Muitos leitores reclamam de textos que têm mais de cinco parágrafos. Dizem que não são obrigados a ler tanto assim. Alguns afirmam que nenhuma ideia é tão complexa que não pode ser resumida em poucas linhas.
Seguindo a lógica, podemos resumir um livro famoso, normalmente vendido com capa preta, dessa forma:
''Um cara cria as pessoas. Daí as pessoas ignoram as regras e se matam, trepam, traem, roubam, matam mais um pouco. Então o cara afoga quase todo mundo e zera o jogo. Mas as pessoas continuam fodendo tudo. Daí, ele manda o filho para jogar uma real, botar ordem na zorra e matam ele também. Mas ele ressuscita e promete voltar pra passar a fatura com fogo.''
A princípio muitos vão botar a culpa disso na internet, afirmando que há uma ''geração perdida'', forjada em espaços de 140 caracteres, memes e vídeos de gatinhos, que não lê, mas apenas vê figuras.
Isso, é claro, não sobrevive à reflexão, uma vez que J.K.Rowling, Stephenie Meyer, E.L James ou George R. R. Martin vendem milhões de livros todos os anos, muitos deles catataus com centenas de páginas, que são devorados quase que instantaneamente pela molecada.
Não é que muita gente não goste de ler. Aliás, nunca antes na história deste país se leu tanto. Eles não gostam de ler certas coisas. Ou acham que não precisam.
Há algumas ações que professores ou atores da mídia, que querem dialogar com o público mais jovem para a passagem do saber, têm que obrigatoriamente fazer.
Incorporar a linguagem e as ferramentas de novas tecnologias na construção das narrativas.
Conversar usando também elementos simbólicos da geração ou do grupo com o qual se quer trabalhar.
Rediscutir a temática pensando que há o interesse do aluno ou leitor, mas também o que o professor ou jornalista considera importante.
Entregar um produto bom e interessante, preparado e pensado, seja uma aula ou um artigo. E, fundamental, descomplicar o discurso.
Mas, mesmo passando por essas barreiras, haverá um outro muro difícil, que não depende apenas de nós como indivíduos: qual a motivação para ler um texto até o final?
A relação com o saber precede a definição do sujeito e do próprio saber, como disse o sociólogo Bernard Charlot. O que isso significa? Que um conhecimento só tem valor e sentido por conta da relação que ele produz com o mundo.
Portanto, não é o livro que tem valor em si, mas o que o aluno fará dele – da possibilidade de sonhar uma vida nova ou um mundo novo ao uso instrumental da informação para ganhar dinheiro.
Ou seja, muitas pessoas leem mal e porcamente um texto sobre um problema grave na sua cidade, estado ou país porque acham que não precisam lê-lo por inteiro para poder seguir sua vida em frente ou se relacionar em sociedade.
Afinal de contas, qualquer conhecimento superficial é suficiente para permanecer vivo, respirando e compartilhando texto no zap-zap.
Se o debate público fosse mais qualificado, a pessoa se sentiria motivada a ler determinados textos até para não ser humilhada coletivamente nas redes sociais ou em conversas de boteco ao expor argumentos ruins, preconceituosos e superficiais.
O que temos contudo, é que o discurso violento e opressor – mais palatável e que mexe com nossos sentimentos mais primitivos e simples – ecoa e repercute. Esse discurso basta em si mesmo. Não precisa de nada mais do que si próprio para ser ouvido, entendido e absorvido.
Quanto mais qualificado o debate em um universo que não sente a necessidade de um debate qualificado, menor o público para consumi-lo.
Lembrando que ''qualificação'' não significa elitização, muito pelo contrário. Não é algo chato, hipercodificado, barroco ou acadêmico e sim que ajude o estudante ou leitor a perceber a complexidade do mundo em que vive e o ajude a construir o seu sentido das coisas.
O problema é que não se qualifica o debate apenas através de ações individuais. Você precisa de uma ação em escala, o que teríamos através do Estado – que é o espaço que regula a concepção de educação e os parâmetros educacionais.
Ou seja, precisamos repensar também o ensino para melhorar o debate público.
Não através de reformas educacionais baixadas por medidas provisórias, de cima para baixo, sem levar em conta realidades de cada lugar. Muito menos pela redução nos investimentos públicos na educação dos próximos 20 anos através de medidas como a PEC do Teto.
Qual a motivação para um jovem se engajar no aprendizado hoje, principalmente em uma escola com poucos recursos, professores desmotivados e pouco valorizados e um currículo questionável?
Ficamos preocupados com taxas de evasão escolar de 20%, dizendo que tudo está desmoronando. Sim, é um dado preocupante. Mas não vemos o outro lado, que a imensa maioria milagrosamente permanece, mesmo não vendo sentido nenhum naquela formação. Permanece não só pela inércia, mas porque querem algo mais.
Sabemos que o processo de passagem do saber é algo doloroso porque ele, não raro, destrói visões pré-concebidas do mundo para, depois, ajudar a construir outras, mais sólidas.
E imagine o quão isso é complexo. Afinal, vivemos em um tempo em que verdade é tudo aquilo em que você acredita e mentira é tudo aquilo em que não acredita. E no qual fatos não menos importantes para dar credibilidade a uma notícia do que as emoções utilizadas para transmiti-la.
Claro que entre a proposição, aprovação e implementação de políticas públicas de educação, décadas se passam.
Cabe, enquanto isso, a todos nós a qualificar o debate público da melhor forma possível. Se plantarmos ervas daninhas, são ervas daninhas que serão colhidas e consumidas.
Infelizmente, mesmo que alguns qualifiquem o debate, outros vão optar pela saída mais rasa e atraente, nivelando por baixo. Ou seja, é uma batalha de longo prazo que será muito difícil vencer.
Venho refazendo esse debate há algum tempo. Mas é preciso. Se estudantes seguem acreditando e não desistem, apesar de uma educação que não lhes faz sentido, que direito temos nós de desistir de tentar?
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