Blog I'unitá Brasil

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sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

PETROBRAS, A CONSTRUÇÃO DE UM ESCÂNDALO

SEIS OBSERVAÇÕES SOBRE O "ESCÂNDALO PETROBRAS"


Para os antipetistas trata-se de compra de votos da base aliada num esquema agigantado, de um "mensalão 2"; depois de meses de investigação, é hora de submeter a tese à verdade dos fatos







por Raimundo Rodrigues Pereira



O "escândalo do mensalão" começou em julho de 2005 e, mais de nove anos depois , ainda está vivo, como se viu há poucos meses, o candidato do PSDB à presidência, Aécio Neves, no debate final do segundo turno, na tevê Globo, quis saber se sua adversária, Dilma Rousseff, apoiava ou não os "mensaleiros". "O escândalo Petrobras" também promete. Seu próximo capítulo será a divulgação dos nomes dos políticos que teriam sido beneficiados com o esquema de corrupção na estatal. Serão mais de três dúzias deles- e, em princípio, muitos serão processados no Supremo Tribunal Federal e no Congresso. E, talvez- infelizmente, diga-se- também num clima de escândalo. Este artigo, portanto, não tem nem pode ter a  pretensão de esgotar essa história. Seu objetivo é ajudar o leitor a começar a entendê-la.



1
A HISTÓRIA ESTÁ SENDO MAL CONTADA AO GRANDE PÚBLICO


Comecemos pela divulgação pela divulgação dos depoimentos de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef do dia oito de outubro de 2014. A data foi especial: entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais. Os depoimentos foram apresentados exaustivamente pela grande mídia. Foram manchetes dos maiores diários nacionais do dia seguinte. As grandes redes de tevê colocaram trechos das falas dos dois em seus noticiosos do início da noite, no mesmo dia. Pode- se dizer que, até a data de fechamento deste artigo (antes da entrevista de Venina Fonseca ao programa Fantástico da tevê Globo), início de dezembro, o quadro que Veja estampou em sua edição de 11 de outubro é uma síntese do significado dos depoimentos para a grande mídia: 3% do valor- de todos contratos, de todas as diretorias da Petrobras- era um sobrepreço para embutir propinas para os partidos políticos da base do governo- o PP, partido de Costa e Youssef, e outros, como o PMDB e, especialmente, o PT.

Costa, digamos assim, sem meias palavras, foi um ladrão. Ele insinua- não diz exatamente, como mostraremos no capítulo 4, sobre a complacência do juiz Sérgio Moro com os delatores- que todos os outros diretores da estatal eram como ele. Todos desviavam dinheiro da Petrobras para seus partidos  e enfiavam parte no próprio bolso. Na prática, Costa já assinou os documentos necessários para devolver à Petrobras tudo o que confessou ter roubado, que não é pouco- algo perto de 75 milhões de reais. Na sua teoria de que todos eram como ele, vai mal: a esta altura, depois de mais de meio ano de investigações por uma Força Tarefa Federal (FTF, a partir de agora) de dezenas de pessoas- da Polícia Federal, do Siscomex, o sistema de controle do comércio exterior brasileiro, do Banco Central e de outros órgãos federais- não há uma única prova , nem sequer uma acusação de que outros quatro integrantes da diretoria executiva da empresa- Ildo Sauer e, depois, Graça Foster na diretoria de gás e energia; Guilherme Estrella, na área de Exploração e Produção e José Sérgio Gabrielli, na presidência- colegas dele durante seu período no alto comando da estatal, tenham tido o mesmo comportamento que o seu. Existem acusações contra Renato Duque, diretor da área de serviços e Nestor Cerveró, da diretoria Internacional. Ambos negam qualquer delito até agora. O caso de Duque é especial e será tratado com mais detalhes no capítulo seguinte. Por enquanto, para calcular o tamanho do escândalo, no caso da diretoria de Duque, fiquemos com as contas da FTF e as delações premiadas nas quais ele é citado. Qual é, então, o total de dinheiro desviado da Petrobras até agora? Comecemos por Youssef, o mais destacado operador dos desvios. Nesse meses de investigação a FTF fez uma devassa nas contas de suas empresas. Esse levantamento mostra um total de R$ 50,4 milhões depositados nelas por sete empreiteiras. As delações premiadas que apontam desvios além dos de Youssef, são as do estimados R$ 75 milhões de Costa, os de Pedro Barusco, tido por homem de confiança de Duque, e as de Júlio Camargo e Mendonça Neto, um consultor e um executivo da Toyo Setal, com contratos de R$ 4 bilhões com a Petrobras. Barusco é o campeão dos desvios confessados: assinou compromissos de devolução de cerca de RS$ 100 milhões- ao cambio atual, R$ 250 milhões ( por que tanto? Porque Barusco roubava há tempos- desde 1996, teria confessado na delação premiada). Somando tudo: R$ 435 milhões. É pouco para provar a tese de Costa. Como se vê, o total de contratos da Petrobras com sete empreiteiras citadas é de aproximadamente R$50 bilhões. Incluindo as duas maiores, Odebrecht e Andrade Gutierrez, e também a UTC, que não estão na lista da FTF, se chega a R$ 80 bilhões. Pela teoria de Costa, 3% desse total daria um desvio de R$ 2,4 bilhões, perto de seis vezes mais que os R$ 435 milhões já observados.

