Blog I'unitá Brasil

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terça-feira, 22 de março de 2016

Embaixadora dos EUA no Brasil atuou no Paraguai antes do golpe

Não se tratasse de política, poderíamos afirmar que é uma coincidência, mas isso dificilmente existe quando é este o caso. A mesma embaixadora dos Estados Unidos que serviu no Paraguai até meses antes do golpe é a responsável pelo Brasil neste momento de crise política no país.

Por Mariana Serafini


Liliana Ayalde serviu como embaixadora dos Estados Unidos no Paraguai de 2008 a 2011 e transferiu seu cargo para James Thessin meses antes do golpe que destituiu o presidente Fernando Lugo, em 22 de junho de 2012. Desde 1º de agosto de 2013 ela exerce a mesma função no Brasil. À época da assunção não houve alarde, nem coletivas ou conversas com a imprensa local. 

Pouco mais de um ano depois da posse de Lugo, em 7 dezembro de 2009, Liliana Ayalde escreveu para o departamento de Estado dos Estados Unidos um telegrama – vazado pelo Wikileaks e publicados pela Agência Pública – onde expressa suas ressalvas com relação ao governo paraguaio. “Temos sido cuidadosos em expressar nosso apoio público às instituições democráticas do Paraguai – não a Lugo pessoalmente”.

O “apoio” descrito por Ayalde não é apenas uma questão diplomática, trata-se de milhões de dólares norte-americanos investidos por meio da Usaid (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) em empresas, ONG’s e órgãos não governamentais praticamente impossíveis de serem monitorados no Paraguai. No mesmo relatório a embaixadora é bastante incisiva sobre este controle: “a nossa influência aqui é muito maior que as nossas pegadas”. 

Três anos que antecederam as 48 horas do golpe

O golpe no Paraguai foi como um “relâmpago” realizado em apenas 48 horas. Depois de ser derrotado por 39 votos favoráveis ao impeachment no Senado, e ter apenas quatro em apoio, o presidente Fernando Lugo precisou montar sua defesa para recorrer à Suprema no período de 17 horas, mas não foi bem sucedido. 

Em um despacho ao departamento de Estado do dia 25 de agosto de 2009 –um ano depois da posse de Lugo – Ayalde afirmou que “a interferência política é a norma; a administração da Justiça se tornou tão distorcida, que os cidadãos perderam a confiança na instituição”. Ou seja, apesar da agilidade do processo de impeachment, a embaixadora já monitorava a movimentação golpista três anos antes do julgamento político. “Esta câmara é famosa por tomar decisões controversas e arbitrárias. (….) Para os aliados de Lugo, obter controle da câmara é fundamental para prevenir um possível impeachment”, escreveu.

No mesmo despacho afirmou que o “controle político da Suprema Corte é crucial para garantir impunidade dos crimes cometidos por políticos hábeis. Ter amigos na Suprema Corte é ouro puro”. “A presidência e vice-presidência da Corte são fundamentais para garantir o controle político, e os Colorados [partido de oposição ao Lugo que atualmente ocupa a presidência] controlam esses cargos desde 2004. Nos últimos cinco anos, também passaram a controlar a Câmara Constitucional da Corte”.

Completamente exposto, sem nenhum controle sobre a Suprema Corte e com relações desgastadas com os Estados Unidos, o ex-bispo foi deposto. Mas não por falta de aviso, a embaixadora escreveu ao departamento de Estado dizendo que havia deixado claro ao presidente os “benefícios” de manter relações com os EUA, “sem permitir que ele use o apoio da embaixada como um salva-vidas”. 

De fato, a embaixada não foi o um “salva-vidas”, muito menos sentiu algum impacto com a deposição do presidente eleito. Um mês depois as relações já estavam consolidadas com o novo presidente, Federico Franco – vice de Lugo que assumiu depois do golpe. 

