Já tive que devolver verbas à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) algumas vezes. Sou professor e, quando vou a um congresso, dependo do dinheiro das agências financiadoras. Há basicamente três rubricas envolvidas no processo: diárias, transportes e seguro de saúde. Mais simples, impossível.
Mesmo assim, erro. Veja se você também não ficaria na dúvida. Imagine que, por razões de trabalho, tivesse que tomar o avião no dia 5, digamos, chegar em Madri no dia 6, e só pegar a conexão para Viena no meio da tarde. Lá, tem que tomar um trem para uma cidadezinha no interior da Áustria. Como já anoiteceu e você está morto de cansaço, dorme em Viena e segue no dia 7 de manhãzinha para o seu Congresso.
E então? A diária começa a ser paga no dia 6, quando você chegou ao país de destino, ou no dia 7, quando começou o evento? Eu incluí o dia 6 na conta. Errei feio. Nenhum grande drama. A carta com a cobrança chegou, no dia seguinte fiz um depósito, e o assunto encerrou-se aí.
A Fapesp, vejam bem, é uma ilha de eficiência. Regras claras e simples, burocracia azeitadíssima, julgamentos imparciais. De minha parte, juro por todos os santos e beatos que não quis embolsar indevidamente dinheiro público. Enganei-me.
Aconteceu comigo, acontece com todo mundo de vez em quando. Alguém tem dúvidas de que foi exatamente isso que aconteceu com a ministra da Cultura, Ana de Hollanda? Existe alguma justificativa para o TAMANHO da polêmica que se formou em torno dessa picuinha?
O caso da Bebel Gilberto é ainda mais grave. Ou mais ridículo, sei lá. Um projeto demora um bom tempo para ser elaborado, e mais tempo ainda para tramitar no Ministério da Cultura (Minc). O projeto de Bebel [sobrinha da ministra da Cultura] já deveria estar rodando pelo ministério há um bom tempo quando Ana de Hollanda assumiu o cargo. Ela não tem nada a ver com a aprovação do projeto. Nada. Há um parecer elaborado por um relator, e um comitê que aprova ou reprova o projeto com base naquele parecer. A ministra assina. Só isso.
O que esperavam que ela fizesse? Que contrariasse o parecer do comitê? Essa gente ficou louca?
Repete-se agora a mesma escalada de insensatez a que assistimos no caso do blog de Maria Bethania.
De que a lei Rouanet esteja superada, acho que nem mesmo o professor Sérgio Rouanet tem dúvidas. Ela foi usada, por exemplo, para financiar a vinda do Cirque du Soleil ao Brasil. Isso mesmo. O Circo multimilionário usou dinheiro do contribuinte brasileiro (9,4 milhões, para ser mais preciso) para financiar suas apresentações. Livros luxuosos de fotografias dados de brinde de final de ano têm invariavelmente o logo do Minc na página de rosto.
Pagamos os mimos que bancos e grandes empresas dão a seus melhores clientes. Sai de graça. Eu pago o seu, você paga o meu, e nenhum de nós dois paga imposto. Custo zero – às nossas custas.
O projeto da Bethania era maravilhoso. Um blog alimentado todos os dias por poesias, utilizando a imagem pública e o talento da cantora para impulsionar o número de acessos. Tinha tudo para dar certo. Os preços eram relativamente baixos. O cachê da Bethânia absolutamente COMPATÍVEL com o trabalho a ser realizado – 50 mil por mês ao longo de 12 meses. Ela ganha o dobro disso numa noite.
Onde é que está o abuso? Alguém pediu para o Cirque du Soleil cobrar preços simbólicos pelo trabalho de seus artistas? Por que deveria ser diferente com uma das maiores cantoras da história de nossa música popular?
Essas “campanhas” conduzidas em uníssono contra pessoas de bem têm que acabar.
Vamos discutir a lei Rouanet? Não é preciso arrastar o nome de ninguém na lama para isso. Basta apresentar argumentos, alternativas.
Vamos discutir as mudanças imprimidas por Ana de Hollanda na condução do Minc? É tudo que NÃO se tem discutido.
Seus inimigos preferem a estratégia rasteira de sufocá-la em irrelevâncias repetidas à exaustão, sem nunca levar a efeito uma discussão substantiva das políticas públicas para a cultura que desejamos para o Brasil.
Jotavê
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