É um grande desvio, é claro; e pode ser maior. Mas as teorias de Costa equivalem a dizer que a cúpula da Petrobras era uma camarilha de ladrões. O mais provável é que ele generaliza para diluir seus pecados.

Além disso: 1) Nos R$60 milhões achados pela FTF nas empresas de Youssef há, como mostraremos no capítulo 3, além dos desvios de dinheiro da Petrobras, dinheiro desviado da Camargo Correa por seus diretores e também domheiro ganho legalmente pelo próprio Youssef; 2) Talvez o maior desvio, o de Barusco, não tenha a ver com o esquema anunciado por Costa. Pode decorrer do longo trabalho de rapinagem em benefício do próprio Barusco. Envolveria não só a Petrobras de antes do PT, mas outra empresa, a Sete Brasil, na qual Barusco esteve de 2011 até 2013. Essa empresa é resultado de um esforço multibilionário de interesses diversos: da Petrobras; de todos os quatro grandes fundos de pensão dos funcionários de três estatais: Petros, Funcef e Previ, mais o Valia, dos funcionários da Cia. Vale do Rio Doce; de grandes bancos locais, como o Bradesco, Santander; e de fundos de investimentos internacionais. Visa construir, no Brasil, a maior empresa global de sondas de perfuração em águas profundas, com alguma tecnologia local.Já tem contratos para, alongo prazo, alugar mais vinte delas a Petrobras para exploração do pré-sal.


2
O ANTIPETISMO DA GRANDE MÍDIA ATRAPALHA A NARRATIVA


Nos dois meses entre a divulgação da tese de Costa no início de outubro de 2014 e início de dezembro, o "escândalo Petrobras" teve outro acontecimento extraordinário. No dia 14 de novembro de 2014, foram conduzidos policialmente para depoimentos ou presos duas dúzias de altos funcionários das empreiteiras e outras pessoas importantes- uma delas, Renato Duque. Duque tinha um papel diferenciado na Petrobras. Embora os negócios da companhia fossem comandados pelas outras diretorias, era a sua, a de Serviços, que controlava as licitações.

O povo, geralmente, acha que a riqueza se explica pelo roubo; não vê que ela nasce da exploração do seu trabalho, num regime de grande desigualdade social. Por esse motivo, pode acreditar, como sugere matéria da Folha de São Paulo sobre Duque, publicada nas vésperas de sua prisão, em novembro de 2014, que ele é rico- e corrupto. O artigo, cujo título é "Patrimônio de ex-diretor cresceu 340%" diz que Duque, "que morava com a família na Tijuca, bairro de classe média do Rio de Janeiro", após ter se tornado diretor de Serviços da Petrobras comprou seis imóveis e teria agora um patrimônio de R$ 12,5 milhões.A repórter do jornal foi recebida por Duque, escreveu na sua história que diretores executivos da Petrobras do nível dele ganham R$ 100 mil mensais e apresentou as justificativas que ele deu para seu patrimônio. E não há dúvida de que Duque pode ser chamado, sim, não de muito rico, mas, de rico. Numa apresentação muito rápida e simplificada do que é a desigualdade de riqueza no mundo, para os bancos que trabalham com suas fortunas, os ricos, numa população mundial de cerca de 7 bilhões de pessoas, são os 7 milhões que têm poupança financeira de mais de US$ 1 milhão; e os muito ricos são os cerca de 7 mil com poupança de mais de US$ 1 bilhão. Ter R$ 12 milhões, cerca de US$ 5 milhões de poupança, em dinheiro e imóveis, faz de Duque um rico, com certeza. Um corrupto, não necessariamente. Não está provado, até agora, que Duque é corrupto, conclui-se depois de ler cuidadosamente tudo que o próprio juiz Sérgio Moro sugeriu, por escrito, a respeito dele, quando autorizou sua prisão.

