Blog I'unitá Brasil

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domingo, 11 de dezembro de 2016

A escola exclui e o crime acolhe, diz sociólogo Marcos Rolim

Marcos Rolim: “Essas crianças e adolescentes passam por uma fase de horror, onde ficam absolutamente desesperados e, com o passar do tempo, aprendem a mediar suas relações com violência”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)




por Marco Weissheimer 

O que torna possível que alguém seja capaz de praticar atos de violência extrema, mesmo na ausência de qualquer provocação? O jornalista e sociólogo Marcos Rolim escolheu essa questão como objeto de estudo de sua tese de doutorado em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A tese, aprovada com louvor em 2014, envolveu um trabalho de campo que consistiu em ouvir a história de vida de adolescentes e jovens cumprindo pena na Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (FASE), de amigos destes jovens que tiveram outro destino na vida, de detentos no Presídio Central, condenados por homicídios, e de um grupo de estudantes de uma escola da Restinga.
Um dos principais resultados da pesquisa relaciona a violência extrema a abusos e agressões praticados na infância e sugere que há uma dinâmica social no Brasil que faz com que jovens da periferia sejam excluídos da escola muito precocemente, com 10, 11 e 12 anos. Ao saírem da escola, eles se aproximam desses grupos armados e, nestes grupos, são socializados de forma perversa. A pesquisa de Rolim virou livro, “A Formação de Jovens Violentos: estudo sobre a etiologia extrema”(Editora Appris), que apresenta algumas pistas sobre as causas do Brasil ser, não apenas um país desigual e injusto, mas também extremamente violento.

