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quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Gilmar quer ser o Bonaparte de um Brasil ancorado em dinamite social

Ele ataca Moro e o Ministério Público que ameaçam seus amigos, mas seu alvo prioritário é sepultar a democracia social personificada em Lula



por: Saul Leblon



Gilmar Mendes dispensa apresentações.
 
Mas seria injusto deixa-lo ao relento das simplificações subentendidas, ao risco de subestima-lo como uma simples  toga a serviço do ódio a Lula e ao PT.
 
Gilmar é mais que a caricatura que personifica.
 
Mais que o antipetismo recoberto do manto escuro que no Brasil, nele sobretudo, deixou de simbolizar o Estado de Direito.

Gilmar é a personificação da última instância do interesse patronal.
 
Nele ecoa aquilo que a elite e o mercado –urbi et orbi-- gostariam que fosse o Estado, a Justiça, a Constituição, a Economia, a Política, o Sindicato, a Polícia, a Mídia e o Congresso nessa turbulenta era da desordem neoliberal.
 
Ou seja, um mosaico passivo, subordinado  a um ‘ permanente estado de exceção’.
 
A definição do filósofo italiano, Giorgio Agamben, caracteriza um tempo em que capitalismo & crise tornaram-se uma entidade unívoca. E a adaptação às necessidades da sua sobrevivência,  a regra no manejo do arsenal jurídico.
 
Gilmar é a voz desse desejo sibilado, enquanto as mãos dedilham cifrões imaginários.
 
Sua convicção antipopular o conduz à elevada condição de referência do  bonapartismo togado com que sonham as classes patronais.
 
Nos últimos dias e horas  ele vem detalhando a sua concepção de país submetido a uma supremacia asfixiante do dinheiro sobre o destino da sociedade e a sorte do desenvolvimento.
 
Nesta 2ª feira, na Folha, rechaçou dividir o posto de Bonaparte do condomínio do dinheiro  com Moro e o Ministério Público de Janot
 
‘Lava Jato tem sido um grande instrumento de combate à corrupção. Ela colocou as entranhas do sistema político e econômico-financeiro à mostra, tornando imperativas uma série de reformas.Agora, daí a dizer que nós temos que canonizar todas as práticas ou decisões do juiz Moro e dos procuradores vai uma longa distância’.
 
E rechaçou o decálogo anticorrupção que amplia os poderes do MP e da Janot:
 
‘Isso se tornou estratégia de grupos corporativos fortes para ter apoio da população.É uma esperteza midiática. Não tem nada a ver com a realidade. Os juízes todos estão agora engajados no combate à corrupção? São 18 mil Sergios Moros? Sabe?No fundo estão aproveitando-se oportunisticamente da Lava Jato’
 
A luta de facções, como se vê,  instalou-se nas entranhas do golpe
 
E Gilmar sabe que se ceder o manto de pretenso bonaparte do golpe, ele próprio e seus amigos tucanos poderão sucumbir.
 
A presença de Gilmar em reuniões com FHC, Temer e mesmo com o ex-ministro de Dilma, José Eduardo Cardozo, alinha-se nessa ofensiva para deter um esgarçamento do tecido golpista.
 
Mas, sem ilusões.
 
O alvo prioritário de Gilmar continua a ser o desmonte do projeto de democracia social que Lula e o PT simbolizam no país.
 
Isso ele deixou claro em quatro momentos sucessivos na semana passada.
 
