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terça-feira, 27 de dezembro de 2016

"Juristas liberais e socialistas podem estar de acordo, em face de alguns temas relevantes"

Por Afrânio Silva Jardim

"Sem questionar aqui os panfletários ataques ao grande líder Fidel Castro, adorado pela população de Cuba, país que deixou de ser um “prostíbulo” dos Estados Unidos, quero deixar registrada a minha estranheza pela circunstância de um ex-aluno da Uerj não conhecer o pensamento do seu antigo professor. Citou-me pessoalmente, de forma equivocada, fazendo referência a uma mensagem que coloquei na internet.
Como socialista, nunca aceitei e não aceito o rótulo de jurista “garantista”, pois sempre procurei uma posição de equilíbrio para o “sistema penal de justiça”, vale dizer, pugno pela eficácia do processo penal, com respeito aos valores cunhados pela nossa evolução civilizatória. Se for o caso de punir quem praticou crimes, que se puna, mas “sem perder a ternura, jamais”. Sempre disse que não é valioso punir a qualquer preço. Em resumo, não sou liberal em sentido algum: econômico, político ou jurídico. Considero-me marxista e hoje, acho possível um “socialismo democrático”, no médio prazo.
Vale a pena repetir: sou socialista, aceitando as categorias marxistas do materialismo histórico e do materialismo dialético (por coincidência, estou lendo o clássico livro do grande intelectual, que foi Nelson Werneck Sodré, sobre o materialismo dialético). O Direito, no sistema capitalista, em uma economia de mercado, desempenha um papel legitimador do poder econômico, que “domina” o Estado e a sociedade.
Sempre “lutei” por justiça social e, utopicamente, quero acreditar que, algum dia, conseguiremos uma organização social menos degradante que a capitalista, com a preservação da liberdade individual. Até agora, não se conseguiu, embora Salvador Allende tenha tentado.
Para mim, o Direito não é um fim em si mesmo. É um dos mecanismos de controle social de que se vale quem detém o poder, em determinado momento histórico. Aplaudo quando este “instrumento de controle social” não é usado a favor dos privilégios de uma classe economicamente dominante. Aplaudo quando ele é usado a favor da maioria da população.
É um equívoco criticar o regime socialista com as categorias cunhadas no sistema capitalista burguês. É o mesmo erro antropológico de quem, com os valores cristãos e ocidentais, critica a estrutura social e cultural de uma civilização distinta da nossa.
Nos países que “chegaram perto do socialismo” não há economia de mercado, a expressão “partido político” tem outro sentido e finalidade, o conceito de democracia é formulado no plano econômico e social, a ideia de liberdade é mais baseada na ausência da “exploração do homem pelo homem”, as eleições têm formas e escopos diversos das existentes nos países liberais, etc. (não há doação de empresas para as campanhas eleitorais, o que torna o legislativo e executivo reféns do poder econômico). Para criticar responsavelmente, é preciso conhecer o sistema constitucional e eleitoral de Cuba.
Por isso, são simplistas e equivocadas muitas destas críticas feitas pelos conservadores e liberais, que reproduzem as “lições” do “Sistema Globo” e da grande mídia empresarial de nosso país.
Desta forma, solicito aos leitores desta página que leiam o trabalho que publiquei, no site Empório do Direito, sob o título “Ainda sobre a esquerda punitiva. Alguns reparos“(AQUI).
Neste estudo, eu explico qual é o meu pensamento sobre tudo o que estou aqui resumindo, que encontra a honrosa adesão expressa do amigo e parceiro professor Pierre Souto Maior.
2 – Tendo em vista que o texto supra mereceu réplica do meu ilustre interlocutor, que continuou fazendo graves censuras ao papel histórico de Fidel Castro, à sociedade e ao sistema judicial e jurídico vigentes em Cuba, elaborei o texto abaixo. Evidentemente, deixei de considerar algumas “indiretas” de cunho pessoal, inadequadas às polêmicas travadas em alto nível intelectual.
No texto originário, o seu autor manifestou estranheza com o fato de determinados juristas pátrios apoiarem expressamente a chamada “revolução cubana”, a qual critica com veemência, se referindo às execuções realizadas naquela Ilha.
Após os meus esclarecimentos acima resumidos, o jurista debatedor, fez sua réplica. O amigo e parceiro Pierre Souto Maior, por e-mail, me encaminhou a sua longa resposta, publicada em sua página de uma rede social, tudo conforme lhe foi pedido expressamente por aquele.
Desde logo, explico que não fiquei ressentido pessoalmente – e talvez não houvesse mesmo motivo para isso – mas, sim, rejeito o “ataque” gratuito a Fidel e ao regime cubano, invocando “paredões” e violências de forma primária e simplista. A seguir, sintetizo o meu entendimento, de forma tópica:
1) Para entender o pensamento filosófico, econômico e social de Marx e Engels, é preciso muita leitura, muito estudo e reflexão. Meus quase sessenta e sete anos me permitiram este privilégio.
