por Valerio Evangelisti
Talvez alguém tenha pensado que o nosso longo silêncio sobre o "caso Battisti" – o escritor obrigado a fugir da França há um ano, para evitar a extradição para a Itália – significasse distração ou resignação. De jeito nenhum. Esperávamos apenas que a poeira levantada de cá e de lá dos Alpes pela mídia à beira de um ataque de nervos baixasse. E então, aconteceu. O tempo chegou, inclusive para a declaração da Corte dos Direitos Humanos de Estrasburgo (única estância que restou a Cesare Battisti, depois de uma série de sentenças ditadas por uma justiça vergonhosamente dirigida pelo poder político) no sentido de rediscutir a questão – estreitamente ligada à regularidade dos grandes processos que foram abertos nos anos 70 e 80 contra os militantes, verdadeiros ou supostos, e contra os grupos armados de extrema esquerda (caso Fioroni, caso 7 aprile, caso Tobagi, caso Torregiani).
Republicaremos, portanto, em versão atualizada de acordo com os eventos, os FAQ sobre Cesare Battisti, os quais já foram publicados há um ano. Acreditamos que não haja nem apenas uma linha aqui escrita incontestável e que a leitura faça entender àqueles com honestidade intelectual suficiente como a culpa de Battisti ainda esteja por provar. Na ocasião, agradecemos pela primeira vez publicamente, os tantos jornalistas que mesmo contribuindo para linchar Battisti com suas matérias, nos ajudaram na busca pela verdade.
Por que Cesare Battisti foi preso em 1979?
Ele foi preso no âmbito das prisões que abateram o Coletivo Autônomo da Barona (um bairro de Milão) depois do assassinato, em 16 de fevereiro de 1979, do joalheiro Luigi Pietro Torregiani.
Por que o joalheiro Torregiani foi assassinado?
Porque em 22 de janeiro de 1979, com um conhecido também armado, ele matou Orazio Daidone: um dos assaltantes do restaurante Il Transatlantico aonde Torregiani jantava com outras pessoas. Um cliente, Vincenzo Consoli, morreu no tiroteio e um outro foi ferido. Quem matou Torregiani pretendia acertar aqueles que, na época, “faziam justiça com as próprias mãos”.
Cesare Battisti participou do assalto ao Il Transatlantico?
Não. Ninguém nunca afirmou isso. Foi um caso de delinqüência comum.
Cesare Battisti participou do assassinato de Torregiani?
Não. Isso também – apesar de ter sido afirmado primeiramente – foi totalmente excluído. Além disso, também foi impossível envolvê-lo na morte do açougueiro Lino Sabbadin, que aconteceu na província de Udine no mesmo dia 16 de fevereiro de 1979, quase na mesma hora.
Se deixou entender que Cesare Battisti feriu um dos filhos adotivos de Torregiani, Alberto, que ficou paraplégico.
Alberto Torregiani foi ferido por uma bala disparada pelo seu próprio pai durante o tiroteio.
Por que então Cesare Battisti foi relacionado com o homicídio de Torregiani?
Porque, como ele mesmo reconheceu, ele fez parte do grupo que reinvidicou o atentado, os Proletários Armados pelo Comunismo. O mesmo grupo que reinvidicou o atentado contra Sabbadin.
O que eram os Proletários Armados pelo Comunismo (PAC)?
Um dos vários grupos armados que surgiram no fim dos anos 1970 do movimento dito da Autonomia Operária e dedicados ao que eles chamavam de “ilegalidade difusa”: as “expropriações” (bancos, supermercados) as represálias contra as empresas que organizavam o “trabalho negro”, até, mais raramente, ferimentos e homicídios.
Os PAC se assemelhavam as Brigadas Vermelhas?
Não. Como todos os grupos autônomos eles não visavam nem a construção de um novo partido comunista nem a tomada do poder. Eles tentavam conseguir o controle do território mudando o balanço de poder em favor das classes subalternas e em particular de seus componentes jovens. Este projeto, não importa como ele seja julgado (ele não deu certo), não tem nenhuma semelhança com o das BV.