Na autorização, Moro cita Costa e Youssef como tendo dito que "o mesmo esquema criminoso que desviou e lavou 2% ou 3% de todo contrato da área da diretoria de Abastecimento da Petrobras também existia em outras diretorias, especialmente na Diretoria de Serviços, ocupada por Renato de Souza Duque...". Moro escreveu isso, mas não é assim. Ouvindo os depoimentos, em nenhum momento , nem Costa nem Youssef, dizem de fato que havia desvios na diretoria de Duque; ambos dizem que isso era "o que se dizia", "o que se sabia", "o que se rezava na empresa", o que é muito diferente. Moro disse depois, também, ao prorrogar a prisão inicial de Duque prevista para cinco dias, que ele "tem fortuna no exterior", que "estaria oculta em contas secretas". Ora: isso não é motivo para se prender um cidadão, mesmo que ele seja rico. Não seria melhor ele esperar a polícia e o Ministério Público provarem que Duque tem contas secretas no exterior obtidas de modo ilegítimo para mandar julgá-lo e, eventualmente, prendê-lo, depois do julgamento?

Moro argumentou ainda que Duque participava de um cartel de empreiteiras e, segundo dois dos empreiteiros, receberia propina para fraudar concorrências. Um dos executivos, escreveu Moro, chegou a indicar o banco e a conta de Duque, na Suíça. Depois de preso, ao depor no dia 18 de novembro de 2014, além de negar a acusação, Duque se dispôs a ser acareado com seus delatores. Por que Moro não cobrou da Polícia Federal e do Ministério Público que localizassem  a conta e fizessem essas acareações, antes de prender o denunciado? Quem diz que a conta existe é o já citado Barusco. Duque nega. Os jornais, de um modo geral, apresentam Barusco como sendo "o" homem forte, "o" gerente de Duque. É ignorância do que seja a Petrobras. Ela é uma empresa gigante, multinacional. Efetivamente brasileira. Abaixo dos diretores executivos da Petrobras como Duque, existem quase trezentos diretores, que comandam mais de seis mil cargos de gerência. Além disse, denúncia não é prova de crime. Como se sabe, desde o iluminismo, desde o abandono dos métodos da justiça medieval, que condenava apenas por denúncias, os crimes tem de existir materialmente. Não basta acusar alguém de ter cometido um crime. Mesmo que a bruxa confesse que matou o papa, o crime não existe se o papa está vivo.

Duque afinal foi solto no dia 3 de dezembro de 2014, com a concessão de um habeas corpus por Teori Zavascki, o ministro encarregado da apreciação do caso no STF, quando forem apresentadas as denúncias contra os detentores de foro privilegiado. Zavascki considerou que a manutenção da prisão de Duque era ilegal. Escreveu que "manter valores tidos como ilegais no exterior, por si só, não constitui motivo suficiente para decretação da prisão preventiva".

Mesmo que a acusação encontre provas para condenar Duque, isto, no entanto, está longe de provar o que se chama hoje de "mensalão2", a maior das armações do PT. Sem os outros diretores- sem Sauer, sem Graça Foster, sem Estrella, sem Gabrielli e, principalmente, sem Vaccari, o tesoureiro do PT, que seria o substituto de Delúbio Soares, do "mensalão 1"-, como provar "o mensalão 2"?

No dia 3 de dezembro de 2014, uma nova divulgação dos termos da delação premiada do executivo da Toyo Setal, Mendonça Neto, mostrou que ele disse ter sido pressionado por Duque a fazer uma doação legal ao PT. Isso foi manchete de jornais como o Estado de São Paulo no dia 4 de dezembro de 2014: "Executivo afirma que parte da propina da Petrobras foi paga via doação legal ao PT". Segundo o Estadão, Neto "disse ter sido orientado por Duque a procurar, em 2008, o Secretário Nacional de Finanças do PT, João Vaccari". Diz ainda o jornal que Neto não contou a Vaccari que a doação estava ocorrendo a pedido de Duque. É razoável supor que o petista Duque tenha incentivado os fornecedores da Petrobras a contribuir para com dinheiro para a campanha do PT. Quem vê os enormes custos da campanha de 2014- R$ 4, 92 bilhões, pagos na maior parte por grandes empresas- não deve ter dúvida que pode ter saído muito dinheiro para os partidos dessa forma.

Agora, convenhamos que o depoimento de Mendonça Neto é pouco para ser uma prova do grande esquema de corrupção petista. Serviu para alguns líderes do PSDB e outros oposicionistas dizerem no Congresso que o fato colocou a permanência da presidente Dilma no comando do Brasil "sob suspeita". A revista Veja disse disse em editorial que as condições para um impeachment de Dilma são melhores agora do que as existentes em 2005, quando a oposição cogitou o impedimento do então presidente Lula. O PSDB tem bala para comprar essa briga? Acho que não. Mas, quem viver verá.


