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quinta-feira, 6 de março de 2014

Planejamento urbano nos pequenos municípios

Por Thiago Alves Rodrigues


Em obra clássica de interpretação do Brasil (Raízes do Brasil), ao cuidar dos traços que diferenciaram a colonização das Américas espanhola e portuguesa, o sociólogo Sérgio Buarque de Holanda não deixou escapar a forma peculiar de desenvolvimento dos centros urbanos em cada metrópole. Enquanto os colonizadores espanhóis primavam pelo traçado linear de suas cidades, os portugueses, segundo o autor, pareciam seguir mais a rotina do que a razão abstrata.Assim, preferindo quase nunca contrariar o quadro imposto pela natureza, nossos antepassados seguiam em expansão pelo território brasileiro, acomodando o perfil de sua ocupação à linha da paisagem. De fato, dentre o legado deixado pela colonização lusitana, a falta de planejamento urbano é um aspecto que permanece bastante arraigado em nossa cultura. Há pouco tempo, por exemplo, causou polêmica a notícia da construção de um muro de três metros de altura para evitar o avanço das favelas cariocas sobre as matas e áreas de risco. O extremismo da medida tomada pelo governo fluminense naquela oportunidade suscitou reações das mais diversas, tendo havido até quem comparasse a referida construção aos muros de Berlim e da Palestina, edificações famosas pelo forte signo de segregação que encerram.
Independentemente da pertinência ou não da comparação, acontecimentos como esse servem para trazer à tona os reflexos de décadas de omissão da União, dos Estados e dos Municípios em viabilizar o direito humano fundamental à moradia adequada e provocam reflexões sobre consequências mais graves que podem advir desse secular descaso.
Ainda hoje, chama a atenção como as cidades brasileiras crescem perpetuando a “rotina” diante dos olhares negligentes dos poderes públicos. Por todos os cantos, multiplicam-se, dia a dia, construções perigosamente irregulares em encostas e áreas de preservação permanente, expondo a risco, sobretudo, a parcela mais carente da sociedade, que busca tais lugares menos por opção do que impelida pela necessidade de umahabitação própria.
Todos os anos tragédias se repetem ocasionadas, em sua grande parte, por essas ocupações irregulares, deixando consigo, muito além do rastro de destruição, a dura lição de que parte significativa das perdas humanas e materiais advindas desses eventospoderiam ter sido evitadas se lá no passado, quando as cidades começaram a se desenvolver, tivesse havido planejamento e ação por parte dos governos.
A Constituição Federal de 1988 obriga todos os municípios com mais de vinte mil habitantes a contar com um instrumento básico de política de desenvolvimento e de expansão urbana, chamado plano diretor. Em linhas gerais, o plano diretor é uma lei, discutida pela população (com a participação de especialistas) e aprovada pela Câmara Municipal, que estabelece as diretrizes racionais para ocupação da cidade, de acordo com as características geográficas de cada localidade. A legislação infraconstitucional prevê, inclusive, responsabilidade por improbidade administrativa para prefeitos e vereadores que não tomarem providências para a aprovação do plano diretor.
Segundo dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC), realizada pelo IBGE em 2008, a maioria das cidades com população superior a vinte mil habitantes já havia declarado ter cumprido com a obrigação constitucional, aprovando seus planos diretores. Mas a pesquisa também revela que quase dois terços das cidades brasileiras ainda não contavam com tal instrumento jurídico-político.
Se, por um lado, os municípios com população acima de vinte mil habitantes já despertaram para a importância do plano diretor para conciliar o desenvolvimento econômico com a preservação ambiental e a manutenção da qualidade de vida; por outro, os números (e a realidade concreta) indicam que os municípios abaixo dessa faixa populacional parecem não encarar a questão como uma prioridade. E é lamentável que assim o seja.
Mesmo as cidades que hoje não são obrigadas a ter um plano diretor deveriam se preocupar mais com a questão, pois são as que apresentam melhores condições de implementar com sucesso um planejamento urbano eficiente. Nesses lugares, onde o crescimento demográfico ainda é incipiente, as distorções urbanísticas tendem a ser reversíveis, e as medidas de intervenção política, igualmente, tendem a causar menores sacrifícios à população.
A despeito de a imposição constitucional vincular apenas os municípios maiores, a história demonstra que não se pode esperar que as cidades cresçam para que, só então, a questão urbanística passe a ocupar o lugar de destaque que merece dentre os demais assuntos afetos à municipalidade. O momento de pensar sobre o crescimento ordenado de nossas cidades é agora, enquanto tragédias humanas podem ser evitadas.