O personagem que acumula o posto de ministro mais influente da Suprema Corte, presidente do Superior Tribunal Eleitoral, porta-voz togado do conservadorismo, última instância do patronato e articulador permanente do golpe consumado em 31 de agosto,  elencou assim suas prioridades ao atacar, pela ordem:
 
- o Ministério Público que, no seu entender estaria usando a Lei de Ficha Limpa para coagir políticos, em ações de improbidade  “incentivadas pelo lulopetismo", disse; o  que pode, acusou, ‘ tornar gente do melhor quilate inelegível,  como Serra, como Malan”, seus ex-colegas de governo FHC, enquanto  “ladravazes estão soltos" (18/10);
 
- no dia seguinte (19/10) divulgou-se que Gilmar Mendes revogara entendimento jurisprudencial da Justiça do Trabalho que estende cláusulas de acordo coletivo vigente, em caso de impasse nas negociações para renová-lo. Conquistas precedentes funcionam como uma barreira formal ao arrocho em momentos de destruição maciça do pleno emprego, como acontece agora no Brasil. Gilmar sabe disso. Sabe que para produzir o efeito no custo da hora trabalho, demissões épicas não podem ser mitigadas pela vigência de direitos e garantias legais que protejam as famílias assalariadas. Em sua decisão, ele alega que a ‘norma vigente só protege o trabalhador’. Explícito assim.  Com a mesma transparência,  defende que a CLT seja flexibilizada prevalencendo de agora em diante o negociado sobre o legislado. Algo como exigir a rendição incondicional dos sobreviventes na guerra aberta do capital contra o trabalho.
 
 
- dois dia depois (21/10) em palestra promovida pela Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abidib) e pela Câmara Americana Comércio (Amcham), Gilmar Mendes voltaria ao ataque. “Esse tribunal (o TST) é formado por pessoas que poderiam integrar até um tribunal da antiga União Soviética. Salvo que lá não tinha tribunal”, ironizou, fazendo rir a plateia patronal. “[Eles têm] uma concepção de má vontade com o capital”, continuou, radicalizando o confronto. Os problemas, no seu entender, podem estar relacionados à própria composição do TST.  "Talvez um certo aparelhamento da própria Justiça do Trabalho e do próprio TST por segmentos desse modelo sindical que se desenvolveu", concluiu deixando as marcas agressivas de um ataque mais abrangente do que parece . No Supremo, ele tem elogiado iniciativas do colega Teori Zavaski nesse direção. Na direção de desmontar a soberania da CLT na prática, em benfício do negociado sobre o legislado, para lubrificar projetos patronais congelados no Congresso, ressuscitados pelo golpe de 31 de agosto.
 
- Na mesma sexta-feira (21/10), na sequência de sua fala na Câmara Americana, Mendes  disparou contra o programa Bolsa Família,  uma forma, noi seu entender, de fraudar a vigilância do TSE na ‘compra de sufrágios’. "Com o Bolsa Família, generalizado, querem um modelo de fidelização que pode levar à eternização no poder. A compra de voto agora é institucionalizada", fuzilou contra um dos alvos do desmonte intrínseco à PEC 241.
 
A saraivada contra as leis e a ordem constitucional, nas últimas horas, não deve ser minimizada.
 
Não é apenas um sinal de coerência de quem traz carimbado na testa um epíteto: onde quer que haja o interesse do capital revogue-se o do trabalho.
 
Vai além disso a sulforosa maratona dos dias que correm.
 
Seu ativismo reflete a crise em que se meteu a elite e o capitalismo brasileiros.
 
Ao mergulhar o país na ilegitimidade de um golpe contra o povo, a ordem dominante perdeu  a fonte original do poder que mediava inclusive as suas fricções.
 
A falta de limites de Gilmar Mendes que empurra o Estado de Direito para o Estado de Exceção é parte dessa dissolução explosiva de fronteiras.
 
Para onde nos leva o Brasil manejado pela conveniência jurídica do juiz do capital. E quando explodir,o que sobrará; melhor: quem negociará o caminho de volta?
 
De onde virá o novo poder mediador se os partidos estão destruídos, o eleitor comprou a propaganda da rejeição à política e  a ordem constitucional, já rasgada, estrebucha sob a pressão de toga desagregadora?
 
Quais os limites, se os há; e quem irá fiscalizá-los?
 