3
ALBERTO YOUSSEF, COM CERTEZA, NÃO É O GÊNIO DO MAL


A Operação Lava Jato era uma história de tráfico de drogas que culminou na apreensão de 698 quilos de cocaína, em Araraquara (SP), em novembro de 2013. Começou a ser investigada em meados daquele ano e incluía quatro doleiros. O juiz Sérgio Moro já a supervisionava e desde 11 de julho daquele ano autorizara colocar os suspeitos sob vigilância telefônica e telemática. Youssef entrou na trama por ter entregue US$ 36 mil a um dos doleiros. Numa das ações penais concluídas já há algum tempo, dentro da Lava Jato, foi absolvido, tanto da acusação de tráfico de drogas, quanto de evasão de divisas e também da lavagem de dinheiro. Na página 14 do relatório final que acompanha o pedido de condenação dos outros três doleiros e a absolvição de Youssef, no entanto, se vê, num gráfico feito pelos procuradores, que ele já estava sendo acompanhado pela FTF em uma investigação bem maior. Ele aparece conectado a uma figura com as iniciais PRC- isso mesmo, Paulo Roberto Costa. E ele e Costa já eram peças centrais de outra história, na qual se incluem hoje mais de cem inquéritos policiais e mais de dez ações penais. É como se a Lava Jato tivesse sofrido uma metamorfose: transforma-se no "Escândalo Petrobras".

Saber se Alberto Youssef é doleiro ou não, aparentemente, é uma indagação despropositada: ele é um "doleiro", diz o Ministério Público que o acusa. "Doleiro" repete praticamente toda a imprensa. Youssef não se acha doleiro, no entanto. Ele teria no máximo, um 'personal' doleiro, um operador de dólar-cabo muito próximo, Leonardo Meirelles, de uma empresa chamada Labogen. Youssef diz, aparentemente com razão, que a Labogen não era dele, ele tinha apenas algum capital nessa empresa. A Labogen, uma empresa dos setor farmoquímico falida, se tornou um escândalo nacional porque o deputado André Vargas, líder do PT na Câmara e amigo de Youssef, intercedeu a favor dela para aprovação de um financiamento pelo Ministério da Saúde para que ela produzisse certos medicamentos atualmente importados pelo País. Youssef tinha vários outros negócios e não apenas empresas de fachada usadas para legalizar os achaques à estatal.Tinha, imóveis, hotéis, uma empresa de aluguel de carros, os próprios procuradores reconhecem.

No seu depoimento do dia 8 de outubro de 2014, Youssef se diz peça de uma engrenagem muito maior. Não é difícil perceber, no entanto, que Youssef  faz parte de outros esquemas de corrupção, menores, embora embutidos no "escândalo Petrobras". Para isso veja-se seu depoimento de 8 de outubro de 2014 (na íntegra). O juiz Sérgio Moro o está interrogando.Trata-se do início da ação penal aberta por Moro para investigar os desvios de dinheiro da Petrobras. Estão presentes, além de Moro e Youssef, os advogados de defesa do réu, os acusadores do Ministério Público e outros advogados de partes interessadas. Youssef, seus advogados, Moro e os promotores concordam que o depoimento já seja feito como parte de uma delação premiada. Tudo está sendo gravado em vídeo oficialmente.

Quando termina a primeira parte da gravação, Moro pôs para que todos da sala ouvissem, o áudio de conversa "grampeada" de Youssef com Marcio Bonilha, um dos donos de suas empresas de fabricação e instalação de tubos, a Sanko Sider e a Sanko Serviços, que forneceram essas peças e trabalhos relacionados para a refinaria Abreu e Lima, atualmente sendo concluída em Suape, Pernambuco.


O áudio do grampo não aparece no vídeo oficial. Mas ele já tinha sido transcrito pelos jornais. Mostra Youssef falando, com palavrões e tudo: "Não, porra; pior que o cara fala sério, cara; que ele acha que foi prejudicado, cê tá entendendo? Ê, rapaz, tem louco pra tudo. Porra, foi prejudicado? O tanto de dinheiro que nós demos pra esse cara... Ele tem coragem de falar que foi prejudicado. Pô, faz conta aqui, cacete: aí, porra, recebi 9 milhão em bruto, 20% eu paguei, são 7 e pouco, vê quanto ele levou, vê quanto o comparsa dele levou, vê quanto o Paulo Roberto levou, vê quanto o outro menino levou e vê quanto sobrou. Vem falar pra mim que tá prejudicado. Ah, porra, ninguém sabe fazer conta, eu acho que ninguém sabe fazer conta nessa porra. Não é possível. A conta só fecha pro lado deles".