Em entrevista ao Sul21, Marcos Rolim fala sobre a sua pesquisa e as questões que ela levanta para o debate sobre o enfrentamento da violência no país. As dificuldades, assinala, são imensas e passam, entre outras coisas, pela ausência de políticas de segurança pública, por uma opinião pública que quer colocar mais adolescentes na cadeia e reduzir a idade penal e pelo trabalho das próprias polícias.
Tese de Doutorado em Sociologia na UFRGS virou livro, onde Rolim investiga a formação de jovens violentos. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Sul21: Como nasceu a ideia dessa pesquisa sobre a formação de jovens violentos?
Marcos Rolim: Essa idéia me acompanha há mais ou menos vinte anos. Na época, eu era deputado estadual e recebi um convite do Departamento de Estado norte-americano para conhecer prisões nos Estados Unidos e conversar com pessoas que trabalhavam nesta área. Fiquei vinte dias lá e visitei prisões em seis ou sete estados. Vi coisas horrorosas e coisas muito bacanas também. Numa sexta-feira à noite, em São Francisco, tive uma folga e fui a uma livraria. Lá encontrei um livro do jornalista Richard Rhodes, chamado “Why they kill”, que apresenta o trabalho de um criminologista norte-americano chamado Lonnie Athens. Fiquei encantado com esse livro. Athens fez uma pesquisa que, na Sociologia, é chamada de história de vida e que consiste em realizar entrevistas em profundidade sobre a vida de alguém. Ele fez isso com presos que estavam no corredor da morte, aguardando a execução. Não estava interessado no crime que cometeram, mas sim na sua história de vida, desde a infância. Depois, examinando as entrevistas, ele constatou que havia um padrão que se repetia no relato de vários presos. Esse padrão envolvia basicamente violência na infância e no início da adolescência. Athens identificou as etapas de um processo de escalada de violência .
Sul21: Violência que eles sofriam ou praticavam?
Marcos Rolim: Que sofriam. Começava com espancamento, diversas formas de humilhação e brutalização da infância. Essas crianças e adolescentes passam por uma fase de horrorificação, onde ficam absolutamente desesperados e, com o passar do tempo, aprendem a mediar suas relações com violência e percebem que, quando são violentos, passam a ser respeitados. É uma escalada. Com base neste trabalho, Athens elabora a teoria da violentização, que não pretendia explicar a violência em geral, mas sim o comportamento de criminosos especialmente perigosos e violentos que, no meu livro, eu chamo de violência extrema.
Eu chamo de violência extrema aquela prática que envolve lesões corporais e morte em um contexto aparentemente inexplicável, quando não há nenhuma provocação ou reação da vítima. Desde que li esse livro, fiquei pensando em realizar essa experiência aqui. O tempo se passou e nunca tive oportunidade de colocar essa idéia em prática. Quando comecei a fazer doutorado em Sociologia na UFRGS, decidi que era a hora de fazer essa pesquisa. Eu imaginava que a violência na infância seria um elemento muito importante para explicar esse tipo de violência extrema.
O escopo inicial desse trabalho era realizar uma pesquisa qualitativa com um grupo de pessoas que tivessem praticado atos muito violentos. A primeira dificuldade que encontrei foi que não bastava eu saber a tipificação do crime que tinham cometido. Precisava ler o prontuário para conhecer as circunstâncias de cada caso. Decidi aplicar essa pesquisa na FASE (Fundação de Atendimento Socioeducativo) com jovens especialmente violentos, selecionados a partir da leitura de prontuários. Consegui autorização da juíza Vera Deboni para ter acesso aos prontuários e selecionei um grupo de 17 jovens para realizar as entrevistas. Alguns tinham 16 ou 17 anos, mas a maioria tinha de 18 para 20 e estavam cumprindo pena na FASE. Escutei a história de vida de todos eles e, ao final das entrevistas, solicitava que me indicassem um colega de infância que nunca tivessem se envolvido com o crime. Desses 17, só um não conseguiu fazer essa indicação, pois todos os amigos dos quais lembrava tinham se envolvido com o crime.
“No grupo da FASE, todos, sem exceção, foram excluídos da escola com 11 ou 12 anos”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Aí surgiu uma dificuldade mais complicada. Eu tinha 16 nomes, mas não um endereço preciso de onde moravam. Havia algumas referências gerais do tipo “o Zé Luis que mora do lado da borracharia na Mathias…”. Aproveitei minhas férias e uma licença premia para fazer esse trabalho de campo. Tive uma ajuda muito importante de um rapaz chamado Cristiano Rodrigues, cujo sonho era ser policial civil – e hoje é policial – neste trabalho de investigação e localização dessas pessoas. Dos 16, nós achamos 11 e repeti com eles o mesmo procedimento que fiz com os jovens da FASE, ouvindo a história de vida de cada um. Então, eu tinha dois grupos de jovens, da mesma idade, homens, pobres e criados na mesma área. Um grupo virou matador e o outro, trabalhador. Depois das entrevista eu ainda apliquei um questionário, nos dois grupos, com mais de cem perguntas.
Sul21: E quais foram as conclusões quando os relatos dos dois grupos foram comparados?
Marcos Rolim: Enfrentei uma dificuldade inicial que foi o tamanho da minha amostra. Tinha 17 de lado e 11 de outro, um numero pequeno para tirar conclusões generalizantes. E os dois grupos eram muito antípodas. Eram muito diferentes em várias coisas e semelhantes em outras. Nos dois grupos havia pobreza, exclusão social, perdas de familiares e famílias desestruturadas. Mas havia algumas diferenças, especialmente quanto à educação. No grupo da FASE, todos, sem exceção, foram excluídos da escola com 11 ou 12 anos. No outro grupo, todos ainda estavam estudando. Mas eu não podia afirmar nada, baseado apenas neste perfil qualitativo. Aí dei o salto para uma segunda etapa, que não estava prevista e que consistiu em fazer uma pesquisa quantitativa.
Fui então para dentro do Presídio Central e formei dois grupos: um com presos que estavam cumprindo pena por homicídio e outro com presos cumprindo pena por receptação. Além disso, fui para uma escola de periferia, na Restinga, e formei um grupo com 29 meninos da mesma idade dos que havia entrevistado, só que sem nenhuma ligação com crime. Apliquei a esses três grupos o mesmo questionário que havia aplicado aos dois grupos iniciais. No total, fiquei então com cinco grupos, com 111 jovens que responderam o mesmo questionário.
Sul21: A partir daí, o desafio foi encontrar coisas em comum, tendências…
Marcos RolimSim, correlações, coerência e causação. A estatística, quando chega a esse nível de sofisticação, estabelece relações de causação. Eu defini como variável independente o que chamei de disposicionalidade violenta. Não quis usar “disposição violenta” porque ela sugere um problema psicológico, interno. É claro que a violência tem um elemento interno, mas ela está na sociedade também e não só na pessoa. Já a expressão “disposicionalidade”, derivada de disposicional, tem a ver com o que está no mundo. No Brasil, todos nós vivemos em um nível de disposição violenta muito alto. Eu devo esse conceito muito ao professor Juan Mario Fandino, que foi meu orientador e é um sociólogo muito especializado neste trabalho de cruzamentos estatísticos no qual eu não tinha prática nenhuma.

(Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Fazendo o cruzamento dos dados obtivemos alguns fatores que explicam essa disposição à violência fortemente. O principal entre todos eles, disparado, é o treinamento violento, que é uma categoria do Athens. No início da adolescência, o menino que apanhou e foi humilhado durante sua infância recebe um treinamento de alguém um pouco mais velho que dá uma arma para ele, ensina como usá-la e o socializa nos valores da violência. Ele aprende que tem que bater primeiro e vai ganhando maior respeito na medida em que vai ficando mais violento. Se matar alguém, sobre outro degrau, mostra que é um cara de confiança, que não vacila. A pesquisa mostra claramente que o grupo mais disposto a praticar atos de violência – os jovens da FASE – foi treinado para isso.
Sul21: E esse treinamento para a violência, no contexto brasileiro, deve estar associado ao tráfico…
Marcos Rolim: Sim. A pesquisa sugere que há uma dinâmica social no Brasil hoje que faz com que jovens da periferia sejam excluídos da escola muito precocemente, com 10, 11 e 12 anos. Ao saírem da escola, eles se aproximam desses grupos armados e, nestes grupos, são socializados de forma perversa. Ali onde a escola falha, o crime é bem sucedido. A escola exclui e o crime acolhe. Essa é a dinâmica. O menino passa a ser alguém naquele grupo, tem uma identidade, é respeitado, tem uma arma na cintura, as gurias estão atrás dele, ele tem roupa de marca e dinheiro que o pai dele não tem. A pesquisa também mostra claramente que a vinculação com a família é muito tênue. Esses meninos não vem de famílias desonestas. Tudo poderia ter sido diferente para eles não fosse aquele momento da exclusão da escola e a aproximação com algum grupo armado na sua região. Se essa leitura está correta, não podemos falar em diminuir a violência extrema no Brasil sem abordar um tema como a evasão escolar.
Sul21: Em relação a esse tema da violência extrema, Porto Alegre e outras cidades da Região Metropolitana tem assistido a um crescimento de casos de mortes com decapitação e esquartejamento, inclusive com o registro desses crimes em redes sociais. A sua pesquisa chegou a detectar esse fenômeno e suas possíveis causas?
Marcos Rolim: Athens diz que esse é o último estágio desse processo de violentização. A pessoa cria uma identidade violenta para si e percebe que, quanto mais violento ele for, mais respeitado ele será pelos seus e também pelos inimigos. Antigamente, nas guerras do tráfico, o sujeito matava um rival a tiros e ia embora. Agora, se ele corta a cabeça do rival, torna-se mais poderoso e amedronta mais. E o outro lado, para responder a essa ação, tem que fazer uma coisa maior. Nós estamos vivendo, há muitos anos, uma guerra nas periferias do Brasil, da qual participam grupos que disputam o monopólio da venda de drogas e a polícia que, às vezes, entra também como sócia desses grupos. Há vários relatos dos jovens que entrevistei que mostram bem a dimensão desse problema (Rolim lê alguns deles publicados no capítulo “A polícia como sócia”):
“Tem boca que até vende para policial. A minha boca não. Eu nunca gostei de polícia e eles nunca me deram um tapa. Se tu dá mil para a polícia eles vão querer dois mil. Se tu dá dois mil, eles vão querer três. Tu paga na hora para quem tá te prendendo. Quase sempre para brigadiano, mas o que acontece é que eles podem te prender tu pagando ou não”. 
“(…) Eu tava no bar aqui da vila. Quando vê vem a polícia assim, um camburão. Quando vê, tinha só um brigadiano que era novo, que não sabia, ía com os corrupto, mas não sabia – até sabia, porque se anda com os caras tem que saber, né? Se faz que não sabe. Quando vê, ele me prendeu. Aí ele me revistou e achou a arma. Aí o mandachuva deles lá me algemou e me botou no camburão. Aí nisso tamo indo e tal e o meu patrão ligou pra eles de dentro da cadeia. “Agora já era meu, vamos dar uma calmada na guerra da vila”, eles diziam. Eu fiquei quieto. Aí meu patrão ligou e disse: – Traz o guri de volta. É pra trazer de volta. Nós pagamo vocês pra isso. Aí eles deram a volta na viatura e me trouxeram. Me tiraram da viatura, me desalgemaram (…)
