Por Helena Sthephanowitz, para a RBA
Assim que o senador Delcídio Amaral (PT-MS) foi preso, no âmbito da operação Lava Jato, nós noticiamos aqui que seus diálogos gravados provavam que havia um “petrolão tucano” em plena operação durante o governo FHC e que o esquema foi transposto para a diretoria internacional após 2003, para onde o ex-diretor Nestor Cerveró e outros gerentes foram deslocados. Mostramos as negociações suspeitas com a Alstom e o relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) de 2014 que apontou um negócio ruinoso para Petrobras em três termelétricas contratadas por Delcídio e Cerveró no governo FHC.
Pois hoje (10), onze dias depois, o jornal Folha de S. Paulo “descobre” a notícia e publica “Usinas da gestão Delcídio deram mais prejuízo que compra de Pasadena”.
Primeira coisa: por que o jornal insiste em não informar corretamente o leitor? É muito mais apropriado dizer “Usinas da gestão FHC” em vez de “gestão Delcídio”. São as chamadas “tucanices da Folha”.
Mas vamos ao mais importante: faltou ao jornal contextualizar a denúncia corretamente. O buraco é muito mais embaixo, como veremos a seguir.
O escândalo das termelétricas não é apenas ter dado prejuízo, o que pode ocorrer com qualquer negócio de risco. Escandalosos são os termos do contrato “de mãe para filho” que a Petrobras assinou com os sócios Enron, El Paso e MPX que levaram a este prejuízo anunciado.
Outro escândalo dentro do escândalo é o TCU ter sido tão bonzinho a ponto de detalhar didaticamente o quanto os contratos eram absurdos e lesivos à Petrobras, e mesmo assim isentar de culpa, não só Delcídio e Cerveró como diz a Folha, mas boa parte da diretoria da Petrobras no governo FHC envolvida naquela contratação.
Para ilustrar o que foi o contrato, imagine que Silva negocie com Smith para abrir uma padaria:
- Smith, cada um entra com metade do dinheiro, montamos a padaria e dividimos os lucros, está bem?
- Silva, se o negócio for um sucesso, ok, dividimos os lucros. Mas se vender poucos pãezinhos e der prejuízo, você me paga todo o dinheiro que investi na padaria. Quero tudo de volta em cinco anos e com taxa de juros de 12% ao ano sobre o que eu investi. Se depois de cinco anos continuar dando prejuízo você vai continuar me pagando para ser seu sócio. Tudo bem?
É de se imaginar que Silva não aceite os termos do negócio como quer Smith, já que fica claro que este último só quer pensar em lucrar e pouco se importaria com eventuais prejuízos de Silva.
Agora troque o Silva pela Petrobras, o Smith pela Enron (ou a El Paso, ou a MPX) e a padaria pelas termelétricas. Só que em vez de mandar as gigantes norte-americanas “se catarem”, a Petrobras de FHC disse “negócio fechado”.
É aí que mora o escândalo.
Que fica maior com o relatório do TCU, que descreve com todas as letras o absurdo dos contratos. Abre aspas:
Mesmo com toda a volatilidade do preço da energia no mercado ‘spot’, ainda que se considerasse aceitável que a Petrobras assumisse sozinha todo esse risco, não parece razoável aceitar que ela amortizasse todo o investimento privado em 5 (cinco) anos, com a remuneração deste capital a 12 % ao ano.
Ora, na medida em que o investimento feito pelo investidor privado era ressarcido pela Petrobras, independentemente do sucesso ou não do negócio, como dizer que este investidor assumiu o risco do investimento do negócio?
(…)
Ressalto que parte da construção das usinas foi financiada pelo BNDES, por meio do Programa de Apoio Financeiro a Investimentos Prioritário no Setor Elétrico, o qual dispunha dentre outras vantagens, taxas de juros reduzidas em relação aos financiamentos convencionais. Ou seja, os investidores privados receberam empréstimos a juros subsidiados pelo Governo Federal e recebeu da Petrobras a remuneração deste capital a um juro de 12 %, um juro de mercado sem assumir qualquer risco já que a Petrobras avocou para si todos os riscos do empreendimento, tendo despendido R$ 2,28 bilhões a título de contribuição de contingência (Peça 37, p.7).