Como interpretar esse palavrório? Quando a gravação do vídeo oficial recomeça, Moro ajuda. Primeiro diz à Youssef que se trata de um grampo feito a 21 de outubro de 2013, às 9h40 da manhã. E lhe pergunta se ele é ele mesmo falando. Youssef confirma: diz que se trata, de fato, de uma conversa sua com Bonilha. A seguir Moro lhe pede que esclareça uma parte da gravação, da qual não temos a transcrição, mas que trataria de uma dívida, de R$ 1 milhão ou R$ 2 milhões. Youssef diz que se tratava de uma dívida, de R$ 12 milhões, que o presidente e o vice da Camargo Correa tinham lhe pedido para adiantar para Costa.

Youssef continua explicando, diz que os tais diretores ficaram de pagar, mas "foram empurrando com a barriga" e "eu estava nervoso, excelência", ele conclui, como que se desculpando pelos palavrões. Moro vai em frente. Pergunta o nome do presidente e do vice a que ele se refere. Youssef dá os dois nomes: Dalto e Eduardo Leite. Moro se refere então a outro trecho do grampo no qual aparece um tal "Leitoso". Quem é?, Moro pergunta. Aparentemente foi um apelido não carinhoso dado por Youssef, que responde: "é o Eduardo Leite". A seguir Moro lê um trecho da falação grampeada de Youssef, cortada, diplomaticamente, entre dois palavrões: "pior que o cara fala sério, cara; que ele acha que foi prejudicado, cê tá entendendo? Ê, rapaz, tem louco pra tudo". A quem Youssef está se referindo neste ponto? "Eduardo Leite", Youssef responde prontamente. E logo a seguir, explica como era a divisão dos 9 milhões de que ele falava. Tratava-se, diz ele, de comissões. Ele vendia tubos e serviços da Sanko para a Camargo Correa.Mas, além da comissão que ganhava, tinha de pagar ainda comissões para Paulo Roberto Costa, para um outro dirigente da empreiteira e também para Eduardo Leite. Moro, aparentemente se espanta com essa referência: "Quer dizer que ele [Leite] estava na empresa, a empresa comprava e ele também recebia esse percentual? E quem pagava?", pergunta Moro ainda perplexo, aparentemente. Youssef: Eu pagava". "Como?", Moro pergunta. Youssef: "Em dinheiro vivo". Moro: "Mas como". Youssef: "Ele retirava em meu escritório, excelência". Posteriormente, quando Youssef foi interrogado pela acusação, um dos promotores parece ter chegado à mesma conclusão de Moro quanto às comissões cobradas de Youssef por Leite. Esse promotor diz: "Além de corrupção ativa, ele [Leite] lesava a própria empresa?".

A aparente perplexidade desse promotor e de Moro, quanto às comissões distribuídas por Youssef a diretores da Camargo Correa, a própria empresa pagadora das propinas, poderia sugerir que esta seja uma situação excepcional . Quem conhece o mundo dos altos negócios brasileiros sabe que não. Nas compras realizadas pelos grupos maiores, de firmas sem poder de pressão, diretores como os dois citados por Youssef parecem ser a regra e não a exceção. E isso também vale para que se tome cuidado na apuração do "escândalo Petrobras" que, certamente, está imbricado com uma série de outros esquemas de corrupção do País, como este, de executivos que também "levam uns por fora".

Youssef explica depois em seu depoimento porque não se considera mais doleiro. Ele foi doleiro, foi condenado por isso, no famoso "escândalo do Banestado" que resultou numa CPI no congresso em 2003. Youssef tinha feito um acordo de delação premiada em 2004 e estava solto desde então. Agora, em março, foi preso na operação Operação Lava Jato e acusado de diversos crimes, um dos quais o de evasão de divisas. Em setembro, o juiz Sérgio Moro revogou o acordo de 2004, acusando-o de reincidência no crime e o condenou a quatro anos e quatro meses de prisão. No depoimento de 8 de outubro de 2014, no entanto, Youssef voltou a afirmar que não é doleiro. E sua explicação não é tão absurda como pode parecer.

No interrogatório, um promotor lhe pergunta porque fazia transferências eletrônicas de dinheiro (TEDs) para as empresas Labogen Química Fina e Biotecnologia e Labogen Comércio de Medicamentos, de uma espécie de sócio seu, Leonardo Meireles, com sede em Indaiatuba (SP). A FTF fizera um levantamento de 3.649 remessas de divisas para o exterior, de uma dezena de firmas que acreditava serem controladas por Youssef e chegara à conclusão de que ele tinha levado para fora do País perto de meio bilhão de dólares. As empresas de Meireles seriam parte desse esquema.