“O que está acontecendo de novo em Porto Alegre é que a guerra deixou de ser só na periferia”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
O problema é no sistema inteiro, não se trata apenas de algumas laranjas podres. Há policiais que fazem o seu trabalho honestamente, mas eu ouvi muitos relatos falando de policiais que recebem para não prender.
O que está acontecendo de novo em Porto Alegre é que a guerra deixou de ser só na periferia, ela não tem mais um território definido. O território da guerra agora é a Porto Alegre inteira e a Região Metropolitana. Há uma facção majoritária, os Bala, várias facções menores que se unificaram para enfrentá-la. Virou Bala e Anti-Bala. O território da guerra mudou. Um exemplo disso foi aquela execução que aconteceu no aeroporto. O impacto que aquilo gerou na sociedade não foi propriamente pelo assassinato do jovem, mas sim por ter ocorrido no aeroporto. É como se a sociedade dissesse: no aeroporto não! O tema central do pânico hoje em Porto Alegre é que essa guerra, que estava confinada na periferia, não tem mais um território definido.
Sul21: Considerando esse cenário, qual sua avaliação sobre as atuais políticas de segurança pública no Estado e no País? O aparato estatal de segurança, incluindo aí o Judiciário tem condições de enfrentar o problema da violência?
Marcos Rolim: A impressão que se tem é que não, que não há nada de estratégico que esteja sendo pensado com seriedade. Há vários problemas aí. Temos, de modo geral, uma ausência de políticas de segurança pública no Rio Grande do Sul e no Brasil. Temos algumas experiências localizadas interessantes acontecendo em Minas, Rio, São Paulo e Pernambuco. No Rio Grande do Sul nós não temos política de segurança nenhuma. Isso é uma loucura. Estamos enfrentando uma situação de enorme dificuldade, que é a guerra da qual estávamos falando, e não uma política para isso. Um dos principais pontos cegos é o tema da repressão. A repressão pode cumprir um papel importante na segurança pública se ela tiver um foco, se estiver direcionado aquilo que pode produzir resultado. Se eu prendo um sujeito que mata, por exemplo. O matador que está na rua recebendo ordens de algum patrão do tráfico para matar pessoas. Se esse sujeito é preso, há um impacto importante na redução da taxa de homicídios. Os matadores são poucos. Se um grupo importante deles for preso, a taca de homicídios cai.
Em Canoas, há alguns anos, a polícia conseguiu desbaratar um grupo que estava matando a mando do tráfico. A prisão deles fez a taxa de homicídios em Canoas cair imediatamente. No entanto, esse tipo de prisão é raríssimo no Brasil. Ela exige inteligência, investimento, investigação, prioridade política com foco no homicídio. O Rio Grande do Sul nunca definiu essa prioridade. O que acontece é que, como regra, os homicídios não são investigados. A Polícia Civil do Rio Grande do Sul tem falado que ela tem esclarecido mais de 70% dos homicídios. Isso não é verdade. Eles estão indiciando mais de 70% nos inquéritos, o que não significa que haja provas contra essas pessoas. Quando esses inquéritos chegam ao Ministério Público esse número cai pela metade. No Judiciário, cai mais ainda na hora do julgamento por falta de prova ou fragilidade da prova.
“Deveríamos mudar completamente o perfil das prisões, passando a focar em homicídios, crimes violentos e crimes sexuais”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
De outro lado, temos prisões em massa sendo realizadas pela Polícia Militar de pessoas envolvidas com drogas. Em sua maioria, são jovens pobres da periferia que acabam sendo flagrados com drogas e armas. Essa prisão não produz nenhum efeito positivo na segurança pública. Essa mão de obra é rapidamente reposta pelo tráfico. Além disso, pagamos um preço altíssimo por ela. Esse jovem preso por vender droga entra dentro do Presídio Central e se organiza dentro de uma facção criminosa. Ele passa alguns anos na prisão e, quando sai, ele não é mais um vendedor de drogas, mas sim membro de uma facção que precisa assaltar na rua para mandar dinheiro para dentro do presídio. Essa é uma dinâmica pela qual o Estado acaba organizando o crime. O Estado virou o principal organizador do crime no Brasil, por sua incúria e incapacidade de perceber o que está fazendo, de medir resultados. Eu acho que deveríamos mudar completamente o perfil das prisões, passando a focar em homicídios, crimes violentos e crimes sexuais. Prender traficante não faz sentido nenhum.