O senhor Armando Spataro, um dos membros do Ministério Público do caso Torregiani, disse recentemente que o número de membros dos PAC não passou de trinta.
Ele tem uma memória ruim. As pessoas indagadas por pertencer aos PAC foram ao menos 60. A maior parte era de jovens operários. Depois vinham os desempregados e professores. Os estudantes eram três.
Trinta ou sessenta: isso não faz muita diferença.
Faz sim, ao contrário. Mudam as probabilidades de participação nas escolhas gerais da organização, assim como mudam as ações projetadas para ela. Não esqueçamos que dezenas de roubos foram atribuídos aos PAC, porém os homicídios foram quatro. A participação direta em um destes se torna menos provável se se dobra o número de efetivos.
Cesare Battisti era o chefe dos PAC ou um de seus chefes?
Não. Essa é uma invenção jornalística criada recentemente. Nem os autos do processo, nem os outros indivíduos o consideravam como um dos líderes. Ademais, ele não tinha um passado que o permitisse ter um papel deste tipo. Ele era um militante entre outros tantos.
Durante o processo, Battisti foi julgado como sendo um dos “organizadores” do homicídio de Torregiani.
Por dedução. Ele teria participado das reuniões nas quais se discutiu um possível atentado, sem exprimir opinião contrária. Somente com a entrada em cena do arrependido Mutti – após Battisti, condenado a doze anos e meio ter escapado da prisão e fugido para o México – que a acusação foi feita, mas novamente pela via dedutiva. Porque Battisti foi acusado por Mutti de ter tido um papel de cobertura no homicídio de Sabbadin e porque os atentados a Torregiani e a Sabbadin foram claramente inspirados na mesma estratégia (atacar comerciantes que assassinaram assaltantes), logo Battisti deveria necessariamente estar entre os “organizadores” da emboscada a Torregiani, mesmo que ele não tenha participado pessoalmente.
Entretanto, de todos os crimes atribuídos a Battisti, o que mais recebeu destaque foi precisamente o caso Torregiani.
Pode ser que este caso, mais do que os outros, se prestasse a uma utilização “espetacular” (veja o emprego recorrente de Alberto Torregiano, para dizer quem o feriu). Ou talvez – dadas algumas propostas recentes do ministro Castelli, sobre o tema da auto defesa dos comerciantes – este episódio fosse capaz de melhor fazer certas cordas vibrarem no eleitorado de referência.
De qualquer maneira, quem defende Battisti, freqüentemente usou a estratégia da “simultaneidade” entre os crimes Torregiani e Sabbadin, enquanto Battisti foi acusado de ter organizado o primeiro e executado o segundo.
Isso se deve à ambigüidade própria da primeira investigação de extradição de Battisti (1991), às informações contraditórias fornecidas pelos jornais (o número e as especificidades dos delitos variava de artigo a artigo), do silêncio de quem sabia. Não nos esqueçamos que Armando Spataro começou a fornecer detalhes, ou melhor, um certo número de detalhes, somente quando viu que a campanha a favor de Cesare Battisti estava por reavivar a discussão sobre o modo com o qual ele e outros magistrados envolvidos (Corrado Carnevali, Pietro Forno, etc.) haviam conduzido as investigações. Não nos esqueçamos também que o governo italiano desistiu de submeter aos magistrados franceses, na véspera da sessão que deveria decidir sobre a nova questão de extradição de Cesare Battisti, 800 páginas de documentos. É fácil argumentar que a documentação produzida até aquele momento se julgava lacunosa. Esta apresentava lacunas para quem pretendia que Battisti fosse extraditado.
De todo modo, o caso de Cesare Battisti e dos outros acusados do delito Torregiani foi um processo regular.
Não, não foi. E demonstrá-lo é simples.