Artigo publicado em 09 de fevereiro de 2012 em O Fato (Cachoeiro de Itapemirim)  

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

A Defensoria Pública como agente de transformação social


Por Thiago Alves Rodrigues




A outorga de um título de domínio de um imóvel a um cidadão carente de recursos financeiros, muito além de conferir segurança jurídica e promover a pacificação de conflitos fundiários, produz relevantes efeitos econômicos e sociais muitas vezes ignorados, ou mesmo subestimados, por todos nós.

 De acordo com o economista peruano, Hernando de Soto, autor da instigante obra “O mistério do capital” (2001), a regularização dos ativos financeiros das pessoas pobres pode injetar no Terceiro Mundo uma quantia de dinheiro equivalente ao PIB dos Estados Unidos.

 De fato, dentre os efeitos potenciais da simples transmutação do complexo fenômeno da posse em propriedade formal, podemos destacar: a) a concretização do direito fundamental à moradia, com a ampliação do acesso ao sistema financeiro de habitação e ao financiamento imobiliário de um modo geral; b) o acesso de micro e pequenos empresários, bem como de pequenos produtores rurais, a linhas de crédito bancário, públicas e privadas, com juros mais baixos, mediante a possibilidade de oferecimento de garantias reais; c) a valorização dos imóveis e de todo o entorno das áreas regularizadas; d) o estímulo à economia formal e a diminuição da pobreza, com a geração e circulação de riquezas; e) o desestímulo aos empréstimos financeiros concedidos à margem da legalidade (agiotagem); f) a possibilidade de um planejamento urbanístico mais eficiente por parte do município; i) maior eficiência na gestão e arrecadação de tributos por parte da administração pública.

 Diante desse quadro, a Defensoria Pública Estadual tem motivos para se orgulhar de sua silenciosa contribuição para a progressiva transformação do quadro econômico e social dos municípios onde atua.

 A título de exemplo, são mais de quatrocentas ações de usucapião em trâmite nas cinco Varas Cíveis da Comarca de Cachoeiro de Itapemirim, ajuizadas pelo órgão em favor de famílias hipossuficientes, tendo como objeto a declaração de domínio e o registro dos bens imóveis dessas pessoas, a maioria dos quais utilizados como moradia e com área inferior a 250m².

 E, curiosamente, a experiência haurida dessa enxurrada de ações indica que vem crescendo por parte dos assistidos o interesse pelos efeitos periféricos da declaração de domínio, notadamente as oportunidades de acesso ao crédito bancário, fato que reflete o momento favorável por que passa a economia brasileira.

 Mais crédito para comprar a casa própria, para reformar a residência ou para investir em pequenos empreendimentos significa mais dinheiro em circulação na economia local, mais empregos formais e uma espiral de desenvolvimento que, em última análise, é capaz de contribuir de maneira significativa com a redução da pobreza e das desigualdades sociais.

 É por tais razões que hoje o defensor público, mais do que um advogado público, é visto como um verdadeiro agente de transformação social, pois sua atuação provoca reflexos mais abrangentes no meio social onde exerce o seu mister.

 Nessa esteira, não seria exagero dizer que a atuação da Defensoria Pública, na atual conjuntura, contribui para a construção das bases jurídicas necessárias ao desenvolvimento do país, sobretudo quando sabemos que esse desenvolvimento tem como ator de destaque uma vasta classe social emergente, mas que ainda dependente de serviços públicos gratuitos oferecidos pela instituição.







Thiago Alves Rodrigues é Defensor Público no Estado do Espírito Santo

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Razões para NÃO reduzir a maioridade penal



Na última semana uma tragédia abalou todos os funcionários e alunos da Faculdade Cásper Líbero, onde estou terminando o curso de jornalismo. O aluno de Rádio e TV Victor Hugo Deppman, de 19 anos, foi morto por um assaltante na frente do prédio onde morava, na noite da terça-feira (9). O crime chocou não só pela banalização da vida – Victor Hugo entregou o celular ao criminoso e não reagiu –, mas também pela constatação de que a tragédia poderia ter acontecido com qualquer outro estudante da faculdade.

Esse novo capítulo da violência diária em São Paulo ganhou atenção especial da mídia por um detalhe: o criminoso estava a três dias de completar 18 anos. Ou seja, cometeu o latrocínio (roubo seguido de morte) enquanto adolescente e foi encaminhado à Fundação Casa.

