por Mauricio Moraes
Na última semana, a sociedade brasileira assistiu a mais uma cena prosaica na sua atual Cruzada dos Costumes, protagonizada pelo pastor Silas Malafaia e seu exército de fiscais da vida sexual alheia.
Malafaia convocou um boicote a uma singela propaganda do Boticário para o Dia dos Namorados. Aparecem três casais – homem com mulher, homem com homem, mulher com mulher. A publicidade foi lançada na semana da Parada do Orgulho LGBT, que neste domingo 7 lotou a Avenida Paulista, em São Paulo.
O tiro de Malafaia saiu pela culatra e o dono do Boticário deve estar dando saltos de alegria. O vídeo publicitário ganhou mais likes que dislikes e, da noite para o dia, a marca ganhou ares cult. E, no Brasil do século 21, consumir o tal perfume virou ato de afirmação política. Quanta ironia...
A cruzada contra os direitos da comunidade LGBT, liderada por pastores como Malafaia, o deputado Marco Feliciano (PSC-SP) e o agora todo poderoso deputado presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ), é, no entanto, cortina de fumaça sobre outros interesses escusos jogados no Congresso.
Os poderosos do mundo evangélico pilantra (sim, porque há uma diferença entre esses e os fieis honestos e comprometidos com sua fé) sabem que a Cruzada dos Costumes, a longo prazo, é uma batalha perdida no mundo ocidental.
Sabem que os direitos LGBT conquistados vieram para ficar (embora tentem a todo custo desconstruí-los) e sabem ainda que a onda geracional irá pender para a compreensão ampla de novas organizações de família, devidamente reconhecidas em lei. Até o papa Francisco sabe disso.
A hostilidade desmesurada dos fundamentalistas tem várias motivações, mas é sobretudo a reação de quem se assustou, nos últimos anos, com os LGBTs saindo do armário, vivendo vida normal, sem privilégios, com igualdade de direitos, como compete a qualquer um.
Apesar dos percalços, é preciso reconhecer que os direitos LGBT avançaram no País. Ainda há um imenso caminho pela frente, como bem colocou Renan Quinalha em seu artigo Sem Diversidade Não Há Democracia. Mas o cenário definitivamente mudou.
Gostando ou não, os fundamentalistas terão de nos engolir, porque somos parte da sociedade, votamos, enchemos a Avenida Paulista, consumimos (muito mais que perfumes) e assumimos postos de comando. Em suma, nós existimos. E numa democracia, diferentes se respeitam e, em último caso, se aturam.
A grande questão é que, por trás do discurso folclórico de intolerância que conquista rebanhos com facilidade, está em jogo o grande interesse da religião negócio, do dinheiro, do poder e da ganância desmedida.
Enquanto as redes viviam clima de guerrilha virtual impondo uma derrota simbólica à bravata de Malafaia no caso Boticário, o Congresso aprovava quase na surdina uma emenda livrando os pastores de pagar imposto sobre a comissão que recebem sobre os negócios da fé. Vitória para o lado de lá.
O negócio é o seguinte: igrejas que não pagam impostos e arrecadam rios de dinheiro querem mais fieis e mais dízimo. Em um mercado disputado, contratam pastores profissionais, experts em “vender” a palavra de Deus e arrebanhar seguidores. Boa parte desses pastores ganha um salário mínimo (neste caso pagando imposto), mas o grosso do dinheiro corre via comissão sobre o número de ovelhas conquistadas (nadinha de imposto nesse caso).
Foi assim que a Receita decidiu cobrar 60 milhões de reais do pastor R. R. Soares, da Igreja Universal da Graça de Deus, segundo a Folha de S. Paulo. Outro na mira da Receita é o pastor Valdomiro, da Igreja Mundial do Poder de Deus, que se diz perseguido pelas autoridades. Livraram-se do infortúnio, com a regulamentação do Caixa 2 da fé.
Ainda que a Cruzada dos Costumes seja apenas parte do grande jogo de interesses dos fundamentalistas, ela cumpre um papel nefasto, que é alimentar a homo e a transfobia travestida de ensinamento bíblico.
Dia e noite programas evangélicos vomitam intolerância contra LGBTs (e outras minorias, como seguidores de religião de matriz africana). E é esse ódio que alimenta a violência que, em 2014, matou um LGBT a cada 27 horas no Brasil (dados do Grupo Gay da Bahia). Por isso, Malafaia é mais que prosaico, é perigoso.
Mas nada de temer os fundamentalistas. Os tempos são de resistência, mas é também preciso entender nosso tamanho. Já somos grandes o suficiente para fazer a sociedade brasileira entender que uma vez fora do armário não há volta atrás. Conservadores de plantão, acostumem-se, que a diversidade veio para ficar.
Foto: Paulo Pinto
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