Quem diz, por exemplo, até onde pode ir em nome da ‘aplicação vigorosa da lei’, o imã do califado de Curitiba?
 
O que fazer com o passado da nação?
 
Esse que Gilmar pretende varrer, mas cujos atores perambulam ainda vivos pelo presente?
 
Onde fica o povo no Brasil de Gilmar Mendes? E a Carta de 1988, a pobreza, a desigualdade, o desejo de emancipação, as organizações sociais, a CLT, os partidos, a liberdade de imprensa que o juiz Moro já tutela, as lideranças sociais, Lula...
 
Quem prender?
 
Quando prender, por que prender, o que extrair de quem prender --como extrair confissões e delações ?
 
Como disciplinar os auto-ungidos  guardiões da doutrina da fé do MP,  que sentenciam o que deva ser a moralidade pública, ao mesmo tempo em que estilizam o juízo final em powerpoints bizarros?
 
Como saciar milicianos do Estado Midiático, que agora cobram o paraíso dos livres mercados na terra em transe desmontada pelo golpismo?
 
Como serão dirimidas as divergências entre facções no Brasil para o qual nos empurra Gilmar Mendes?
 
O enfrentamento entre a Polícia Federal e a Polícia dos Senadores é um bala de morango perto disso que respira nas entranhas do golpe de 31 de agosto.
 
Sinais de um estilhaçamento do poder e das instituições cavalgam da língua de Gilmar para o hímen complacente dos noticiosos que agora a tudo abonam.
 
A inquietação da toga boquirrota expressa os intestinos enfezados desse frankstein parido a golpes, sabotagens, ganância, conspiração, ódio de classe, entreguismo e arbítrio
 
É ostensivo o esforço para engata-lo o  à única fonte de poder capaz, no seu entender, de impedir o estouro das partes: o fundamentalismo de Mercado.
 
Ou o ‘Deus dinheiro’, como diz Agamben.
 
Mas dentro do próprio dinheiro há conflitos e guerras que só podem ser refreados pela mediação originária da urna.
 
Uma Líbia institucional, retalhada por milícias em confronto, ergue-se  como um fantasma no horizonte do golpe.
 
Nesse Termidor precoce, cada cabeça que tomba repete ao algoz o mesmo vaticínio proferido por Danton a caminho da guilhotina: ‘Tu me seguirás, Robespierre’
 
Ou não será isso que Cunha, o álibi de Moro para Lula, disse a Temer?
 
O fato incontornável é que a  sustentabilidade financeira do Estado desenhada pelo golpe é incompatível com a sua sustentabilidade democrática.
 
Não podem os golpistas submeter sua agenda a uma constituinte, nem mesmo leva-la à urna plebiscitária.
 
A escória parlamentar que a referenda não representa a assembleia da nação.
 
Expostas à argumentação amplamente franqueada à crítica, medidas acenadas agora como fundamentais à regeneração da confiança dos mercados no país dificilmente seriam legitimadas pela sociedade.
 
A PEC 241 mais se assemelha a uma intimação à eutanásia do que a um projeto de nação.
 
Mais a um resgate tardio da bandeira desbotada de Thatcher  --‘there is no alternative’— do que a um convite à participação.
 
Não convence, mas  não apenas porque as evidências engolfam as famílias assalariadas em uma lógica oposta, que Gilmar quer salgar com a desproteção ao trabalho quando ela é mais necessária.
 
É pior ainda.
 
O desmonte social brasileiro  avança na direção oposta ao que o bom senso e a sobrevivência nacional recomendariam diante da desordem financeira global.
 
A recessão construída, antes, pela sabotagem --o que não diminui a contribuição dos erros cometidos pelos governos petistas; e agora, com a PEC do arrocho, aprofunda a vulnerabilidade brasileira em relação a uma deriva global marcada pela sombra da estagnação secular.
 
A retórica da ‘contração expansiva’ supõe a existência de um ciclo de investimento global receptivo a uma sociedade descarnada de vontade própria e pronta para o abate.
 