Por que o processo Torregiani, depois estendido a todos os casos dos PAC, não foi regular?
Façamo-nos claros: não foi regular senão no quadro das distorções da legalidade introduzidas da assim considerada “emergência”. No âmbito do direito geral, o processo estava viciado de pelo menos três elementos: o recurso à tortura para estorcer confissão na fase de investigação, o uso de testemunhas menores de idade ou com distúrbios mentais, a multiplicação das imputações com base nas declarações de um arrependido de confiabilidade incerta, além de outros elementos menores.
Os magistrados torturaram os presos?
Não. Foi a polícia que os torturou. Foram ao todo treze denúncias: oito provenientes de acusados e cinco de seus parentes. Não que seja um fato inédito, mas é, até certo ponto, insólito, em se tratando de uma investigação daquele tipo. Os magistrados se limitaram a receber as denúncias, para depois arquivá-las.
Talvez as tenham arquivado porque não se tratava de torturas verdadeiras mas simplesmente de forte pressão sobre os acusados.
Um dos casos denunciados com maior freqüência foi o de obrigar a engolir água jogada na garganta do interrogado, a toda pressão, por um tubo, enquanto um agente o agredia com joelhadas no estômago. Todos denunciaram que tiveram que despir-se, enrolar-se em cobertas – para que não ficassem sinais e depois agredidos com socos e pauladas. Às vezes presos a uma mesa ou a um banco.
Se os magistrados não deram seguimento às denúncias, talvez tenha sido porque não havia provas que tudo realmente aconteceu.
De fato o procurador substituto Alfonso Marra, encarregado de referir-se ao juiz da investigação Maurizio Grigo, depois de reeditar as infrações cometidas pelos agentes da Digos de “lesões” a “golpes” por ausência de sinais permanentes no corpo (na Itália não existia o crime de tortura e nem mesmo existe, graças ao ministro Castelli e ao seu partido), concluiu que mesmo a imputação de golpes não podia seguir, visto que os agentes, únicas testemunhas, não confirmaram. O PM Corrado Carnevali, titular do processo Toregiani, insinuou que as denúncias de tortura fossem um sistema adotado pelos acusados para deslegitimar a investigação como um todo.
Nada do que diz o PM Carnevali é verdadeiro?
Nem apenas um fato coincide com a sua tese. Em 25 de fevereiro de 1979, o acusado Sisinio Bitti denunciou ao procurador substituto Armando Spataro as torturas sofridas e desmentiu as confissões feitas durante o interrogatório. Além do mais, contou que um policial, aogolpeá-lo com um cassetete, o incitou a denunciar um certo Angelo; e ele denunciou o único Angelo que conhecia, Angelo Franco. Ele, um operário, negou o fato, mas não foi acreditado, e foi preso como participante do atentado Torregiani. Só que poucos dias depois tiveram que soltá-lo: não poderia, de jeito nenhum, ter feito parte do ato. Portanto o desmentir de Bitti era verdadeiro e, portanto, com toda probabilidade, também a violência que o extorquiu a falsa confissão.
Mesmo que admitido o recurso na fase da investigação, isso não absolve Cesare Battisti.
Não, mas dá a idéia do tipo de processo no qual está implicado. Definir-lo como “regular” é um pouco discutível. Dentre os interrogatórios de acusação, figuraram uma menina de quinze anos, Rita Vitrani, chamada a depor contra seu tio e também Walter Andreatta, que logo caiu em estado de confusão e foi declarado “desequilibrado” e vitima de crises depressivas graves pelos peritos do tribunal.
Mesmo admitindo o quadro precário da investigação, há que considerar que Cesare Battisti renunciou ao seu direito defender-se. Quase uma admissão de culpa, mesmo se, antes de calar-se, se proclamou inocente.
Pode parecer assim hoje, mas não à época. Naquele tempo, os militantes dos grupos armados capturados se proclamavam prisioneiros políticos, e renunciavam a defesa porque não reconheciam a “justiça burguesa”. Battisti renunciou porque disse que duvidava do equilíbrio do processo.