Óbvio que a primeira reação é de indignação; acho válida toda a revolta da população, em especial da família do garoto, mas não podemos deixar que a emoção nos leve a atitudes irresponsáveis. Sempre que um adolescente se envolve em um crime bárbaro, boa parte da população levanta a voz para exigir a redução da maioridade penal. Alguns vão adiante e chegam a questionar se não seria hora do Estado se igualar ao criminoso e implantar a pena de morte no país. Foi o que fez de forma inconsequente o filósofo Renato Janine Ribeiro, em artigo na Folha de S. Paulo, por ocasião do assassinato brutal do menino João Hélio em 2007.

Além de obviamente não termos mais espaço para a Lei de Talião no século XXI, legislar com base na emoção nada mais atende do que a um sentimento de vingança. Não resolve (nem ameniza) o problema da violência urbana.

O que chama a atenção é maneira como a grande mídia cobre essas tragédias. A maioria das matérias que vemos nos veículos tradicionais só reforçam uma característica do Brasil que eles mesmo criticam: somos o país do imediatismo. A cada crime brutal cometido por um adolescente, discutimos os efeitos da violência, mas não as suas causas. Discutimos como reprimir, não como prevenir. É uma tática populista que desvia o foco das reais causas do problema.

Abaixo exponho a lista de motivos pelos quais sou contra a redução da maioridade penal:


As leis não podem se basear na exceção


A maneira como a grande mídia cobre estes crimes bárbaros cometidos por adolescentes nos dá a (falsa) impressão de que eles estão entre os mais frequentes. É justamente o inverso. O relatório de 2007 da Unicef“Porque dizer não à redução da idade penal” mostra que crimes de homicídio são exceção:

“Dos crimes praticados por adolescentes, utilizando informações de um levantamento realizado pelo ILANUD [Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente] na capital de São Paulo durante os anos de 2000 a 2001, com 2100 adolescentes acusados da autoria de atos infracionais, observa-se que a maioria se caracteriza como crimes contra o patrimônio. Furtos, roubos e porte de arma totalizam 58,7% das acusações. Já o homicídio não chegou a representar nem 2% dos atos imputados aos adolescentes, o equivalente a 1,4 % dos casos conforme demonstra o gráfico abaixo.”


E para exibir dados atualizados, dentre os 9.016 internos da Fundação Casa, neste momento apenas 83 infratores cumprem medidas socioeducativas por terem cometido latrocínio (caso que reacendeu o debate sobre a maioridade penal na última semana). Ou seja, menos que 1%.


Redução da maioridade penal não diminui a violência. O debate está focado nos efeitos, não nas causas da violência


Como já foi dito, a primeira reação de alguns setores da sociedade sempre que um adolescente comete um crime grave é gritar pela redução da maioridade penal. Ou quase isso: dificilmente vemos a mesma reação quando a vítima mora na periferia (nesses casos, a notícia vira apenas uma notinha nas páginas policiais). Mas vamos evitar leituras ideológicas do problema.

A redução da maioridade penal não resolve nem ameniza o problema da violência. “Toda a teoria científica está a demonstrar que ela [a redução] não representa benefícios em termos de segurança para a população”,afirmou em fevereiro Marcos Vinícius Furtado, presidente da OAB. A discussão em torno na maioridade penal só desvia o foco das verdadeiras causas da violência.

Instituto Não Violência é bem enfático quanto a isso: “As pesquisas realizadas nas áreas social e educacional apontam que no Brasil a violência está profundamente ligada a questões como: desigualdade social (diferente de pobreza!), exclusão socialimpunidade (as leis existentes não são cumpridas, independentemente de serem “leves” ou “pesadas”), falhas na educação familiar e/ou escolar principalmente no que diz respeito à chamada educação em valores ou comportamento ético, e, finalmente, certos processos culturais exacerbados em nossa sociedade como individualismo, consumismo e cultura do prazer.

No site da Fundação Casa temos acesso a uma pesquisa que revela o perfil dos internos (2006):








Em linhas gerais, o adolescente infrator é de baixa renda, tem muitos irmãos e os pais dificilmente conseguem sustentar e dar a educação ideal a todos (longe disso). Isso sem contar quando o jovem é abandonado pelos pais, quando um deles ou ambos faleceram, quando a criança nem chega a conhecer o pai, entre outras complicações.

Claro que é bom evitar uma posição determinista, a pobreza e a carência afetiva por si só não produzem criminosos. Mas a falta de estrutura familiar, de educação, a exposição maior à violência nas periferias e a falta de políticas públicas para esses jovens os tornam muito mais suscetíveis a cometer pequenos crimes.