Esse mundo não figura no acervo do capitalismo realmente existente.
 
A exemplo do que ocorre com as empresas aqui –corroídas pelo descasamento entre o fluxo de caixa e custos de dívidas e investimentos de um fim de ciclo expansivo--   a realidade global vive gargalos sistêmicos ao investimento.
 
As  expectativas golpistas de uma precificação de apoio externo, na forma de um boom antecipado de investimentos não passam de propaganda midiática.
 
O que se delineia é o oposto.
 
Ao recuar as defesas da ação anticíclica do Estado, da proteção ao emprego e ao poder de compra real do salário, bem como esgarçar a rede de resistência à miséria e à fome, a economia brasileira engatou as suas fraquezas à prostração global.
 
Estados endividados, baixo investimento público e privado, massas colossais de capital fictício, crescimento débil e comércio mundial anêmico compõem a realidade dessa fonte seca.
 
Acrescente-se à longa estiagem a demanda espremida por elevadas taxas de desocupação, explosão do emprego precário, salários aviltados e endividamento paralisante das famílias.
 
A dívida global mais que duplicou nos últimos 15 anos, segundo o FMI.
 
A capacidade de geração de caixa das empresas, a demanda e o comércio mundial regrediram no mesmo período.
 
O panorama nas economias emergentes não é menos desolador.
 
As dívidas corporativas cresceram também em todos os países em desenvolvimento desde 2008.
 
Passaram de  uma média de 75% do PIB para 110% agora.
 
No Brasil, segundo cálculos do economista Felipe Rezende, que tem alertado para o erro de diagnóstico do golpe --ao focar o gargalo da economia na esfera fiscal, quando as empresas estão em situação bem mais grave--   a geração de caixa das companhias abertas (com ações negociadas em Bolsa) não paga nem as despesas financeiras,
 
A ilusão dos que aplaudem o anti-trabalhismo de Gilmar Mendes, como se a busca da mais-valia bruta fosse recuperar o pulso econômico de um mercado sem mercado, mostra-se portanto ideologicamente coerente com ele.
 
Mas descabida para o desenvolvimento brasileiro.
 
Não há como se repetir uma nova era Thatcher  (1979 a  1990) feita de compressão salarial, repressão sindical  e ‘des-emancipação social’ pelo simples fato de que o Estado do Bem Estar social já foi lixiviado  lá fora e aqui nunca existiu.
 
A beberagem que se quer enfiar goela abaixo da população brasileira, ademais da  dimensão predadora, revela-se anacrônica e incompetente para reverter a  dinâmica de crescimento da dívida pública e privada.
 
A dívida federal cresce hoje impulsionada pelo peso mortal de taxas de juros reais de 6%  ao ano, responsáveis por  80%  da composição  déficit fiscal, sendo ínfima a pressão exercida por novas despesas  (leia a entrevista sempre brilhante de Luiz Gonzaga Belluzzo, nesta edição:http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Belluzzo-O-Brasil-esta-caindo-para-a-serie-C-do-campeonato-mundial-/7/37039)
 
Sem crescimento, com receita tributária em marcha ré (queda de 10% em agosto  e de 7% em setembro) ,o Brasil está sendo reduzido a uma montanha desordenada de ruínas.
 
O horizonte fantasmagórico assusta.
 
E a  escalada de Gilmar Mendes adiciona um sustenido de horror ao túnel escuro da torpeza econômica.
 
O conjunto não resistiria ao contraditório de uma agenda alternativa, crível e serena, de maior justiça tributária e retomada do investimento público, que falasse à angústia crescente em todos os extratos da sociedade.
 
Uma agenda assim, capaz de aglutinar  no seu entorno uma frente ampla de interesses sociais, carregaria o trunfo de oferecer à população aquilo que a estreiteza estratégica do golpe e o conflito desestabilizador de suas facções, sequer postula.
 