O segundo ponto cego é a prevenção. Nós não valorizamos a prevenção como algo que pode dar resultados positivos logo ali na frente. Temos um exemplo claro disso aqui no Rio Grande do Sul, com o Programa de Oportunidade e Direitos (POD), que iniciou na gestão de Yeda Crusius. Na época eu sugeri ao então secretário de Justiça, Fernando Schüller, a construção de um programa para egressos da FASE. Todo jovem que sai da FASE pode ingressar neste programa que dá para ele meio salário mínimo por mês desde que ele freqüente um curso de profissionalização. Ele pode permanecer um ano neste curso recebendo meio salário mínimo. Os dados mais recentes deste programa que já tem seis anos mostram que, de cada 100 jovens que participam dele, 92 não voltam para o crime, ou seja, apenas 8% de taxa de reincidência.
Estudei programas similares que existem em outros países. O mais bem sucedido que encontrei, nos Estados Unidos, tem 11% de taxa de reincidência. É possível que esse programa do Rio Grande do Sul seja um dos mais exitosos do mundo. Quem é que sabe da existência desse programa? Ninguém sabe porque os próprios governos intuíram que, se o cidadão comum souber que o Estado está pagando meio salário mínimo para egressos da FASE, isso será chamado de bolsa bandido. O que a opinião pública quer é mais prisão de adolescentes, rebaixar a idade penal, colocar adolescentes na cadeia. Hoje, manter um adolescente preso na FASE custa em torno de 12 mil reais por mês. Ou seja, a opinião pública quer algo que custa 12 mil reais por mês, que só produz reincidência, mas não que um programa exitoso, que custa meio salário mínimo por mês e tem uma reincidência de apenas 8%. Esse é um exemplo típico da falta de razão e de pensamento na segurança pública.
Sul21: Esse tipo de pensamento também não faz parte do que você chama de disposicionalidade violenta, presente na sociedade brasileira, que costuma associar qualquer referência a direitos humanos como “defesa de bandidos”?
“Houve uma época que era raro o dia em que eu não era chamado por alguém de defensor de bandidos”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
 Marcos Rolim: Sim. É isso aí. Até hoje recebo emails de pessoas fazendo esse tipo de acusação. Diminuiu um pouco mas houve uma época que era raro o dia em que eu não era chamado por alguém de defensor de bandidos. É completamente possível mudar esse cenário. Esse problema ocorreu em outros lugares e foi superado. Mas nós não vamos desconstituir esse discurso com outro discurso. Para isso, precisamos de exemplos concretos. O dia que tivermos no Brasil um exemplo de governo estadual que faça uma política de segurança exemplar, que reduza os índices de violência e as taxas de homicídio, esse discurso começa a se desmontar.
Aqui no Rio Grande do Sul tivemos o exemplo de Canoas, cidade localizada ao lado de Porto Alegre, que, em seis anos, reduziu em mais de 30% a taxa de homicídios no município. Nesse mesmo período, em Porto Alegre e na Região Metropolitana, a taxa de homicídios subiu cerca de 100%. Por que essa experiência de Canoas funcionou? Entre outras coisas, tem uma política real de integração entre as polícias civil e militar, com áreas integradas de policiamento. Um mínimo de racionalidade já conseguiu um resultado muito expressivo. Com um pouco mais de investimento, os resultados podem ser ainda maiores. Já em nível estadual, estamos discutindo se devemos prender o cara em lixeira, em ônibus ou em container. É uma sensação desesperadora. A impressão que dá é que estamos em um deserto e não há com quem falar.