Especialistas afirmam que os adolescentes começam com delitos leves, como furtos, e depois vão subindo “degraus” na escada do crime. De acordo com Ariel de Castro Alves, ex secretário-geral do Conselho Estadual da Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), muitos dos adolescentes que chegam ao latrocínio têm dívidas com traficantes e estão ameaçados de morte, e isso os estimula a roubar.


Vale aqui lembrar a falência da Fundação Casa, que em vez de recuperar os jovens, acaba incentivando os internos a subir esses degraus do crime. Para entender melhor sua realidade, recomendo a leitura da matéria“De Febem a Fundação Casa” da Revista Fórum. Nela temos o relato do pedagogo Carlos (nome fictício), que sofreu ameaças frequentes por contestar os atos abusivos da direção: “A Fundação Casa nasceu para dar errado. Eles saem de lá com mais ódio, achando que as pessoas são todas ruins e que não há como mudar isso. São desrespeitados como seres humanos, são tratados como lixo. E isso faz com que eles pensem que não podem mudar.”
Atuante na Fundação há onze anos, Carlos conta que os atos de violência contra os adolescentes são cotidianos e descarados, apoiados inclusive pelo diretor, que também “bate na cara dos meninos”. Essa bola de neve de violência só poderia resultar em crimes cada vez mais graves cometidos pelos garotos.

A redução da maioridade penal tornaria mais caótico o já falido sistema carcerário brasileiro e aumentaria o número de reincidentes



Dados objetivos : Temos no Brasil mais de 527 mil presos e um déficit de pelo menos 181 mil vagas. Não precisamos nos aprofundar sobre a superlotação e as condições desumanas das cadeias brasileiras, é óbvio que um sistema desses é incapaz de recuperar alguém.
A inclusão de adolescentes infratores nesse sistema não só tornaria mais caótico o sistema carcerário como tende a aumentar o número de reincidentes. Para o advogado Walter  Cenevivacolunista da Folha, a medida pode tornar os jovens criminosos ainda mais perigosos: “Colocar menores infracionais na prisão será uma forma de aumentar o número de criminosos reincidentes, com prejuízo para a sociedade. A redução da maioridade penal é um erro.”

A Unicef também destaca os problemas que os EUA enfrentam por colocar adolescentes e adultos nos mesmos presídios. “Conforme publicado este ano [2007] no Jornal New York Times, a experiência de aplicação das penas previstas para adultos para adolescentes nos Estados Unidos foi mal sucedida resultando em agravamento da violência. Foi demonstrado que os adolescentes que cumpriram penas em penitenciárias, voltaram a delinqüir e de forma ainda mais violenta, inclusive se comparados com aqueles que foram submetidos à Justiça Especial da Infância e Juventude.”
O texto em questão foi publicado no New York Times em 11 de maio de 2007 e está disponível na íntegra na página 34 deste PDF da Unicef.

Ao contrário do que é veiculado, reduzir a maioridade penal não é a tendência do movimento internacional