Ou seja, uma repactuação da sociedade com ela mesma através de uma ampla negociação de um novo pacto pelo desenvolvimento brasileiro.
 
É nesse ponto que a matraca togada entra em modo crepuscular e se recompõe a superlativa relevância de um líder com a projeção nacional e internacional e a capacidade de diálogo comprovada.
 
Luís Inácio Lula da Silva.
 
Prendê-lo, por certo, já foi uma ambição de maior consenso dentro do golpe.
 
Embora seja o objeto de desejo conservador impedi-lo de figurar na cédula de 2018, hoje, mais que ontem e, por certo, menos que amanhã, um espectro ronda as cabeças menos entorpecidas da elite brasileira.
 
Se o crescimento, como parece ser o caso, não for entregue no curto prazo; se a luta fratricida se radicalizar; se, como soa cada vez mais provável, a rua rugir o seu inconformismo com a dinamite social que Gilmar quer acender ...
 
Se isso acontecer com Lula preso, quem vai negociar o caminho de volta aos trilhos da democracia social e do desenvolvimento?
 
Dória Jr? Aécio? O ‘chanceler’ Serra? Moro? Dallagnol? Ou o procurador ‘Boquinha’?
 
Na crise que se cultiva, quem ainda pode falar ao Brasil e ser ouvido pela elite e a rua?
 
Quem?

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Gilmar Mendes, flagrado, brinca com fogo

Por Luiz Flávio Gomes


O ministro Gilmar Mendes foi flagrado (por interceptação telefônica autorizada pelo próprio STF) numa conversa com o ex-governador de Mato Grosso, Silval Barbosa, no dia em que este fora preso em Cuiabá-MT (veja Época 6/2/15). Diz a reportagem que "em 15 de maio do ano passado (2014), o Supremo Tribunal Federal, a pedido da Procuradoria-­Geral da República, autorizou a Polícia Federal a vasculhar a residência do então governador de Mato Grosso, Silval Barbosa, do PMDB, à cata de provas sobre a participação dele num esquema de corrupção. Cinco dias depois, uma equipe da PF amanheceu no duplex do governador, em Cuiabá. Na batida, os policiais acabaram descobrindo que Silval Barbosa guardava uma pistola 380, três carregadores e 53 munições. Como o registro da arma vencera havia quatro anos, a PF prendeu o governador em flagrante. Horas mais tarde, Silval Barbosa pagou fiança de R$ 100 mil e saiu da prisão. Naquele momento, o caso já estava no noticiário. Às 17h15, o governador recebeu um telefonema de Brasília. Vinha do mesmo Supremo que autorizara a operação".

"Governador Silval Barbosa? O ministro Gilmar Mendes gostaria de falar com o senhor, posso transferi-lo?", diz um rapaz, ligando diretamente do gabinete do ministro. "Positivo", diz o governador. Ouve-se a tradicional e irritante musiquinha de elevador. "Ilustre ministro", diz Silval Barbosa. Gilmar Mendes, que nasceu em Mato Grosso, parece surpreso com a situação de Silval Barbosa:
"Governador, que confusão é essa?". Começavam ali dois minutos de um telefonema classificado pela PF como "relevante" às investigações. O diálogo foi interceptado com autorização do próprio Supremo - era o telefone do governador que estava sob vigilância da polícia. Na conversa, Silval Barbosa explica as circunstâncias da prisão.
Surrealismo é o mínimo que se pode dizer da iniciativa de um ministro do STF que liga para um preso em flagrante, acusado de corrupção, em inquérito que tramita dentro do próprio STF. Mais surreal ainda é sua camaradagem "muy amiga" de dizer que vai falar com o relator do processo (Dias Toffoli), sobre o caso em tramitação na Casa. Usamos a expressão patrimonialismo para expressar a confusão que se faz da coisa pública com a coisa privada. O patrimonialismo é pai do nepotismo, filhotismo, fisiologismo, parentismo, amiguismo e tantos ou "ismos" mais, que nossas lideranças nacionais (de todos os poderes), em geral, sabem conjugar de cor e salteado. O Brasil conta com avanços civilizatórios em muitas áreas, mas continua aos trancos e barrancos em termos institucionais. Isso decorre, sobretudo, da qualidade das lideranças nacionais, seja do mundo empresarial, seja do mundo político, seja de outros altos escalões da República.
O Brasil é um país carente de exemplaridade. Em tempos de mensalões (do PT e do PSDB), de "petrolão", de licitações viciadas no metrô de SP e tantas outras estrepolias dos políticos brasileiros, oportuno se faz recordar que é na honra e na exemplaridade que reside a missão cívica de todo servidor público. Como bem enfatiza Gomá Lanzón (2009p. 261): "O espaço público está cimentado sobre a exemplaridade, esse é seu cenário mais genuíno e próprio. A política é a arte da exemplaridade". Para se cumprir esse mandamento, o funcionário e o político devem "predicar com o exemplo", porque, no âmbito moral, só o exemplo "predica" de modo convincente, não as promessas, os discursos, os quais, sem a força do exemplo (e da exemplaridade), carecem de convicção, caem no vazio (Gomá Lanzón: 2009, p. 265).