O País tem direito à lista e à delação da Odebrecht

por Tereza Cruvinel

Quando divulgou a conversa ilegalmente grampeada entre Lula e Dilma, o juiz Sergio Moro alegou  “interesse público” no assunto.  Acrescentou que os governados têm o direito de saber o que fazem (inclusive na intimidade) os governantes.  Os mesmos argumentos , e muitos outros, podem ser invocados pela sociedade  para exigir a divulgação da “lista da Odebrecht”, contendo mais de 300 nomes de políticos que receberam “capilés” da empreiteira, logo posta sob sigilo por Moro.  Por que nela há pessoas “com foro” ou porque ela não atende a seuis critérios de seletividade?  Da mesma forma, a sociedade tem direito de exigir do Ministério Público que aceite a proposta da construtora para uma “colaboração definitiva”, afastando a suspeita de que a recusa se relaciona com a amplitude do esquema de financiamento partidário-eleitoral que a Odebrecht planejava desnudar.
O desinteresse de Moro  e dos procuradores pelas revelações da construtora  transpareceu já na noite de terça-feira, conforme registrou este blog. O Jornal Nacional , ao noticiar a Operação Xepa, que fez buscas e apreensões em várias unidades da Odebrecht, destacou trechos da nota pública da empresa,  passando ligeiramente sobre o trecho em que afirma não ter a construtora “responsabilidade dominante” pelos fatos apurados e pela existência de “um sistema ilegítimo e ilegal de financiamento do sistema partidário-eleitoral”.  A seguir, William Bonner informa que “nossos repórteres” ouviram do  Ministério Público que tal acordo não havia sido assinado e que seria analisado segundo as prioridades da Operação Lava Jato.  O desinteresse do Ministério Público confirmou-se nesta quarta-feira logo que começaram a ser divulgados nomes da oposição que figuram na lista da Odebrecht, tais como Aécio Neves, José Serra, Rodrigo Maia e Eduardo Cunha, para ficar só em quatro importantes lanceiros do impeachment.  Moro colocou o material sob sigilo e os procuradores praticamente descartaram a delação da Odebrecht.
A sociedade  tem o direito de conhecer este “sistema ilegal e ilegítimo” de financiamento do conjunto de partidos que a representa.  Quando diz que não tem  “responsabilidade dominante”  por sua existência, a Odebrecht diz implicitamente que não o criou sozinha,  que  ele não nasceu agora, nos governos do PT, que ele envolve um conjunto de empresas e partidos, enfim, que este é o sistema político-eleitoral que temos, fomentador da corrupção.   A lista contém informações que remontam aos anos 1980.   Se o objetivo é passar o país a limpo, tal sistema precisa ser conhecido  para ser desmontado e substituído.  Moro, em seu já muito citado artigo sobre a Operação Mãos Limpas da Itália, refere-se  à necessidade de “deslegitimação” do sistema partidário que lá estava fortemente associado à corrupção. Já a Lava Jato parece querer deslegitimar apenas uma parte do sistema partidário,  composta pelo PT e partidos aliados.
A divulgação da lista iluminaria uma parte do porão. Mas a “colaboração definitiva”, expressão cunhada pela Odebrecht para indicar a disposição de seus dirigentes de falar tudo o que sabem, e certamente sobre todos, é fundamental para o completo desvelamento do esquema. Na colaboração eles não apenas citariam nomes mas apontariam mecanismos operacionais ainda não de todo conhecidos.   A parte ainda lúcida da sociedade, que não se deixou cegar pelo ódio, que mesmo não gostando do PT percebe a seletividade do processo, tem o direito de conhecer a lista e as revelações da Odebrecht. Depois do desgaste com as ilegalidades cometidas contra Lula, Dilma e outros políticos grampeados, a Lava Jato faria bem em afastar as evidências de que seu propósito não é uma faxina mas sim uma chacina política.

Xadrez do tribunal para a Lava Jato

por Luis Nassif


Peça 1 - o xadrez e as análises estratégicas
 
Adotei o nome Xadrez na série sobre o golpe por duas razões:
 
1. Analisar realidades complexas. 
 
Eventos dessa abrangência, que mexem com a vida e o futuro do país,  têm  inúmeros fatores de influência se entrelaçando, a crise econômica global, a política econômica interna, a geopolítica internacional, os interesses corporativos internos. 
 
O desafio consiste em identificar as grandes linhas de mudança globais, a maneira como se interrelacionam no Brasil, os personagens locais protagonistas desse jogo e a resultante final.
 
2. Estimar efeitos sobre o futuro.
 
Trata-se de um exercício complexo, que depende em parte de informação, e muito de intuição, de tentar identificar os desdobramentos de fatos atuais, de processos políticos, sociais e econômicos, as linhas que prevalecerão.
 
Os estrategistas se valem dessa metodologia para prevenir desastres, acertar rumos, minimizar custos e riscos, desenhar o futuro.
 
O desafio aqui é de fundo jornalístico, mais modesto. Não se pretende ter as respostas definitivas, mas criar uma moldura, uma forma organizada  para que a discussão possa fluir de maneira mais ordenada, aprimorando, confirmando ou retificando cada peça e mesmo as correlações entre elas, com a inestimável contribuição de vocês. 
 
Peça 2 - os funcionários e as autoridades públicas
 
Autoridade é todo aquele que exerce parcela de poder. Isso envolve uma responsabilidade adicional. Por isso mesmo não pode se ater exclusivamente aos fatos do momento, mas aos desdobramentos presentes e futuros. 
 
O exercício de previsão dos atos presentes, os desdobramentos futuros, são parte inerente da responsabilidade e de obrigação dos que exercem poder de Estado.
 
É a diferença do mero servidor público, que age de acordo com o princípio da legalidade, e à visão estática dos fatos.
Transportando as definições para a Lava Jato, a Procuradoria Geral da República é a autoridade. Não é um dos poderes originais do Estado - Executivo, Legislativo e Judiciário -, mas detém parcela de poder, como a Polícia, pela margem de discricionariedade na aplicação da lei. A discricionariedade existe para que se tenha o poder de decisão para aplicar melhor o que diz a lei. Se fosse um exercício mecânico, bastaria um manual e um computador.
 
Já os membros da força-tarefa são funcionários públicos e, como tal, limitam-se ao cumprimento burocrático da lei. Mas, por ter atribuições específicas de poder, também incorrem em um grau de responsabilidade.
 
Peça 3 – a responsabilidade da Lava Jato
 
Voltemos ao tema do último Xadrez, o "Xadrez do Assassinato Político e o MPF" (AQUI).
 
