanha eleitoral de terem apropriado nada menos que R$130 milhões de sobras de campanha em sua primeira eleição, sendo R$100 milhões de caixa dois. Disse ainda que o recurso foi provavelmente enviado ao exterior. O nome deste ex-presidente é Fernando Henrique Cardoso. O filho pródigo é Paulo Henrique Cardoso. E o acusador dos desvios na campanha de 1994 é José Eduardo de Andrade Vieira, banqueiro que foi Ministro da Agricultura de FHC.
Nenhum desses fatos é novidade. Mas não renderam dez minutos no Jornal Nacional por dias a fio nem repetidas manchetes da Folha. Não fizeram também com que FHC e seu filho fossem intimados a depor pelo Ministério Público. Se fosse o Lula…
Aliás, o mesmo Ministério Público de São Paulo que intimou Lula e sua esposa não denunciou nenhum agente político no escândalo do “trensalão” tucano e arquivou o caso das irregularidades no monotrilho, que apareciam numa planilha apreendida com Alberto Youssef.
Seguindo a toada, o Ministério Público de Minas Gerais também pediu o arquivamento do caso do aeroporto de Claudio. O então governador Aécio Neves (PSDB) desapropriou a fazenda de seu tio para construir um aeroporto, cuja chave (do aeroporto “público”) ficava em poder de sua família. O MP mineiro não viu motivo algum para intimar Aécio ou oferecer denúncia.
FHC é tratado pela mídia como grande estadista e nunca foi incomodado pelo MP ou pela Polícia Federal. Em seu governo, aliás, ambos eram controlados na rédea curta. Suas transações com o pecuarista e empresário Jovelino Mineiro, seja na controversa fazenda de Buritis (MG), seja na hospedagem frequente em apartamento na capital francesa nunca geraram grande alarde. Atibaia desperta mais interesse que Paris.
Aécio, por seu lado, desfila em Brasília como defensor da moralidade. Tal como FHC é aplaudido em restaurantes e não tem porque se preocupar com investigações. Seu nome apareceu em mais de uma delação da Lava Jato, mas não cola.
Em relação a Lula, a disposição é outra. Uma canoa vira iate. E o depoimento de um zelador é tratado como condenação transitada em julgado.
É verdade que Lula e o PT pagam o preço de suas escolhas. Não enfrentaram em seu governo a estrutura arcaica do sistema político brasileiro, onde interesses públicos e privados sempre conviveram promiscuamente. Mantiveram intocado o monopólio midiático empresarial, que hoje os dilacera. E optaram por uma aliança com a elite econômica, pensando talvez que seriam tratados como os “de casa”. Chocaram o ovo da serpente.
Mas criticar suas escolhas estratégicas – como é o caso aqui – não significa legitimar um linchamento covarde e com indisfarçado interesse político. Se há acusações em relação a favorecimentos da OAS ou da Odebrecht, que Lula seja investigado. Como Fernando Henrique nunca foi e os grão-tucanos não costumam ser.
Contudo, investigação – e jornalismo investigativo – não podem carregar o selo das cartas marcadas e da seletividade. Definir que Lula é o alvo e, depois, fazer uma devassa pelo país em busca de um argumento factível é transformar investigação em achincalhamento e argumento em pretexto.
Como gosta de dizer um famoso morador de Higienópolis: “assim não pode, assim não dá”.