"Que loucura!", diz Gilmar Mendes, duas vezes, ao governador.


Silval Barbosa narra vagamente as acusações de corrupção que pesam contra ele. Gilmar Mendes diz a Silval Barbosa que conversará com o ministro Dias Toffoli, relator do caso. Fora Toffoli quem, dias antes, autorizara a batida na casa do governador. Segue-se o seguinte diálogo:


Silval Barbosa: E é com isso que fizeram a busca e apreensão aqui em casa.


Gilmar Mendes: Meu Deus do céu!


Silval Barbosa: É!


Gilmar Mendes: Que absurdo! Eu vou lá. Depois, se for o caso, a gente conversa.


Silval Barbosa: Tá bom, então, ministro. Obrigado pela atenção!


Gilmar Mendes: Um abraço aí de solidariedade!


Silval Barbosa: Tá, obrigado, ministro! Tchau!


"Meu Deus do céu":

Silval Barbosa é acusado de corrupção pela PF num inquérito que corre no Supremo (Foto: Reprodução).


ÉPOCA teve acesso com exclusividade à íntegra do inquérito relatado por Dias Toffoli. É lá que se encontram os áudios transcritos nestas páginas (ouça em epoca.com.br) - e as provas do caso. O inquérito foi batizado com o nome de Operação Ararath - uma referência bíblica ao monte da história de Noé, na qual só os policiais parecem encontrar sentido. Iniciada em 2013, a investigação da PF e do Ministério Público Federal desmontara um esquema de lavagem de dinheiro, crimes contra o sistema financeiro e corrupção política no topo do governo de Mato Grosso. O caso subiu ao Supremo quando um dos principais operadores da quadrilha topou uma delação premiada. Entregou o governador e seus aliados, assim como comprovantes bancários. No dia em que Silval Barbosa foi preso, a PF também fez batidas em outros locais. Apreendeu documentos que viriam a reforçar as evidências já obtidas.


O grupo político que governava Mato Grosso desde 2008, representado pelo então governador Blairo Maggi, hoje senador, e Silval Barbosa, que era seu vice, usava a máquina do governo para financiar campanhas eleitorais. Empreiteiras com contratos no governo do Estado faziam pagamentos a in­ter­mediários, que por sua vez repassavam dinheiro às campanhas. Esses intermediários eram donos de empresas que funcionavam como pequenos bancos ilegais. Mantinham à disposição do grupo político uma espécie de conta-­corrente. Silval Barbosa foi acusado de articular pessoalmente o pagamento de R$ 8 milhões às campanhas dele e de seus aliados, nas eleições de 2008 e 2010. Há documentos bancários que confirmam o depoimento do delator.


