por
Laurindo Lalo Leal Filho
O fato de se apresentarem como 'jornalísticos' faz com que escapem da classificação indicativa, oferecendo às crianças e jovens um festival de ódio e violência.
Artigo publicado na Revista do Brasil, edição de outubro de 2015
São exatamente 1936 violações de direitos cometidas em um mês no rádio e na TV, por apenas 30 programas.
Os autores dessa façanha não são os personagens, geralmente negros e pobres, apresentados com estardalhaço diariamente pelos programas policialescos.
São os próprios apresentadores, em conluio com repórteres e produtores, além de determinadas autoridades, sob o comando dos dirigentes das emissoras que abrem espaços para essas aberrações.
A constatação está numa pesquisa realizada pela Andi – Comunicação e Direitos, uma organização social que há 21 anos trabalha para dar visibilidade na mídia a questões relacionadas aos direitos das crianças e dos adolescentes. Entre outras ações criou o projeto “Jornalista Amigo das Crianças” que já reconheceu com essa qualidade 392 profissionais em atuação no país.
Os chamados programas policialescos entraram na mira da Andi diante das seguidas violações cometidas contra os direitos da infância e do adolescente.
Realizada a pesquisa constatou-se que as violações, em nove categorias de direitos, vão muito além dessas faixas etárias atingindo toda a sociedade.
Exemplos não faltam.
A presunção de inocência, uma das categorias selecionadas pela pesquisa, é constantemente violada.
No programa Balanço Geral da TV Record, uma chamada diz “Pai abandona filho em estrada do RS” e o apresentador acrescenta “um pai abandonou uma criança nas margens de uma rodovia? Fez!”.
Apesar do desmentido do pai, a acusação constitui um claro desrespeito à presunção de inocência, garantida no artigo 5º da Constituição brasileira.
O estímulo à violência como forma de resolver conflitos é outra marca desses programas.
Como neste exemplo pinçado pela pesquisa na Rádio Barra do Pirai AM, programa Repórter Policial.
Uma pessoa acaba de ser presa pela policia e o apresentador anuncia “Então, a praga acabou de ser grampeada. Não seria o caso, né? Passa logo fogo num cara desse ai! (...) Então, é uma pena que ele não reagiu, porque a rapaziada passaria fogo nele de uma vez e ‘tava’ tudo certo”.
Só nesse caso são violadas cinco leis brasileiras, cinco acordos internacionais firmados pelo Brasil e um código de ética profissional.
Entre elas a Constituição Federal (“não haverá pena de morte...”), o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (é considerada infração ao regulamento “incitar a desobediência às leis ou às decisões judiciárias” e “criar situação que possa resultar em perigo de vida”) e o Código de Ética dos Jornalistas Profissionais (“O jornalista não pode usar o jornalismo para incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime”).
Outra categoria: discurso de ódio e preconceito.
No programa Brasil Urgente, da Rede Bandeirantes, o apresentador José Luiz Datena faz enquete para saber quem acredita em Deus e diz: “...ateu eu não quero assistindo o meu programa. Ah mas você não é democrático. Nesta questão não sou não, porque um sujeito que é ateu, na minha modesta opinião não tem limites, é por isso que a gente tem esses crimes por ai...”.
Só com essas frases o apresentador violou seis leis brasileiras, três pactos multilaterais firmados pelo Brasil e mais uma vez o Código de Ética dos Jornalistas, além de desrespeitar princípios e declarações internacionais de defesa da liberdade de expressão.
E ainda ignorar os muitos crimes de Estado, guerras e outras violências que foram cometidos ao longo da história, e ainda o são, em nome de supostas causas religiosas.
O fato de se apresentarem como “jornalísticos” faz com que esses programas escapem da classificação indicativa de horários para determinadas faixas etárias do público telespectador.
Passam a qualquer hora oferecendo às crianças e jovens um festival de ódio e violência.
Na verdade, de jornalismo têm pouco.
São programas de variedades, espetacularizando fatos dramáticos da vida real com tentativas até de fazer um tipo grotesco de humor.
Numa edição gaúcha do programa Balanço Geral, por exemplo, o apresentador Alexandre Mota ao narrar a morte de um suspeito pela policia fingia chorar copiosamente clamando, de forma irônica, pela vinda dos defensores dos direitos humanos.
Em seguida, estimulado por uma repórter passa a sambar alegremente diante das câmeras.
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