Lá se mostra que a Lava Jato e o Procurador Geral da República Rodrigo Janot exerceram um papel antinacional, de pacto com autoridades norte-americanas visando ações contra uma estatal brasileira.
 
Não apenas isso.
 
O enorme estrago promovido na cadeia do petróleo e gás, a destruição das empreiteiras, o desmonte da indústria de defesa, a tentativa de criminalizar as ações comerciais e diplomáticas na África, tudo isso configura claramente uma ação antinacional, embrulhada no pacote da anticorrupção. Era perfeitamente possível apurar os crimes, punir os corruptores e corruptos preservando as empresas. Mas optou-se por um trabalho meticuloso de destruição.
 
Por ora, a enorme barreira ideológica de pós-verdade imposta pela mídia tratou essa destruição como inevitável. 
 
Mas a história não acaba em 2016. Em um ponto qualquer do futuro, quando recomeçar o processo de reconstrução do país, haverá o balanço inevitável desses anos de destruição. E não haverá como não se apurar as responsabilidades. 
 
De um lado, da parte dos que se darão conta dos enormes prejuízos para o desenvolvimento nacional; de outra, dos que estão atrás de revanche, políticos corruptos ou não, empresários presos, inocentes desmoralizados.
 
Se, ao contrário dos tempos atuais, a força tarefa tiver a sorte de ser julgada dentro das normas do estado de direito, serão condenados com atenuantes. Como funcionários públicos, cumpriram apenas o que dizia a lei. E se avançaram nos limites de lei, e os avanços foram endossados por tribunais superiores, estarão a salvo de punições maiores. 
 
São figuras menores que cresceram porque as instituições se tornaram menores. No máximo serão personagens de crônicas de costumes sobre o deslumbramento de mentes provincianas, quando o destino coloca em suas mãos o martelo de Thor.
 
Peça 4 – a responsabilidade de Rodrigo Janot
 
Mas não haverá como eximir de responsabilidade o PGR Rodrigo Janot.
 
Ele é a autoridade, a quem compete o discernimento  para impedir os enormes malefícios que a operação trouxe para o presente e o futuro do país, impor o freio na ação da força tarefa, a definição de estratégias que assegurassem a punição dos culpados sem a destruição da economia.
 
Daqui a alguns anos, quando o país estiver se esfalfando para recuperar o tempo perdido, tentando desenvolver setores competitivos para a luta da globalização, deparando-se com a regressão dos indicadores sociais, de avanços tecnológicos, de modernização do trabalho, ficará mais nítida a percepção de desperdício, da destruição inútil ocorrida nesses tempos de dissipação. E não haverá como levantar mais o álibi da inevitabilidade dos danos colaterais.
 
Juízes técnicos, isentos, como não são os de agora, constatarão facilmente os inúmeros caminhos que havia para se coibir a corrupção e punir os corruptos sem destruir a economia.
 
Disporão dos sucessivos alertas do que estaria ocorrendo. Haverá condições de se ter acesso aos documentos e trocas de mensagens da cooperação internacional e dos acordos montados individualmente pela Lava Jato.
 
Certamente Janot alegará, em sua defesa, que as pressões foram enormes, que não houve como enfrentá-las. E a acusação constatará que ele falhou com seus deveres funcionais, com sua responsabilidade em relação ao país.
 
Serão levadas à sua responsabilidade os milhões de brasileiros que perderão oportunidade de sair da miséria pela destruição da economia brasileira, os atrasos na infraestrutura, a perda de qualidade dos empregos.
 
Durante algum tempo Janot dirigiu a Escola Superior do Ministério Público da União. Nela, organizou diversos seminários sobre problemas nacionais, onde foram esmiuçados cada um dos fatores de desenvolvimento.
 
O trabalho meritório de antes será o agravante quando tiver de responder a um tribunal. Não poderá acenar sequer com o álibi da ignorância.
 
Que a maldição da nacionalidade abortada recaia sobre ele e parceiros, como o ex-Ministro José Eduardo Cardozo, que viram as tropas bárbaras avançando e, por cumplicidade, acomodamento ou medo, deixaram de cumprir com seu dever perante o Brasil e perante a história.