Em 2013 Gilmar Mendes disse: "É uma visita de cortesia ao governador. Somos amigos de muitos anos, temos tido sempre conversas muito proveitosas. Fico muito honrado. Faço tudo para que o nome de Mato Grosso seja elevado".


Gilmar Mendes desempata julgamento em favor de Éder Moraes


"Em sete de outubro, quatro meses após o telefonema de solidariedade a Silval Barbosa, o ministro Gilmar Mendes foi convocado a desempatar um julgamento do inquérito". A Procuradoria-Geral da República pedira ao Supremo que o principal operador do esquema, segundo a PF, fosse preso novamente. Argumentava-se que ele tentara fugir - e tentaria de novo. Trata-se de Éder Moraes. Ele fora secretário da Casa Civil, da Fazenda e chefe da organização da Copa do Mundo em Mato Grosso nos governos de Blairo Maggi e Silval Barbosa; Quatro meses após ligar para Silval, Gilmar deu o voto decisivo para manter livre o operador do esquema. O pedido foi julgado na primeira turma do Supremo, composta de cinco ministros. Meses antes, Toffoli, o relator do caso, votara por mantê-lo em liberdade. Os ministros Celso de Mello e Luís Roberto Barroso avaliaram que não poderiam atuar no caso. Sem declinar as razões, Celso de Mello e Barroso se declararam suspeitos. O ministro Luiz Fux votou com Toffoli, mas os ministros Marco Aurélio Mello e Rosa Weber votaram a favor do pedido do Ministério Público - pela prisão preventiva. O julgamento estava empatado. Faltava um voto. O ministro Gilmar Mendes avaliou que não tinha razões para se declarar impedido ou suspeito de participar do julgamento. Votou contra a prisão do acusado. Foi o voto que assegurou a liberdade de Éder Moraes - que, segundo as investigações, era o parceiro de Silval Barbosa no esquema.


"Procurados, os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli disseram que não conversaram sobre o processo. ÉPOCA enviou ao ministro Gilmar Mendes cópia do diálogo interceptado pela PF. Em nota, o ministro negou qualquer conflito de interesses ao participar do julgamento do operador. Também não viu problemas no teor do telefonema de solidariedade ao investigado. "Ao ser informado pela imprensa sobre a busca e apreensão na residência do então governador do Estado do Mato Grosso, com quem mantinha relações institucionais, o Min. Gilmar Mendes telefonou ao Governador Silval Barbosa para verificar se as matérias jornalísticas eram verídicas", diz a nota. A assessoria do ministro disse ainda que ele usou as expressões "que absurdo" e "que loucura" como interjeições, sem juízo de valor. Gilmar Mendes preferiu não fazer nenhum comentário adicional sobre o assunto (...) No Supremo, após a decisão que manteve solto o homem acusado de ser o principal operador do esquema, o inquérito contra Silval Barbosa e Blairo Maggi tramita lentamente".


As quatro instituições que constituem a base de uma nação próspera são: (a) Estado/democracia, (b) mercado capitalista competitivo, (c) império da lei e (d) sociedade civil cidadã. Tudo tem que funcionar bem para que o país possa se desenvolver, crescer e prosperar. O país em que essas instituições funcionam precariamente (é o caso do Brasil), no máximo, configuram uma frágil e esgarçada democracia eleitoral, que é mero pressuposto da democracia cidadã. Num país de democracia cidadã o conúbio entre o mundo empresarial, político e judicial é expurgado prontamente. Na Suécia, um primeiro-ministro deu uma conferência numa Universidade nos EUA sem cobrar e depois acertou uma bolsa de estudos para seu filho. Teve que pagar ao erário público o quantum de que se favoreceu (por ter usado o cargo público para ajudar seu filho) e ainda foi banido do governo. Em país civilizado e, portanto, cidadão, os ministros e os juízes não brincam com fogo (porque sabem que vão se queimar).