Os trabalhos da FTF sugeriam esquemas de distribuição das propinas da Petrobras muito complexos. Mostravam, por exemplo, depósitos eletrônicos nas empresas de Youssef , vindos das empresas Sanko, de Bonilha- por sua vez recebidos da Camargo Correa-, sendo enviados por TED's para as empresas de Meireles e, destas, remetidos para o exterior. Parecia então que havia um grande esquema de corrupção que, assim, com uma complicada lavagem no exterior, voltaria depois para os políticos.

Com suas explicações do dia 8 de outubro de 2014, Youssef simplificou o problema: o dinheiro que ele recebia por vender tubos da Sanko para a Camargo Correa era limpo. Mas, ao receber suas comissões de venda por cima dos panos, com nota fiscal emitida, recebimento pelo sistema bancário normal, esse dinheiro vinha misturado com o dinheiro que ele precisava repassar, clandestinamente, para as comissões dos dois diretores da Camargo Correa. Youssef precisava, então, de dinheiro em espécie, de reais. Como ele fazia isso? Youssef contou aos promotores: ele fazia TED's normais e enviava a Meireles o dinheiro de que precisava para pagamentos clandestinos. Através de um banco, o Citibank, por exemplo, Meireles simulava uma importação de produtos químicos do exterior e consegui colocar dólares lá fora. Daí saía em busca de gente que quisesse ter dólares lá fora e lhe desse dinheiro vivo aqui dentro, para ser passado, por baixo dos panos para Youssef. E daí, também por baixo dos panos, para os diretores da Camargo Correa. "A atividade dele [ Meireles] era uma", disse Youssef. "A minha era totalmente outra". "Na atividade dele, ele fazia a remessa para o exterior. Vendia isso [ os dólares obtidos] no mercado da 25 de Março, no Brás [ região de comerciantes na capital paulista]. Fazia reais e me entregava".

Como se vê, há muito mais coisas no mundo dos negócios do que a corrupção na Petrobras. Só não as vê quem não quer.


4
O JOVEM MORO ESTÁ EXTRAPOLANDO SUAS FUNÇÕES DE JUIZ


A divulgação dos depoimentos de Costa e Youssef de 8 de outubro de 2014 provocou um grande debate. A então candidata Dilma a considerou um acontecimento "estranho e muito estarrecedor". "Eles", disse, referindo-se ao PSDB, "agora, na véspera da eleição, querem dar um golpe, estão dando um golpe".

A presidente, afinal eleita sem maiores perturbações, foi contestada amplamente por seus opositores. Moro, o titular da Décima Terceira Vara Federal Criminal de Curitiba (PR), supervisor legal da chamada Operação Lava Jato foi quem comandou a tomada dos depoimentos de Costa e Youssef e permitiu sua ampla divulgação. Cada um dos depoimentos dura cerca de uma hora e meia. Em nenhum momento Costa e Youssef acusam qualquer outro diretor da Petrobras de receber propinas. Costa diz, por exemplo: "Me foi colocado lá pelas empresas e também pelo partido que dessa média de 3% [ou seja, dos 3% da diretoria dirigida por ele, a de Abastecimento] 1% seria repassado para o PP. E os 2% restantes ficariam com o PT. Isso me foi dito com toda clareza." Quem disse? A que empresas ele se refere? O partido? É o seu partido, o PP?

Costa deveria estar falando para fornecer informações objetivas que levem à prisão de outros criminosos como ele, que já confessou seus pecados e agora deve denunciar os outros para obter uma redução de sua pena. Ele sabe- e aliás, Moro lhe diz isso explicitamente antes de o depoimento, de delação premiada, começar- que as acusações falsas que fizer serão crimes cometidos e, em vez de reduzir, elevarão sua pena. Mas, como Moro não interrompe para bloquear as acusações vagas que faz, ele vai fornecendo o material para os interessados em interpretá-las.

Mais para frente, Moro quer saber se em todas as diretorias acontecia essa cobrança de 3%. Costa não diz nunca que tem qualquer prova de que isso ocorria. Diz: "Todo mundo sabia"; "Era o comentário que pautava lá, dentro da companhia" ou era "o que rezava dentro da companhia". Mais para o final do depoimento, Moro pergunta se os outros diretores, "como o senhor", diz, também recebiam parte da propina; Costa não dá bem uma resposta, faz uma digressão; diz: "Dentro da área de Serviços tinha o diretor Duque, que foi indicado na época pelo ministro da Casa Civil, José Dirceu, e ele tinha essa ligação com o João Vacari [ tesoureiro do PT], dentro desse processo do PT".