Segundo a Missão Diplomática dos Estados Unidos no Brasil, “a embaixadora Liliana Ayalde vem ao Brasil com 30 anos de experiência no serviço diplomático”.

Maior penalista do mundo diz que o Juiz Moro e sua Lava Jato ameaçam a democracia no Brasil

Juristas brasileiros enviaram perguntas sobre a ‘lava-jato’ a Raúl Zaffaroni, o maior penalista da América Latina, que criticou as delações premiadas.




por Carta Maior   (em maio de 2015)


Sua casa, no bairro de Flores, setor de classe média, tranquilo, a meia hora do centro de Buenos Aires, parece uma velha casona da Toscana. Sua mesa de trabalho fica no meio de uma sala enorme. Tem as dimensões de uma biblioteca pública. Perto das estantes, pode-se ver belapeças de artesanato latino-americanas, como um retábulo peruano de Ayacucho. Sobre essa mesa, ao lado do computador, uma pilha de livros de Direito, muitos deles em alemão, sobre a tipologia dos delitos políticoeconômicos, ou sobre o nazismo. Raúl Zaffaroni completou 75 anos no passado dia 7 de janeiro. Ao assumir como juiz da Corte Suprema da Argentina, em 2003, indicado pelo presidente Néstor Kirchner, prometeu se aposentar quando alcançasse essa idade. Honrou sua promessa. Mas Zaffaroni, um dos penalistas de maior prestígio no mundo, nãse distanciou do mundo. Viaja, escreve, dá palestras, recebe doutorados honoris causa, estuda, dá aulas em universidades públicas da Grande Buenos AiresTambém participa da discussão pública sobre os acontecimentos argentinos e latino-americanosNesta entrevista para Carta Maior ele demonstra seu vigor intacto, respondendo perguntas dos jornalistas e inquietudes levantadas por importantes juristas do Brasil.
– Tarso Genro, ex-ministro da Justiça no governo de Lula e ex-governador do Rio Grande do Sul, pergunta que acontece com o Estado de Direitquando a grande imprensa influi tanto no processo penal, como vem sucedendo ultimamente.
– Penso que a invenção da realidade por parte dos meios de comunicação, especialmente os televisivos, está afetando a base do Estado de Direito. E cria um perigo grave para a sua sobrevivência.
– Transmito a você uma pergunta do Professor da UERJ, Juarez Estevam Xavier Tavares Que medidas podem ser tomadas para diminuir a irracionalidade do poder punitivo e evitar a destruição do Estado de Direito?
– A primeira medida tem que ser a proibição constitucional dos monopólios ou oligopólios televisivos. Sem pluralidade midiática não podemos ter democracia. O que os meios monopólios ou oligopólios estão fazendo na América Latina é trágico. Nos países onde existem altos níveis de violência letal, eles a naturalizam. Sua proposta se reduz a atentar contra as garantias individuais. Nos países onde a letalidade é baixa, eles buscam exacerbá-la. Clamam pela criação de um aparato punitivo altamente repressivo e, definitivamente, também letal.
– É a vez do Professor da USP,  Alysson Leandro Mascaro. Os meios de comunicação de massa cada vez mais formam e moldam perspectivas da compreensão do jurista. Em face disso, qual sua leitura sobre o horizonte ideológico do jurista hoje? O mesmo do capital e dos grandes meios de comunicação de massa? Qual sua percepção da ideologia como constituinte do afazer do jurista na atualidade?
– Não tenho a menor dúvida de que a Televisa, no México, ou a Rede Globo, no Brasil, entre outros exemplos, são conglomerados, formam parte indissociável do capital financeiro transnacional. Logo, também são parte desse modelo de sociedade, que é uma sociedade com uns 30% de incluídos e 70% de excluídos. Um modelo de sociedade excludente. Daí nasce uma necessidade, querem moldar um jurista que se mantenha nessa lógica formal e não perceba que está legitimando um processo de genocídio a conta-gotas. Temos esse tipo de genocídio, em grande parte da América Latina, em circunstância em que o Estado já não é mais o que mata, senão o que fomenta a violência letal entre esses 70% que o modelo quer excluir. Não nos esqueçamos que dos 23 países que superam a taxa anual de 20 homicídios a cada 100 mil habitantes 18 são da América Latina e do Caribe, os outros cindo são africanos. Tampouco esqueçamos que também somos campeões de coeficientes de Gini, ou seja, má distribuição da renda. Esse é o modelo de sociedade que os meios massivos concentrados querem reafirmar. O pior que pode acontecer na América Latina é continuar assimilando assepticamente as teorias importadas como se não tivessem conteúdo político, e nos perdermos nas doutrinas vinculadas a teorias presas a meros planteamentos normativistas. Se, ideologicamente, a doutrina jurídica latino-americana não evolui em direção ao realismo, lamentavelmente não fará nenhum favor nem ao Estado de Direito nem às nossas democracias.
