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terça-feira, 14 de abril de 2015

Terceirizar atividade finalística é inconstitucional e atinge direitos fundamentais'

por Najla Passos



A audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos do Senado (CDH), nesta segunda (13), para debater o Projeto de Lei 4330/04, que libera as terceirizações em todas as atividades das empresas, aprovado na semana passada pela Câmara e já considerado o mais duro ataque aos direitos trabalhistas da última década, deixou claro o completo descolamento entre o que quer e pensa o povo brasileiro e os parlamentares eleitos para representá-lo.

Enquanto uma maioria formada por 324 deputados foi favorável ao projeto, os representantes de todas as 24 entidades convidadas a participar do evento manifestaram posição contrária. Entre eles, lideranças das maiores centrais sindicais do país, como CUT, UGT, CTB, NCST e Conlutas, que conclamaram os trabalhadores a participarem das manifestações contrárias às terceirizações, marcadas para esta quarta (15) nas capitais e principais cidades do país.

Só não participou da audiência a Força Sindical, criada nos anos 90 por lideranças sindicais pelegas como o hoje deputado Paulinho da Força (SDD-SP) para dar sustentação ao discurso patronal falacioso de que os trabalhadores estão divididos e, portanto, parte deles apoiam a desregulamentação das leis trabalhistas.

Também participaram da audiência pública representantes do universo jurídico e da acadêmica, com opiniões qualificadas e convergentes quanto ao retrocesso representado pelo PL 4330/04. O cidadão comum também pode dar sua opinião sobre o tema via as redes sociais do Sendo: das 624 manifestações recebidas, 623 eram contrárias ao projeto e uma manifestava dúvida quanto a sua eficácia.

A deputada Érika Kokay (PT-DF), convidada a relatar o ambiente político em que o projeto foi aprovado na Câmara, definiu como cínica a posição dos seus colegas que defendem as terceirizações. Segundo ela, embora afirmassem nos seus discursos que estavam legislando em benefício dos 13 milhões de trabalhadores terceirizados que já existem no país, todos eles sabiam muito bem que a matéria só trazia benefícios ao capital.

Para a deputada, o resultado da votação reflete a falência do sistema de financiamento de campanha brasileiro, que permite que as empresas invistam grandes somas de dinheiro nos políticos dispostos a representa-las a qualquer custo. Kokay também criticou duramente a forma antidemocrática com que o presidente da casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), conduziu à votação. “Não houve a devida discussão da matéria e os representantes dos trabalhadores foram proibidos de participar da sessão”, denunciou.

O senador Paulo Paim (PT-RS), autor do requerimento para realização da audiência, também confessou ter ficado chocado com o encaminhamento da pauta na Câmara. Segundo ele, que assistiu à votação pela TV, o projeto foi colocado em votação à toque de caixa, antes mesmo do texto final da matéria ter sido disponibilizado para discussão. O senador se comprometeu com os presentes a cobrar do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) para garantir a ampla discussão democrática necessária à matéria.

Para os sindicalistas, operadores do direito e pesquisadores presentes, a posição do Senado é crucial para o encaminhamento da pauta. Conforme a maioria, a casa precisa barrar a matéria para que ela retorne a Câmara e seja rediscutida sob novos parâmetros. Mas também houve quem a classificasse de inconstitucional ou quem reivindicasse até mesmo a revisão das terceirizações já permitidas pela lei atual.

As opiniões contrárias

Presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), o ministro Antônio José de Barros Levenhagen criticou o projeto aprovado pela Câmara. Segundo ele, para manter o mínimo de equilíbrio entre as relações capital X trabalho, o parlamento precisa pelo menos estabelecer tetos. Como sugestão, apontou o limite de 30% para o número de trabalhadores terceirizados nas empresas e a fixação de piso salarial não inferior a 80% do vencimento dos contratados.

Representante da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a juíza Noêmia Aparecida condenou as terceirizações inclusive das chamadas atividades-meio das empresas, o que já é permitido pela legislação atual. Ela enfrentou a desculpa falaciosa utilizada pelos patrões de que a lei visa abrir novos postos de trabalho. “Nenhuma lei, por si só, cria mais postos de trabalho. Mas a legislação, se ruim, pode aumentar a precarização das relações de trabalho já existentes”, opinou.

O procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), Helder Amorim, também enfatizou posição contrária ao PL 4330/04 que, segundo ele, é inconstitucional. “Terceirizar atividade finalística é inconstitucional. Atinge direitos fundamentais como o direito à greve, acordos e convenções coletivas, reduz a remuneração dos trabalhadores e as contribuições para a previdência”, argumentou.

De acordo com Amorim, o projeto aprovado pela Câmara fere a constituição de forma tão irreparável que não é possível sequer melhorá-lo na fase de votação das emendas, prevista para esta terça (14), na Câmara. O procurador informou que o MPT só auxiliará o legislativo apresentando propostas e sugestões se a previsão de terceirização nas atividades-fim for retirada do texto.

Os números da terceirização

Assessora técnica do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Lilian Arruda Marques demonstrou, com base em dados e números, como as terceirizações já existentes prejudicam os trabalhadores em diferentes níveis.

A pesquisadora lembrou que o terceirizado tem salário menor (cerca de 24% menos que os contratados), trabalha mais (em média 3h acima dos trabalhadores com carteira assinada) e sofre um maior número de acidentes de trabalho (em 2013, no setor elétrico, dos 79 mortos, 61 eram terceirizados. Nas obras de acabamento, eram 18 de 20 mortos. Nas obras de terraplanagem, foram 18 de 19).

Não bastasse tudo isso, Lílian acrescenta o calote como um dos maiores problemas enfrentados pelos trabalhadores submetidos à essa modalidade. “Não é só ganhar menos e adoecer e se acidentar mais. É comum não ter nenhum direito no final do contrato porque a empresa deixou de existir”, alertou.


Não por acaso, os terceirizados são maioria entre as vítimas do trabalho escravo no Brasil. Entre 2010 e 2013, dos 3,5 mil trabalhadores resgatados nas 10 maiores operações realizadas, quase 3 mil eram terceirizados.

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