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quarta-feira, 4 de março de 2015

Fritz Lang e o impeachment




"M, o Vampiro de Dusseldorf" é certamente um dos maiores filmes da história do cinema. Nele, Fritz Lang conta a história de um assassino de crianças que coloca uma cidade em pânico.
A polícia pressiona por todos os lados, mas ele parece inapreensível. Tanta pressão policial, no entanto, acabou por atrapalhar a vida de todos os outros bandidos da cidade. No que eles decidem que o melhor a fazer era procurar o assassino e dar um fim nele.

A cena final é antológica: capturado, o assassino é julgado por um tribunal composto de bandidos travestidos de juízes. Um termina acusando o outro, criando uma situação na qual todos estão errados e todos têm razão.

Bem, é difícil seguir as discussões recentes sobre impeachment sem pensar nesta cena final do filme de Lang: bandidos querendo julgar bandidos para ver se, ao final, tudo volta ao normal e os criminosos travestidos de juízes possam continuar a fazer seus negócios em paz.

Afinal, quem acusa o governo é, em grande parte, uma oposição envolvida até o pescoço no mesmo mar untuoso de lama. O que não poderia ser diferente, já que ela partilha exatamente as mesmas práticas políticas, chega até a usar os mesmos agentes corruptores, embora seja um pouco mais esperta na arte da blindagem e da fala dura.

Contra ela, o governo conclama o povo a defender a Petrobras da sanha de seus destruidores. Não aqueles que corromperam a empresa, mas os que os denunciaram. Parece o pobre vampiro de Dusseldorf acusando seus juízes.

Desde o começo da Nova República, o Brasil afunda periodicamente em mares de lama desta natureza. Este é quase um ciclo natural da política brasileira. Como resultado, alguns são afastados dos holofotes, execrados pela opinião pública, presos por um tempo, perdem seus postos e tudo volta ao mesmo lugar.
A razão não é muito difícil de encontrar: este teatro, esta pantomima miserável é feita para dar a impressão de que o sistema político brasileiro funciona. Ela é a forma de tentar nos fazer crer, ao menos por um momento, que seus processos escusos de financiamento usados por todos, sua partidocracia, sua densidade popular baixa nos processos decisórios de Estado e sua ideia falida de representação podem continuar como estão.

Ela é maneira de dizer que a cidade ficará tranquila se afastarmos alguns bandidos e deixarmos que os velhos bandidos de sempre atuem em paz. Mas melhor seria se julgássemos os velhos e os novos juntos, acusados e acusadores, e déssemos um fim a uma experiência política que termina implorando pela reinvenção da democracia.









 Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de São Paulo). Escreve às terças.

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