Apesar da violência e das testemunhas pouco confiáveis do processo de investigação, o processo foi conduzido às conclusões com equidade?
Não exatamente. Os acusados secundários foram condenados a penas desproporcionadas. O já citado Bitti, declarado inocente de todos os delitos, foi igualmente condenado a três anos e meio de prisão por o terem escutado aprovar o atentado a Terregiani em local público. Foi dada a largada ao assim chamado “concurso moral” em homicídio, inspirado diretamente nos procedimentos da Santa Inquisição. O já mencionado Angelo Franco, poucos dias depois de libertado, foi preso novamente, desta vez por associação subversiva e condenado a cinco anos, somente porque era um freqüentador do coletivo autônomo.
Segundo Luciano Violante, uma certa dureza era indispensável para apagar o terrorismo. E Armando Spataro argumenta que, para este fim, o agravante da ”finalidade terrorista”, que dobrava as penas, se revelou uma arma decisiva.
Apagou também as vidas de muitos jovens, presos com imputações destinadas a agravar-se de maneira exponencial no curso da detenção, mesmo que na ausência de fatos de sangue.
Isso não vale para Cesare Battisti, condenado a prisão perpétua, por ter participado de dois homicídios e executado outros dois.
Ao fim do processo de primeiro grau Battisti, preso originalmente por imputações secundárias, se viu condenado a doze anos e meio de prisão. A sentença de prisão perpétua veio cinco anos depois da sua fuga da prisão. Mas agora é hora de falar dos “arrependidos” e, sobretudo, do único arrependido que o acusou, para depois entrar no mérito dos outros três delitos.
Tentemos entender o que é um “arrependido”.
Se nos referirmos aos grupos de extrema esquerda, são assim chamados os que foram detidos por crimes conectados a associações armadas e que, em troca de descontos consideráveis na pena, renegam as suas experiências e aceitam denunciar os companheiros, contribuindo para que sejam presos e para o desmantelamento da organização. De fato, figuras do gênero existiam já no fim dos anos 70, mas entrou com estabilidade na ordenação jurídica primeiro com a “lei Cossiga” 6.2.1980n.15 e depois com a “lei sobre os arrependidos” 29.5.1982n.304. Os perigos desse mecanismo se manifestaram tanto antes quanto depois dessa data.
Quais seriam os “perigos”?
A lógica da lei fazia com que o “arrependido” pudesse contar com a redução da pena, que variava de acordo com o número de denúncias feitas. Assim sendo, exaurindo-se o reservatório de informações no seu processo, era levado a atingir as presunções e as vozes recolhidas aqui e acolá. Além do mais, a retroatividade das leis possibilitava a delação indiscriminada depois de muitos anos dos fatos, quando já era impossível encontrar resquícios materiais.
Existem exemplos desses efeitos perversos?
O caso mais famoso foi o de Carlo Fioroni que, ameaçado de prisão perpétua por um seqüestro que tinha por finalidade resgatar um amigo detido no curso de um rapto, acusou de cumplicidade Toni Negri, Oreste Scalzone e outras personalidades da organização Potere Operaio, escapando assim da condenação. Mas há outros arrependidos também, como Marco Barbone (hoje colaborador de jornais de direita), Antonio Savasta, Pietro Mutti, etc. que seguiram anos a fio a espremer a memória e a destilar nomes. Cada denúncia era seguida de prisões. Tanto que a detenção virou arma de pressão para obter arrependimentos consecutivos. Porém, isso só se revelou como um escândalo num segundo momento, quando a lógica do arrependimento aplicada no campo da criminalidade comum provocou o caso Tortora e outros menos famosos.
Pietro Mutti foi o acusador principal de Cesare Battisti. Quem era?