Tenho visto muitos textos afirmando que o Brasil é um dos raros países que estipulou a maioridade penal em 18 anos. Tulio Kahn, doutor em ciência política pela USP, contesta esses dados. “O argumento da universalidade da punição legal aos menores de 18 anos, além de precário como justificativa, é empiricamente falso. Dados da ONU, que realiza a cada quatro anos a pesquisa Crime Trends(Tendências do Crime), revelam que são minoria os países que definem o adulto como pessoa menor de 18 anos e que a maior parte destes é composta por países que não asseguram os direitos básicos da cidadania aos seus jovens.”
Ainda segundo a Unicef “de 53 países, sem contar o Brasil, temos que 42 deles (79%) adotam a maioridade penal aos 18 anos ou mais. Esta fixação majoritária decorre das recomendações internacionais que sugerem a existência de um sistema de justiça especializado para julgar, processar e responsabilizar autores de delitos abaixo dos 18 anos. Em outras palavras, no mundo todo a tendência é a implantação de legislações e justiças especializadas para os menores de 18 anos, como é o caso brasileiro.”
O que pode estar acontecendo na grande mídia é uma confusão conceitual pelo fato de muitos países usarem a expressão penal para tratar da responsabilidade especial que incide sobre os adolescentes até os 18 anos. “Países como Alemanha, Espanha e França possuem idades de inicio da responsabilidade penal juvenil aos 14, 12 e 13 anos. No caso brasileiro tem inicio a mesma responsabilidade aos 12 anos de idade. A diferença é que no Direito Brasileiro, nem a Constituição Federal nem o ECA mencionam a expressão penal para designar a responsabilidade que se atribui aos adolescentes a partir dos 12 anos de idade”.
Confiram aqui a tabela comparativa entre diferentes países ao redor do mundo. Alguns países vêm seguido o caminho contrário do que a grande mídia divulga e aumentado a maioridade penal. “A Alemanha restabeleceu a maioridade para 18 anos e o Japão aumentou para 20 anos. A tendência é combater com medidas socioeducativas. Estudos apontam que os crimes praticados por crianças e adolescentes, no Brasil, não passariam de 15%. Há uma falsa impressão de que esses jovens ficam impunes, o que não é verdade, pois eles respondem ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)”, argumenta Márcio Widal, secretário da Comissão dos Advogados Criminalistas da OAB.
Também não vejo os grandes jornais divulgarem que muitos estados americanos estão aumentando a maioridade penal.
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Há ainda diversos argumentos contra a redução da maioridade penal, mas o texto já se estendeu muito e vamos focar em mais dois. A medida é inconstitucional; a questão da maioridade faz parte das cláusulas pétreas da Constituição de 1988, que não podem ser modificadas pelo Congresso Nacional (saiba mais sobre as cláusulas pétreas da CF aqui). Seria necessária uma nova Assembleia Constituinte para alterar a questão.
“São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial” (Artigo 228 da Constituição Federal). Ou seja, todas as pessoas abaixo dos 18 anos devem ser julgadas, processadas e responsabilizadas com base em uma legislação especial, diferenciada dos adultos.
Há ainda o clássico argumento de que o crime organizado utiliza os menores de idade para “puxar o gatilho” e pegar penas reduzidas. Se aprovada a redução da maioridade penal, os jovens seriam recrutados cada vez mais cedo. Se baixarmos para 16 anos, quem vai disparar a arma é o jovem de 15. Se baixarmos para 14, quem vai matar será o garoto de 13. Estaríamos produzindo assassinos cada vez mais jovens. Além disso, “o que inibe o criminoso não é o tamanho da pena e sim a certeza de punição”, diz o advogado Ariel de Castro Neves.  “No Brasil existe a certeza de impunidade já que apenas 8% dos homicídios são esclarecidos. Precisamos de reestruturação das polícias brasileiras e melhoria na atuação e estruturação do Judiciário.”
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Concluindo…

Reforçando, tudo o que foi discutido até aqui foi para mostrar o problema de tratar essa questão com imediatismo, impulsividade. Os debates estão sendo feitos quase sempre em cima dos efeitos da violência, não de suas causas, desviando o foco das reais origens do problema.
Que tal nos mobilizarmos para cobrar uma profunda reforma na Fundação Casa, de forma que ela cumpra minimamente seus objetivos? Ou para cobrar outra profunda reforma no sistema carcerário brasileiro, que possui 40% de presos provisórios? Será que todos deviam estar lá mesmo?
E melhor ainda: que tal nos mobilizarmos para que o Governo invista pesado na prevenção da criminalidade, como escolas de tempo integral, atividades de lazer e cultura? Estudos mostram que quanto mais as crianças são inseridas nessas políticas públicas, menores as chances de serem recrutadas pelo mundo das drogas e pelo crime organizado.
“Quando o Estado exclui, o crime inclui”, afirma Castro Alves. “Se o jovem procura trabalho no comércio e não consegue, vaga na escola ou num curso profissionalizante e não consegue, na boca de fumo ele vai ser incluído.”
Na teoria o ECA é uma ótima ferramenta para prevenir a criminalidade. Mas há um a
bismo entre a teoria e a prática do ECA: a falta de políticas públicas para a juventude, a falta de estrutura e os abusos na Fundação Casa acabam produzindo o efeito contrário do desejado. Mesmo assim, a reincidência no sistema de internação dos adolescentes é de aproximadamente 30%. No sistema prisional comum é de 60%, segundo o Ministério da Justiça.


No fim das contas, suspeito que boa parte da sociedade não quer recuperar os jovens infratores. Muitos gostariam mesmo é de fazer justiça com as próprias mãos ou que o Estado aplicasse a pena de morte, como sugeriu o filósofo Janine Ribeiro no calor da emoção. Mas já que isso não é possível, então “que apodreça na cadeia junto com os adultos”.
Por causa de fatos isolados, como a tragédia do menino João Hélio e do estudante Victor Hugo, cobram do governo a redução da maioridade penal, uma atitude impulsiva e irresponsável que iria piorar ainda mais a questão da violência no Brasil. A questão é tentar reduzir a violência ou atender a um desejo coletivo de vingança?