Ora, se a Petrobras poderia obter recursos junto ao BNDES a taxas inferiores, não se mostra razoável que ela tenha se comprometido a garantir remuneração do capital a 12% ao ano aos investidores privados, a título de alocação de capacidade. Assim, se é verdade o alegado nas razões de justificativa dos responsáveis, de que a formação dos consócios tenha levado à construção das termelétricas a custos mais baixos, esse ganho ficou exclusivamente para os investidores privados, que dessa forma chegaram ao cenário ideal para qualquer investidor: maior ganho, nenhum risco.
E não bastasse todo esse desequilíbrio na distribuição dos riscos, mesmo a Petrobras ressarcindo todo o capital investido pelos investidores privados em 5 (cinco) anos, a Petrobras, ao fazê-lo, não adquiria a propriedade das respectivas usinas merchant. A Petrobras teve que comprá-las em 2005 e 2006, de modo a interromper o pagamento das contribuições de contingências e os prejuízos decorrentes do seu pagamento.
(…)
O relatório alertou também que a amortização do capital dos investidores foi acelerada, na medida em que ocorreu em um prazo de sessenta meses, ao passo que, em outras usinas, como EPE – Cuiabá e Termonorte II, o período de amortização de capital fixo investido teria sido de 240 meses (TC 005.251/2007-0, principal, fl. 83, peça 3 do TC apenso).
Mesmo assim, o TCU “passou a mão na cabeça” dos responsáveis pelo contrato, aliviando todos de culpa:
Naquele momento da assinatura dos contratos, portanto, a indicação era de que os preços de energia no mercado ‘spot’ se manteriam elevados, não sendo razoável exigir que os responsáveis pudessem prever a mudança ocorrida.
Assim sendo, é razoável admitir que as circunstâncias políticas e as condições de mercado à época permitiram que a Petrobras assumisse riscos de forma desigual quando comparado com os investidores privados.
Dessa forma, ainda que tenha faltado prudência por parte dos administradores da Petrobras, os gestores devem ser eximidos de responsabilidade por não ser razoável exigir-lhes que, com as circunstâncias favoráveis de mercado, descumprissem os compromissos políticos e sociais que haviam assumido e desistissem da oportunidade de negócio que se apresentava. Fica demonstrada a inexigibilidade de conduta diversa por parte dos gestores da Petrobras, excluindo sua a culpabilidade.
Nota-se que o TCU torna-se parte do escândalo ao dizer que “não achou razoável exigir que os responsáveis pudessem prever a mudança ocorrida”. Pois o sócio privado previu com muita clareza a possibilidade de não haver lucro e o que aconteceria. Escreveu no contrato com todas as letras para os gestores da Petrobras lerem e assinarem. E isso ocorreu em três contratos com três sócios diferentes – Enron, El Paso e MPX.
Errar uma vez já seria absurdo. Errar três vezes é praticamente impossível em uma empresa do porte da Petrobras em um negócio bilionário destes, caracterizando decisão deliberada para favorecer o sócio privado às custas do prejuízo para a estatal e o povo brasileiro.
Outra aberração inaceitável como justificativa foi atribuir o mau negócio a “circunstâncias políticas”. Cerveró, Delcídio e os outros responsáveis disseram que cumpriam a política determinada pelo Ministério das Minas Energia para termelétricas.
De novo, cumprir objetivos nunca é justificativa para assinar contrato com cláusulas flagrantemente lesivas, pois pode-se simplesmente fazer a mesma coisa com contratos justos para os dois lados. Mas tem uma “circunstância política” interessante neste episódio.
Aqui vale a lembrança: o ex-senador do PFL-DEM José Jorge foi Ministro das Minas e Energia naquele tempo. E quando este processo de tomada de contas tramitou no TCU, ele era um dos conselheiros do órgão.
Junte os caquinhos.
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