Figurou entre os acusados do processo Torregiani, mesmo foragido, e a acusação pediu para ele oito anos de prisão. Foi capturado em 1982 (depois que Battisti já tinha fugido), após a fuga de alguns militantes da Prima Linea da prisão Rovigo, em 4 de janeiro daquele ano. Mutti foi acusado de ser um dos organizadores da fuga.
De quais delitos Mutti, uma vez arrependido, acusou Battisti?
Deixando de lado os delitos menores, por três homicídios. Battisti (com uma cúmplice) haveria diretamente assassinado, no dia 6 de junho de 1978, o marechal dos agentes de custodia do cárcere de Udine Antonio Santoro, que os Pacs haviam acusado de maus tratos para com os detentos. Haveria diretamente assassinado em Milão, no dia 19 de abril de 1979 o agente da Digos Andréa Campagna, que participou das primeiras detenções ligadas ao caso Torregiani. Entre os dois delitos, sem disparar diretamente, mas ainda assim com papel de cobertura, ao já citado homicídio do açougueiro Lino Sabbadin de Santa Maria di Sala.
O homicídio de Sabbadin é o mais falado de todos. Em uma entrevista ao grupo de extrema direita francês Bloc Identitaire, o filho de Lino Sabbadin, Adriano, declarou que os assassinos de seu pai seriam cúmplices dos seqüestradores que o mataram.
Ou a resposta foi mal interpretada, ou declarou algo que não partiu da realidade. Melhor é deixar de lado as declarações dos parentes das vítimas, cuja função, no curso do processo contra Battisti, tem sido essencialmente espetacular.
Cesare Battisti é culpado ou inocente dos três homicídios que foi acusado por Mutti?
Ele se diz inocente, mesmo que se faça responsável pela escolha equivocada na direção da violência que, naqueles anos, envolveu ele e tantos outros jovens. Porém não é uma questão de estabelecer se Battisti é inocente. É, ao invés, uma questão de ver se a sua culpa foi até agora verdadeiramente provada, bem como de verificar, para tal fim, se o processo que conduziu a sua sentença pode ser considerado correto. Caso contrário, não se explicaria a ferocidade com a qual o governo italiano, com o apoio inclusive de nomes ilustres da oposição, tenta extraditar Battisti da França.
Além das denúncias de Mutti, surgiram outras provas contra Battisti, pelos crimes Santoro, Sabbadin (mesmo que no papel de cobertura) e Campagna?
Não. Quando hoje os magistrados falam em provas, se referem ao cruzamento de informações feito por eles, entre as declarações de um arrependido (no nosso caso Mutti) e os indícios indiretamente fornecidos por desassociados.
O que seria um "desassociado"?
Quem se afasta da organização armada da qual participava e confessa delitos e circunstâncias que o incluem sem, porém, acusar os outros. Isso infere uma redução na pena, mesmo que obviamente inferior àquela de um arrependido.
De que maneira um desassociado pode fornecer indiretamente indícios?
Por exemplo, se afirma de não ter participado de uma reunião porque discordava de certa ação que planejavam, mesmo sem dizer quem estava presente. Se, no meio tempo, um arrependido, disser que X participou daquela reunião, então X figura automaticamente entre os organizadores.
O que tem nessa lógica que não funciona?
O problema é que a denúncia feita diretamente por um arrependido bem como o indício fornecido pelo desassociado, provêm de sujeitos seduzidos pela promessa de diminuição da própria pena. A opinião deles, se faltam averiguações, são efetuadas pelo magistrado que a escolhe entre várias possíveis. Além do mais, é o arrependido que tem incentivos maiores para serem determinantes. Tudo que em outros países (não totalitários) seria admitido na fase da investigação e na fase da argüição para o confronto com o acusado, não seria jamais aceito como valor probatório na fase do julgamento. Na Itália sim.
No caso de Battisti faltam outras averiguações?