Moro tem 42 anos, é juiz federal desde os 24. Em 2009, conta reportagem sobre ele na Folha de S. Paulo, teria tido um grande desgosto, quando um juiz federal como ele, Fausto de Sanctis, foi repreendido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a pedido do STF. O Supremo, numa votação quase unânime, votou pela aprovação de parecer do ministro Eros Grau para um habeas corpus contra uma prisão considerada arbitrária de Sanctis. E encaminhou sua decisão ao CNJ. Na ocasião, diz a Folha, Moro chegou a  escrever a amigos dizendo que julgar crimes de colarinho branco não valia mais a pena. Com o julgamento do mensalão, diz o jornal, Moro voltou a animar-se. Com a repercussão da Operação Lava Jato mais animado ainda. Na quarta-feira, 3 de dezembro de 2014, ao negar habeas corpus para os dirigentes das empreiteiras presos, que lhe pediram para estender a decisão de Zavascki mandando soltar Duque, ele fez um comentário que o aproxima do ex-ministro Joaquim Barbosa, que via no mensalão e cobrava dos outros juízes que divergiam dele, um esforço para aproveitar a conjuntura e limpar o País. Moro se referiu a uma planilha de 750 obras encontrada com o suposto doleiro Youssef. Disse Moro, "é perturbadora a apreensão desta tabela nas mãos de Alberto Youssef, sugerindo que o esquema criminoso de fralde à licitação, sobrepreço e propina vai muito além da Petrobras". Que fará Moro assim perturbado? No voto do ministro Eros Grau que condenou as prisões de Sanctis se destaca sua condenação contra o juiz que se propões a ser justiceiro. Nãoé esse o papel do juiz, disse Grau. Ao juiz cabe decidir com equilíbrio entre a acusação e a defesa. E, nesse esforço, uma preocupação deve ser a defesa do direito do cidadão ao devido processo legal, para evitar que ele seja vítima do poder do aparato do Estado, E, no caso específico, acrescenta o repórter: evitar que o cidadão seja esmagado pelo grande poder da mídia empenhada em vender jornais com base no escândalo.


5
ALÉM DA CORRUPÇÃO: OS SOBREPREÇOS DAS REFINARIAS, O DA MÍDIA E O DOS CARTÉIS E DO MERCADO


Todo sobrepreço é corrupção? Não necessariamente. Vejam-se duas histórias: a de Pasadena, no Texas, e a de Abreu e Lima, em Suape, no Recife.

Pasadena, no Texas, teria sido comprada pela Petrobras em 2006, da Astra, uma distribuidora de petróleo franco-belga, por US$ 360 milhões, o que embutiria um sobrepreço brutal, já que a mesma teria sido adquirida pela Astra por US$ 45 milhões, um ano antes. Essa história se repete até hoje. No seu depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito de deputados e senadores sobre a Petrobras, no dia 5 de junho de 2014, presidente da estatal, Gabrielli, deu os detalhes que desmontam esse primeiro escândalo:

* Pasadena pertencia à Crown, uma refinadora estadunidense. Foi alugada à Astra, por cerca de US$ 80 milhões;

* para adquirir a empresa, a Astra pagou mais US$ 45 milhões pelo ativo, mais cerca de US$ 100 milhões pelo petróleo e derivado de seus estoques;

* depois a Astra ainda investiu na empresa outros US$ 140 milhões;

* total do custo da refinaria para a Astra, somados os seus custos iniciais para aluguel, com a compra do ativo e dos seus estoques de petróleo e derivados e os investimentos feitos: US$ 360 milhões.

* total pago pela Petrobras à Astra, US$ 1, 25 bilhão, negócio fechado em seis anos, em duas etapas e com um enorme custo judicial, em virtude de disputa na justiça dos EUA. Decompondo o total por partes e por etapa e dando os valores em milhões de dólares: em 2006, 360- sendo 190 por 50% das ações da refinaria e mais 170 pelo estoque do petróleo; em 2012, 889, sendo 194 pela segunda metade das ações da refinaria, 341 por conta da compra também de uma comercializadora de petróleo e derivados da Astra e mais 354 por multas, juros, empréstimos e garantias de honorários devidos à ação na justiça americana.

O sobrepreço, em grande parte, portanto, é da mídia. Como Gabrielli mostrou e repetiu diversas vezes para os deputados, Pasadena foi comprada por um preço baixo, usando os parâmetros do mercado, o custo do barril de derivados que produz. Psadena custou cerca de US$ 5 mil por barril de derivados, cerca de metade dos preços médios das refinarias compradas em condições semelhantes no mercado global no mesmo período.