2) Não se devem confundir as ideias com eventuais desvios humanos nas suas aplicações. O importante é preservar os melhores valores, que foram pregados, há mais dois mil anos, por Jesus Cristo (esclareço que não tenho religião).
3) Como disse antes, fica difícil analisar um tipo de sociedade e cultura com os valores de outro modelo de sociedade, lastreado em conceitos diversos: liberdade abstrata, democracia liberal, igualdade formal, eleição dominada pelo poder econômico etc., etc. É um grande equívoco pensar que todas as outras sociedades devem ter a mesma organização política, jurídica, judicial e econômica que a nossa. Vale dizer, pensar que, se são diferentes, são ruins…
4) Outro comum equívoco é pensar que o socialista gosta de pobreza e demonstra contradição ao ter uma melhor situação econômica em determinada sociedade. Socialista deseja dignidade e bem estar para todos, nem que, para isso, tenha de sacrificar os privilégios de alguns. Socialista não faz caridade, pois sem alterar o sistema social, tudo não passa de um “saco sem fundo”. Socialista quer que ninguém precise de caridade, quer justiça social.
5) Nos países que se “aproximaram” do socialismo, o Direito é concebido de forma distinta. Ele é um instrumento da revolução social. O juiz não tem a hipócrita imparcialidade vigente entre nós, ele é um agente da revolução. O partido não tem o sentido dos nossos partidos políticos, mas é uma organização social que se destina a substituir o “Estado tradicional”. Se o Estado se baseia em uma sociedade de classes, desaparecendo a divisão da sociedade em classes, este Estado seria substituído pelo Partido (outra forma de organização social). A liberdade não é abstrata, se opondo ao Estado. O conceito de liberdade, no socialismo, se coloca concretamente, em relação do “homem em face do homem”. Vejam as conhecidas lições do grande pensador que foi Caio Prado Junior. Por exemplo: em tese, eu e a minha empregada podemos viajar para Paris. Na prática, quem efetivamente pode? Ela pode, mas não pode … Eu mando nela e ela tem de se submeter à minha vontade. O empregado não é livre, pois o patrão manda nele e pode demiti-lo a qualquer momento. Por isso, tem que agradar ao patrão, tem que bajular o patrão. Entretanto, tanto eu como ela podemos subir no banco da praça e fazer o discurso mais contundente contra o Presidente. De que adianta? Que efeito vai ter? Temos acesso aos meios de comunicação de massa?
6) Enfim, o meu amigo (ainda o considero assim) é doutor em Direito, mas em filosofia, sociologia, ciência política e experiência de vida ainda chegará lá, desde que não se deixe levar por preconceitos e visões simplistas, mais próprias do senso comum e não do intelectual que efetivamente é.
7) O povo cubano é pobre, mas tem dignidade, educação, saúde e garantia de assistência do Estado na velhice, graças à revolução socialista, chefiada por Fidel Castro. Valeria a pena ler algumas de suas biografias para melhor criticá-lo. Os livros de Frei Beto podem ser um bom começo…
Para terminar, substituiria o seu desafio por um outro: Que tal debatermos sobre capitalismo e socialismo em algum evento público? Dentro deste temário, caberia discutir sobre o sistema jurídico em Cuba.
8) Finalizo com uma frase que existia em um grande outdoor (e ainda deve existir, em Havana):
“Esta noite, centenas de milhares de crianças dormirão nas ruas, nenhuma delas é cubana”.
3 – Finalizo estas nossas considerações, com uma espécie de “desabafo”, que não tem destinatário definido, mas se dirige aos segmentos de nossa sociedade mais atrasados, preconceituosos e desinformados:
PAREM DE NOS PERSEGUIR!
POR QUE CUBA, UMA PEQUENA ILHA DO CARIBE, INCOMODA TANTO O “MUNDO CAPITALISTA”?
OS AUTORITÁRIOS NÃO QUEREM QUE O REGIME CUBANO DÊ CERTO … QUEREM IMPOR SEUS VALORES AO RESTO DO MUNDO… TODOS TÊM DE OBEDECER AO “MODELO LIBERAL DE MERCADO E CONSUMO” CAPITALISTA.
SERÁ QUE TÊM MEDO DE VER SEUS VALORES EGOÍSTICOS COLOCADOS EM RISCO? NINGUÉM QUER ABRIR MÃO DE SEUS PRIVILÉGIOS, MAS SE DIZEM APIEDADOS COM OS MISERÁVEIS E DÃO ESMOLAS …
DEIXEM CUBA EM PAZ. DEIXEM OS POUCOS JURISTAS BRASILEIROS MARXISTAS EM PAZ.
DEIXEM FIDEL EM PAZ. NÃO PROCUREM MANCHAR A SUA MEMÓRIA. FOI UM DOS MAIORES LÍDERES MUNDIAIS DO SÉCULO PASSADO. FIDEL ERA ADORADO PELA IMENSA MAIORIA DE SEU POVO. ISTO FICOU DEMONSTRADO QUANDO DE SEU VELÓRIO E ENTERRO. UNANIMIDADE NÃO EXISTE EM LUGAR ALGUM …
CUIDEM DA NOSSA MISÉRIA, DE MILHARES DE PESSOAS QUE DORMEM NA RUA, NO CENTRO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO (PARECE UM CAMPO DE REFUGIADOS). CUIDEM DAS PESSOAS QUE FICAM BUSCANDO COMIDA NAS CESTAS DE LIXO DOS RESTAURANTES EM SÃO PAULO E NO RIO DE JANEIRO. CUIDEM DOS NORDESTINOS QUE PASSAM FOME E VÊEM SEUS FILHOS MORRENDO EM TENRA IDADE.
ENFIM, RECOLHAM CORRETAMENTE OS SEUS IMPOSTOS E REZEM PARA “ENTRAR NO REINO DOS CÉUS”, QUANDO DEUS ESTIVER DISTRAÍDO (SE É QUE TUDO ISTO EXISTE …)."
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Rio de Janeiro, verão de 2016




Foto: Afonso Hipólito

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