– Agora quem pergunta é o presidente do Movimento do Ministério Público Democrático, Roberto Livianu. Qual a importância dos acordos de leniência, para o controle da corrupção e qual a importância da intervenção do Ministério Público, fiscalizando a celebração desses acordos?
– Pessoalmente, acho que a delação premiada é perigosa em qualquer caso. Especialmente em casos de corrupção. Hoje, na Alemanha, estão tentando elaborar um novo conceito de crime político-econômico para os piores casos de destruição econômica. Por exemplo, para as terríveis crises bancárias que determinaram que os Estados Unidos tivessem que gastar 500 bilhões de dólares e a Europa 460 bilhões de euros para salvar um sistema financeiro havia provocado, grosseiramente, sua própria ruína, diante da indiferença dos órgãos de controle bancário. Não acredito que, em casos assim, se possa aplicar, nem minimamente, um acordo no estilo da delação premiada. O mais trágico nesses casos é depender da boa vontade dos próprios delinquentes, que ofereçam suas informações para se chegar às soluções. Há um livro muito interessante sobre o tema, do professor Wolfgang Naucke, que se refere a algo que merece uma reflexão: o título é O Conceito de Delito Político-econômico.
– Quem pergunta agora é o Presidente da Associação Brasileira dos Juízes pela Democracia, André Augusto Bezerra. Do ponto de vista da estrutura interna do Judiciário, há alguma peculiaridade do sistema de justiça argentino que o tornou mais sensível às violações aos Direitos Humanos da época da ditadura do que o sistema de justiça brasileiro?
– Não vejo uma diferença notória, em termos de estrutura interna, de cada Judiciário. A política argentina para casos de direitos humanos avançou por iniciativa dos poderes Executivo e Legislativo. Num primeiro momento, ela chocou com algumas resistências dentro do Poder Judiciário.
– Depois dos juristas, a pergunta do jornalista. É possível comparar a Operação Lava Jato, no Brasil atual, com a Operação Mãos Limpas, na Itália dos Anos 90quando os juízes começaram a descobrir os grandes subornos nas obras públicas?
– Não acho que a Mãos Limpas tenha a ver com a Lava Jato. A Mãos Limpas não foi uma tentativa de golpe de Estado. Não nos esqueçamos que, se analisamos todos os golpes de Estado militares que aconteceram na região, eles se agarraram em duas bandeiras para se legitimar. Uma era a de supostamente descontrolada criminalidade. Outra era a da corrupção. Lamentavelmente, o que verificamos, no final de um século de tristes experiências, é que os maiores casos de corrupção tiveram lugar sob amparo das forças reacionárias. Ao dizer isso, não nego que em tal administração possa haver personagens corruptos que devem ser punidos. Digo que em nenhum caso pode ser um pretexto para que se legitime a desestabilização democrática. A magnificação de casos individuais de corrupção através dos meios massivos de comunicação é um velho recurso golpista, que conhecemos por tristes experiências. Em definitivo, não é mais que o uso de formas estruturais de corrupção para desarmar o potencial produtivo e as relações econômicas das nossas sociedades.
– No Brasil, juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, pretende alterar o Código Penal, para colocar na prisão os réus condenados em 1ª Instância, independentemente dos recursos para instâncias superiores, ou seja, é quase um tribunal de exceção.
– Na América Latina, mais de 60% da população carcerária chegou à prisão sem ser condenado em nenhuma instância. Ou seja, estão presos só como medida cautelar, em forma de prisão preventiva. É uma realidade que já é estrutural, se arrastra ao longo de anos e que implica numa inversão do sistema penal. Primeiro alguém é detido, depois é condenado, a pena vem antes da condenação.