Há somente reconhecimentos de interrogatórios que o mesmo magistrado Armando Spataro definiu como pouco significativos. No caso do agente Campagna, os interrogatórios indicaram dois autores do atentado: uma mulher e um homem barbudo de 1,90m. O arrependido Mutti forneceu os nomes para identificá-los. Mesmo assim, Battisti é baixo (e na época não usava barba, mesmo que naturalmente pudesse ter uma falsa). A cúmplice acusada por Mutti foi completamente libertada em 1994, por não ter cometido o ato.
Mas o arrependido Pietro Mutti não pode ser considerado confiável? Haveria motivos para inferir que ele caiu no mecanismo “quanto mais confessar, menos tempo fico na prisão”?
Sim. As denúncias de Pietro Mutti não tem a ver somente com Battisti e os PAC, mas apontaram nas direções mais variadas. A mais famosa se referia a OLP de Yasser Arafat, que teria fornecido armas para as Brigadas Vermelhas (Brigade Rosse). Especificamente, listou Mutti, “três fuzis AK47, 20 granadas de mão, duas metralhadoras FAL, três revólveres, uma carabina, 30 quilos de explosivo e 10 000 detonadores” (não é muito, exceto o número destoante de detonadores; faltava apenas que Arafat entregasse uma pistola de ar comprimido). O procurador Carlo Mastelloni pode, na base desta revelação preciosa, adicionar um capítulo a sua “investigação veneta” sobre relações entre terroristas italianos e palestinos e chamou Yasser Arafat para depor. Depois tiveram que arquivar tudo, porque Arafat não foi e o resto esmoreceu.
O que tem a ver com as armas, provenientes da Fronte Popular para a Libertação da Palestina, vendidas em 1979 por um tal Maurizio Follini, o que Amarndo Spataro disse de ser militante dos PAC?
Follini era um mercador de armas e, segundo alguns, espião soviético. Foi colocado no jogo por Mutti, mas em relação a outros grupos convém estender um véu piedoso depois de notar que as denúncias de Mutti, tendiam ao delírio.
Mutti não será chamado para outras investigações, mas nada nos garante que, pelo menos sobre os PAC, não estivesse dizendo a verdade.
Já disse que em 1994 a Cassação absolveu uma co-acusada de Battisti, também ela denunciada por Mutti pelo crime Campagna. Falo de 1994. Por dez anos a magistratura acreditou, por sua própria conta, nas acusações do arrependido. Isso deveria ser comentado por si só. Mas deve-se acrescentar que muitas vezes, no curso dos processos, Mutti endossou a Battisti culpas próprias ou de seus próprios amigos, salvo quando deveria se reportar às evidências dos fatos.
Um exemplo?
O crime Santoro, materialmente executado do mesmo Mutti e de seu cúmplice chamado Giacomin (que confessou). Num primeiro momento, o arrependido endossou a Battisti a responsabilidade de ter disparado. Depois, declarou que a função de Battisti era a de motorista.
Armando Spataro fala de testemunhas válidas acusando Battisti.
É verdade. Uma pena que fique vago e não saibam indicar nem ao menos uma.
Mesmo admitindo que o processo que levou à condenação de Cesare Battisti tenha sido viciado por irregularidades e que tenha se baseado em deposições de um arrependido pouco confiável, com certeza Battisti pode defender-se nos graus sucessivos do julgamento.
Não é assim, pelo menos por quanto se refere ao processo de apelo de 1986 que modificou a sentença de primeiro grau e o condenou a prisão perpétua. Battisti estava, na época, no México e ignorava o que acontecia contra ele na Itália.
O magistrado Armando Spataro disse que, mesmo fora da alçada de sua iniciativa na justiça italiana, Battisti poderia defender-se em todos os graus do processo por meio do advogado por ele indicado.
Isso é verdade somente para o período no qual Battisti se encontrava já na França e portanto vale essencialmente para o processo Cassazione que teve lugar em 1991. Não vale para o processo de 1986, que desencadeou na sentença da Corte de Apelo de Milão de 24 de junho daquele ano. Naquele tempo Battisti não tinha contatos nem com os advogados, pagados pelas famílias, nem com os próprios familiares. Foi provado que perto da nominação do defensor, deixou o mandato que foi depois ocupado por outros.