O que não te contaram sobre a Reforma da Previdência

UM ARTIGO DE MARCELO L. PERRUCCI: AQUI

‘CAJU’ PROTESTAVA CONTRA A CORRUPÇÃO ENQUANTO RECEBIA R$ 22 MILHÕES

Hoje líder do governo Temer no Congresso, senador Romero Jucá (PMDB-RR) foi às ruas contra Dilma Rousseff, o PT e, segundo ele, contra a corrupção; nos bastidores, porém, conforme aponta delação da Odebrecht, ele era o líder na venda de leis para a empreiteira e pagamentos feitos pela empresa a ele passaram dos R$ 22 milhões

Líder do governo de Michel Temer no Congresso, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) chegou a participar de manifestações, com camisa da seleção brasileira, em defesa do impeachment de Dilma Rousseff, contra o PT e, segundo ele, contra a corrupção.
Hoje sabemos, porém, que enquanto ele ia às ruas contra a corrupção, liderava a venda de leis para a Odebrecht no Congresso. Segundo um ex-diretor da empresa, pagamentos feitos a Jucá (AQUI), que era chamado de "Caju" nas planilhas, passaram dos R$ 22 milhões.


Texto: AQUI






domingo, 13 de novembro de 2016

Lula fugiu com a piscina do Alvorada debaixo do braço?

por DCM 





Surreal e kafquiana, para dizer o mínimo, a nova investigação em curso para saber se a Odebrechet teria “beneficiado” Lula fazendo, de graça, consertos na piscina do Palácio do Alvorada.
“Beneficiado”, como? Lula, agora, virou dono do Palácio do Alvorada? Se a construtora consertou a piscina do palácio, ótimo. Ela arrumou e valorizou o patrimônio público. Nesse caso, qual foi o prejuízo para o erário?
Ou o Sr. Luis Inácio, já acusado antes – sem provas – de “roubar” crucifixos, faqueiros “fakes”, cujas fotos foram tiradas de um site de leilões dos EUA, etc, saiu com a piscina debaixo do braço, quando deixou de ser Presidente da República?
Ou mandou consertá-la para cometer outros crimes, quem sabe para fazer um “test-drive” nos emblemáticos – e caríssimos, ostentatórios – pedalinhos do sítio de Atibaia?
No afã de encontrar crimes que possam ser atribuídos ao ex-presidente da República, os responsáveis pelo “caso” tem que ter um mínimo de bom-senso e de sentido de proporção, para não passar ao mundo a impressão de que estão simplesmente forçando a barra para criar mais um de uma longa série de factoides políticos, ou simplesmente procurando, com microscópio eletrônico, pêlo em cabeça de ovo para incriminar o ex-presidente da República.







quarta-feira, 2 de novembro de 2016

COM OBSERVATÓRIO, APOIADORES VÃO MONITORAR AÇÕES CONTRA LULA

Um grupo cerca de 90 pessoas, formado por intelectuais, juristas, cientistas e políticos de vários estados do Brasil, reuniu-se na noite desta segunda-feira 31 para criar um observatório que pretende acompanhar os processos em curso contra o ex-presidente Lula; o objetivo é defender o petista no que chamam de "deslegitimação" de sua imagem; "Há enorme preocupação com a forma de tratamento que Lula tem recebido", colocou o diplomata Paulo Sergio Pinheiro, ao citar o vazamento de escutas ilegais; para o escritor Fernando Morais, "a perseguição política" a Lula faz parte de um "golpe do século 21", que só terminará com a inabilitação de Lula para disputar a presidência em 2018







por Leonardo Attuch




Um grupo cerca de 90 pessoas, formado por intelectuais, juristas, cientistas e políticos de vários estados do Brasil, anunciou na noite desta segunda-feira 31, na casa do jornalista e escritor Fernando Morais, em São Paulo, a criação de um observatório para acompanhar os processos que correm contra o ex-presidente Lula.



Entre os apoiadores estão, além de Morais, o diplomata Paulo Sergio Pinheiro, o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, o jurista Antônio Celso Bandeira de Mello, o ex-chanceler Celso Amorim, o ex-presidente do PSB Roberto Amaral, os senadores Lindbergh Farias (PT-RJ) e Gleisi Hoffmann (PT-PR), entre outros.


O objetivo do observatório é defender o petista no que chamam de "deslegitimação" de sua imagem. Em seu site, Nocaute, Fernando Morais colocou que o Observatório "irá monitorar todas as ações do Ministério Público, do Poder Judiciário e da Polícia Federal contra o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva".
"Há enorme preocupação com a forma de tratamento que Lula tem recebido", colocou o diplomata Paulo Sergio Pinheiro, ao citar o vazamento de escutas ilegais de Lula, segundo reportagem de Thais Bilenky, da Folha.
Para Fernando Morais, "a perseguição política" a Lula faz parte de um "golpe do século 21", que só terminará com a inabilitação de Lula para disputar a presidência em 2018. "Não é necessário prendê-lo. Basta que ele se torne ficha suja", completou.