segunda-feira, 7 de março de 2016

LAVA-JATO É COMBATE REAL E IMPARCIAL À CORRUPÇÃO?






Desde sexta-feira passada, muita gente se manifestou para criticar ou defender a condução coercitiva de Lula para depor na Polícia Federal. Até mesmo o Ministério Público e o juiz que autorizou a ação divulgaram declarações argumentando em favor da medida. Sobretudo no caso do juiz Sérgio Moro, esse tipo de manifestação, fora dos autos, é rara.
Isso só revela que, ao invés de emparedar o ex-presidente, a operação “Aletheia” acabou colocando a Lava Jato na berlinda.
Lula já era investigado. Então, efetivamente, nada mudou de sexta até hoje, pois ele continua sendo investigado. Mas o expediente usado pela PF fez muita gente parar, pensar e se manifestar sobre como as investigações estão sendo conduzidas. A própria imprensa, "sem querer", deu sua contribuição às avessas, pela exposição dos fatos ocorridos na sexta.
A ação coordenada pela força-tarefa formada pelo MPF, pela PF e pela Justiça Federal contra Lula abriu a principal fenda, até aqui, no casco da Lava Jato, justamente por atingir quem atingiu.
É claro que existe um processo de mistificação da figura de Lula, e isso não vem de hoje. Como toda mistificação, esta também é essencialmente anti-democrática, pois coloca o ex-presidente numa condição especial, porque superior. Ela mobiliza elementos como a infalibilidade, a onisciência e o monopólio da representação. Lembra demais o que aconteceu, há algumas décadas, com outra liderança da esquerda brasileira: Luís Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança” (o próprio epíteto já denuncia o mito).
No entanto, mesmo quando descontadas as críticas dos que não admitem qualquer tipo de investigação contra seu líder político, o fato é que ainda persistem muitos questionamentos em relação à Lava Jato. Há muita gente séria, com amplo conhecimento de causa, criticando os métodos de obtenção de informação, as longas prisões, as conduções coercitivas e outros métodos da Lava Jato.
Os integrantes da força-tarefa frequentemente sustentam um discurso anticorrupção ligado à imagem da pátria e do nacionalismo. Os corruptos seriam os inimigos do Brasil. Eles são os “outros”, em contraposição a “nós”, os não-corruptos. Nessa linha, a Lava Jato não faria nada mais do que identifica-los e puni-los, dentro do estilo “haja o que houver, doa a quem doer”. Também não haveria limites, pois a promessa do MP é ir "até o fim".
É um discurso que não apenas descamba facilmente para o autoritarismo, como denuncia uma descrença generalizada em nossas elites políticas. Nesse vácuo que se criou, muitos vêm tomando os integrantes da força-tarefa – nenhum deles foi eleito, é bom lembrar – como representantes políticos genuinamente comprometidos com os objetivos do país, numa leitura bem homogeneizante do Brasil, como se não houvesse disputas, interesses, projetos, etc.
Pouco se tem falado sobre as formas de controle da Lava Jato. E, quando se fala, tal como ocorre com quando o assunto é a regulamentação da imprensa, acusa-se o orador de censura.
As reações ao que ocorreu na sexta vão muito no sentido de repensar esses limites da Lava Jato.