Isso ele próprio disse.
Disse também o advogado Giuseppe Pelazza de Milão, que assumiu a defesa e disseram também os familiares. Mas certamente se trata de testemunhas parciais. Resta o fato que Battisti não teve nenhum confronto com o arrependido Mutti que o acusou. Foi sottratto ao cárcere, concordo; mas o dado objetivo é que não puderam intervir em um procedimento que comutava sua condenação de doze anos de prisão em dois ergastoli e lhe atribuía a execução de dois homicídios, a participação variou títulos a outros dois, alguns ferimentos e mais ou menos sessenta de rapinas (ou seja, toda a atividade dos PAC). Isso era e é admissível para a lei italiana, mas não para a legislação de outros países que, mesmo prevendo a condenação em contumacia, impõe a repetição do processo a qualquer momento que o acusado seja capturado.
Armando Spataro diz que a Corte dos Direitos Humanos de Estrasburgo julgou o acusado de acordo com a práxis italiana do processo de contumácia.
Verdade. Mas o magistrado Spataro se referia a apenas uma sentença e se esqueceu de todas aquelas nas quais a mesma Corte recomendou à Itália que se adequasse às normas vigentes no resto da Europa no tema da contumácia. Por outro lado, é jurisprudência constante da Corte dos Direitos Humanos manter legítimo o processo em contumácia somente se o acusado foi apresentado aos procedimentos contra ele. Isso no caso de Battisti não é demonstrável. E não basta nem mesmo que o seu advogado tenha sido avisado. Segundo o artigo 42 do código de deontologia da corte de Estrasburgo, o advogado representa efetivamente o cliente somente se 1) o primeiro se conforma às decisões a cerca das finalidades do mandato de representá-lo; 2) o advogado consulta com o cliente sobre os modos para perseguir tais finalidades. O ponto 2, porquanto se refira ao processo de apelo de 1986, com certeza não foi aplicado. Da mesma forma, o ponto 1) é duvidoso. Nada demonstra que Battisti tenha tido noticias do processo que se referia a ele, e os elementos tendem a provar o contrário.
São sofismas que não demonstram nada e que se esquecem a essência da questão escondendo-a nas formas jurídicas.
Mas Battisti não foi chamado a provar nada! O ônus da prova recai sobre quem o acusa. Quanto à essência da questão, tentemos recapitular: 1) uma investigação que nasce da confissão extorquida com métodos violentos; 2) uma série de testemunhos de elementos incapazes por idade ou faculdade mental; 3) uma sentença exageradamente severa; 4) um agravamento da mesma sentença devido à aparição tardia de um “arrependido” que dispara acusações sempre mais graves e generalizadas, caindo em infinitas contradições. O quadro geral é de uma norma exasperada e que contribui para finalizar com um rápido sufocamento de um movimento social de grande importância, mais amplo que os fatos singulares.
É inútil trocar os braços pelas pernas. Cesare Battiste nunca manifestou arrependimento
O direito moderno, e isso já disse, reprime os comportamentos ilícitos e ignora as consciências individuais. Declarar um arrependimento qualquer era típico de Torquemada ou de Vishinskij.
Battisti comemorou quando foi libertado.
Não é um comportamento bizarro, ao se considerar como se está ao sair de uma prisão. Sabe de uma coisa, Paolo Persichetti, desde que foi exilado, passa de uma penitenciária a outra e inicialmente se viu proibido de ter instrumentos para escrever.
Não se pode liquidar assim, de uma vez só, um problema mais complexo.
Exatamente. Não se pode liquidar assim um problema mais geral da saída, de uma vez por todas, do regime de emergência, com as aberrações jurídicas que foram introduzidas na lei italiana.
16 de setembro de 2005.