Por Vitor de Angelo
Desde sexta-feira passada, muita gente se manifestou para criticar ou defender a condução coercitiva de Lula para depor na Polícia Federal. Até mesmo o Ministério Público e o juiz que autorizou a ação divulgaram declarações argumentando em favor da medida. Sobretudo no caso do juiz Sérgio Moro, esse tipo de manifestação, fora dos autos, é rara.
Isso só revela que, ao invés de emparedar o ex-presidente, a operação “Aletheia” acabou colocando a Lava Jato na berlinda.
Lula já era investigado. Então, efetivamente, nada mudou de sexta até hoje, pois ele continua sendo investigado. Mas o expediente usado pela PF fez muita gente parar, pensar e se manifestar sobre como as investigações estão sendo conduzidas. A própria imprensa, "sem querer", deu sua contribuição às avessas, pela exposição dos fatos ocorridos na sexta.
A ação coordenada pela força-tarefa formada pelo MPF, pela PF e pela Justiça Federal contra Lula abriu a principal fenda, até aqui, no casco da Lava Jato, justamente por atingir quem atingiu.
É claro que existe um processo de mistificação da figura de Lula, e isso não vem de hoje. Como toda mistificação, esta também é essencialmente anti-democrática, pois coloca o ex-presidente numa condição especial, porque superior. Ela mobiliza elementos como a infalibilidade, a onisciência e o monopólio da representação. Lembra demais o que aconteceu, há algumas décadas, com outra liderança da esquerda brasileira: Luís Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança” (o próprio epíteto já denuncia o mito).
No entanto, mesmo quando descontadas as críticas dos que não admitem qualquer tipo de investigação contra seu líder político, o fato é que ainda persistem muitos questionamentos em relação à Lava Jato. Há muita gente séria, com amplo conhecimento de causa, criticando os métodos de obtenção de informação, as longas prisões, as conduções coercitivas e outros métodos da Lava Jato.
Os integrantes da força-tarefa frequentemente sustentam um discurso anticorrupção ligado à imagem da pátria e do nacionalismo. Os corruptos seriam os inimigos do Brasil. Eles são os “outros”, em contraposição a “nós”, os não-corruptos. Nessa linha, a Lava Jato não faria nada mais do que identifica-los e puni-los, dentro do estilo “haja o que houver, doa a quem doer”. Também não haveria limites, pois a promessa do MP é ir "até o fim".
É um discurso que não apenas descamba facilmente para o autoritarismo, como denuncia uma descrença generalizada em nossas elites políticas. Nesse vácuo que se criou, muitos vêm tomando os integrantes da força-tarefa – nenhum deles foi eleito, é bom lembrar – como representantes políticos genuinamente comprometidos com os objetivos do país, numa leitura bem homogeneizante do Brasil, como se não houvesse disputas, interesses, projetos, etc.
Pouco se tem falado sobre as formas de controle da Lava Jato. E, quando se fala, tal como ocorre com quando o assunto é a regulamentação da imprensa, acusa-se o orador de censura.
As reações ao que ocorreu na sexta vão muito no sentido de repensar esses limites da Lava Jato.
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