por Najla Passos
A audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos do
Senado (CDH), nesta segunda (13), para debater o Projeto de Lei 4330/04,
que libera as terceirizações em todas as atividades das empresas,
aprovado na semana passada pela Câmara e já considerado o mais duro
ataque aos direitos trabalhistas da última década, deixou claro o
completo descolamento entre o que quer e pensa o povo brasileiro e os
parlamentares eleitos para representá-lo.
Enquanto uma maioria formada por 324 deputados foi favorável ao projeto,
os representantes de todas as 24 entidades convidadas a participar do
evento manifestaram posição contrária. Entre eles, lideranças das
maiores centrais sindicais do país, como CUT, UGT, CTB, NCST e Conlutas,
que conclamaram os trabalhadores a participarem das manifestações
contrárias às terceirizações, marcadas para esta quarta (15) nas
capitais e principais cidades do país.
Só não participou da audiência a Força Sindical, criada nos anos 90 por
lideranças sindicais pelegas como o hoje deputado Paulinho da Força
(SDD-SP) para dar sustentação ao discurso patronal falacioso de que os
trabalhadores estão divididos e, portanto, parte deles apoiam a
desregulamentação das leis trabalhistas.
Também participaram da audiência pública representantes do universo
jurídico e da acadêmica, com opiniões qualificadas e convergentes quanto
ao retrocesso representado pelo PL 4330/04. O cidadão comum também pode
dar sua opinião sobre o tema via as redes sociais do Sendo: das 624
manifestações recebidas, 623 eram contrárias ao projeto e uma
manifestava dúvida quanto a sua eficácia.
A deputada Érika Kokay (PT-DF), convidada a relatar o ambiente político
em que o projeto foi aprovado na Câmara, definiu como cínica a posição
dos seus colegas que defendem as terceirizações. Segundo ela, embora
afirmassem nos seus discursos que estavam legislando em benefício dos 13
milhões de trabalhadores terceirizados que já existem no país, todos
eles sabiam muito bem que a matéria só trazia benefícios ao capital.
Para a deputada, o resultado da votação reflete a falência do sistema de
financiamento de campanha brasileiro, que permite que as empresas
invistam grandes somas de dinheiro nos políticos dispostos a
representa-las a qualquer custo. Kokay também criticou duramente a forma
antidemocrática com que o presidente da casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ),
conduziu à votação. “Não houve a devida discussão da matéria e os
representantes dos trabalhadores foram proibidos de participar da
sessão”, denunciou.
O senador Paulo Paim (PT-RS), autor do requerimento para realização da
audiência, também confessou ter ficado chocado com o encaminhamento da
pauta na Câmara. Segundo ele, que assistiu à votação pela TV, o projeto
foi colocado em votação à toque de caixa, antes mesmo do texto final da
matéria ter sido disponibilizado para discussão. O senador se
comprometeu com os presentes a cobrar do presidente do Senado, Renan
Calheiros (PMDB-AL) para garantir a ampla discussão democrática
necessária à matéria.
Para os sindicalistas, operadores do direito e pesquisadores presentes, a
posição do Senado é crucial para o encaminhamento da pauta. Conforme a
maioria, a casa precisa barrar a matéria para que ela retorne a Câmara e
seja rediscutida sob novos parâmetros. Mas também houve quem a
classificasse de inconstitucional ou quem reivindicasse até mesmo a
revisão das terceirizações já permitidas pela lei atual.
As opiniões contrárias
Presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), o ministro Antônio
José de Barros Levenhagen criticou o projeto aprovado pela Câmara.
Segundo ele, para manter o mínimo de equilíbrio entre as relações
capital X trabalho, o parlamento precisa pelo menos estabelecer tetos.
Como sugestão, apontou o limite de 30% para o número de trabalhadores
terceirizados nas empresas e a fixação de piso salarial não inferior a
80% do vencimento dos contratados.
Representante da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do
Trabalho (Anamatra), a juíza Noêmia Aparecida condenou as terceirizações
inclusive das chamadas atividades-meio das empresas, o que já é
permitido pela legislação atual. Ela enfrentou a desculpa falaciosa
utilizada pelos patrões de que a lei visa abrir novos postos de
trabalho. “Nenhuma lei, por si só, cria mais postos de trabalho. Mas a
legislação, se ruim, pode aumentar a precarização das relações de
trabalho já existentes”, opinou.
O procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), Helder Amorim,
também enfatizou posição contrária ao PL 4330/04 que, segundo ele, é
inconstitucional. “Terceirizar atividade finalística é inconstitucional.
Atinge direitos fundamentais como o direito à greve, acordos e
convenções coletivas, reduz a remuneração dos trabalhadores e as
contribuições para a previdência”, argumentou.
De acordo com Amorim, o projeto aprovado pela Câmara fere a constituição
de forma tão irreparável que não é possível sequer melhorá-lo na fase
de votação das emendas, prevista para esta terça (14), na Câmara. O
procurador informou que o MPT só auxiliará o legislativo apresentando
propostas e sugestões se a previsão de terceirização nas atividades-fim
for retirada do texto.
Os números da terceirização
Assessora técnica do Departamento Intersindical de Estatísticas e
Estudos Socioeconômicos (Dieese), Lilian Arruda Marques demonstrou, com
base em dados e números, como as terceirizações já existentes prejudicam
os trabalhadores em diferentes níveis.
A pesquisadora lembrou que o terceirizado tem salário menor (cerca de
24% menos que os contratados), trabalha mais (em média 3h acima dos
trabalhadores com carteira assinada) e sofre um maior número de
acidentes de trabalho (em 2013, no setor elétrico, dos 79 mortos, 61
eram terceirizados. Nas obras de acabamento, eram 18 de 20 mortos. Nas
obras de terraplanagem, foram 18 de 19).
Não bastasse tudo isso, Lílian acrescenta o calote como um dos maiores
problemas enfrentados pelos trabalhadores submetidos à essa modalidade.
“Não é só ganhar menos e adoecer e se acidentar mais. É comum não ter
nenhum direito no final do contrato porque a empresa deixou de existir”,
alertou.
Não por acaso, os terceirizados são maioria entre as vítimas do trabalho
escravo no Brasil. Entre 2010 e 2013, dos 3,5 mil trabalhadores
resgatados nas 10 maiores operações realizadas, quase 3 mil eram
terceirizados.
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