A história de Abreu e Lima: na mesma sessão da CPI mista já citada, Gabrielli teve um interessante diálogo com o deputado Sandro Mabel (PMDB-GO). Os dois divergiram inicialmente quanto à forma de cálculo do custo da refinaria por barril de derivados produzido, para comparar com os números apresentados por Gabrielli no caso de Pasadena. Mabel queria que o cálculo fosse em dólares: Abreu e Lima ficaria então perto de US$ 90 mil por barril de derivados, ou seja, quase dez vezes os preços médios usados por Gabrielli para dizer que Pasadena foi barata. Gabrielli argumentou, no entanto, que o preço deveria ser calculado em reais argumentando que a grande maioria dos custos de Abreu e Lima seriam em nossa moeda. Com isso se poderia derrubar o sobrepreço para cerca de cinco vezes a média dos preços mundiais. Ao cabo do debate entre os dois, no entanto, Gabrielli admitiu que, com os dados que conhece hoje, se fosse um investidor privado, não faria a refinaria a esses preços.

Que conclusão tirar dessa história? Que Abreu e Lima foi feita num esquema de corrupção brutal orquestrado pelo PT? Isso é o quer os interessados em apear o PT do governo não pelos seus defeitos, mas pelos seus méritos. A iniciativa de fazer Abreu e Lima correspondia a interesses nacionais amplos. Faz parte de um plano antigo do Brasil e da Venezuela. E incluía o refino de diferentes tipos de petróleo pesado que os dois países produzem. A iniciativa conjunta não saiu. A Venezuela teve seus problemas. O Brasil teve outros. Para ficar nos nossos: com os governos militares e, depois, com os liberais do PSDB, o Brasil não mudou em nada aspectos essenciais de sua estrutura industrial e financeira. O PT, também não. Com o crescimento dos anos 2004-2007, os governos do PT dispararam os incentivos à indústria automobilística e, sem capacidade de refino de petróleo, se propuseram a construir, de repente, quatro grandes refinarias- em Pernambuco, no Ceará, no Maranhão e no Rio de Janeiro. Com essa grande demanda, os custos dispararam. As grandes empreiteiras no Brasil são um oligopólio. Ou seja, a corrupção dos cartéis, da lavagem de dinheiro, da corrupção interna das grandes empresas e outras pegaram carona num problema brasileiro e latino-americano muito maior.


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 E A CORRUPÇÃO, ALÉM DISSO, NÃO FOI, NEM É O GRANDE PROBLEMA DO BRASIL


Finalmente, para concluir nossa história com o tema do combate à corrupção no seu sentido mais amplo. No sábado, 6 de dezembro de 2014, este repórter, um pequeno burguês que mora na Freguesia do Ó, em São Paulo, caminhava pela rua de sua casa e passou por um vizinho que tomava uma cervejinha gelada no quintal r comentava com a esposa algo no gênero de que o Brasil só terá jeito, diante de tão brutal corrupção, com a volta dos militares.

É um ledo engano. Num balanço bem feito, se pode ver que nos anos de governos militares de 1964 a 1985, nenhum dos grandes e velhos problemas estruturais do País foi resolvido e outros, novos, foram criados. Os militares diziam que a corrupção dos governos João Goulart, que derrubaram, era a causa dos nossos problemas. Não era. E nem essa suposta causa eles eliminaram. Basta ver que um dos partidos que tentou impedir o acordo que permitiu o fim negociado da ditadura militar, com a eleição indireta de Tancredo Neves pelo Congresso Nacional em janeiro de 1985, foi o PDS, o partido da ditadura, que defendeu a candidatura de Paulo Maluf, hoje transformado no PP que, além de Maluf, um símbolo da política do caixa-dois e outros truques, é também o partido de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef do escândalo que investigamos.

É comum se ouvir nas ruas também a queixa de que o Brasil não tem jeito e que a corrupção que aqui gorjeia, gorjeia muito mais que em outros países. É também um engano. Veja, os montantes de multas pagas por crimes cometidos pelas empresas nos EUA: o número está em ascensão espetacular, no ano de 2013 foram US$ 13 bilhões, no ano de 2014 foram batidos todos os recordes- em agosto de 2014, só uma das multas, contra o Bank of América, foi de US$ 17 bilhões. Os supostos R$ 2, 4 bilhões do total estimado do desvio da Petrobras- pelas contas, como vimos, exageradas pelas segundas intenções de Paulo Roberto Costa- empalidecem diante da grandeza da corrupção de nossos admirados irmãos do Norte!







O artigo acima foi finalizado e publicado no final de dezembro de 2014.
      

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