O Tribunal de Contas da União (TCU) rejeitou ontem o julgamento das contas do governo Dilma em 2014. O que seria uma votação protocolar –até então nunca uma conta presidencial havia sido rejeitada– converteu-se em grande evento nacional.
O PSDB e a parte do PMDB menos satisfeita com a distribuição do butim ministerial enxergam na rejeição a chance de atribuir crime de responsabilidade à presidenta da República, abrindo caminho para o impeachment. As contas de 2014 tornaram-se o atalho para governar o país sem ganhar eleições.
As tais “pedaladas fiscais” –atraso nos repasses orçamentários aos bancos públicos para atingir a meta fiscal– não foram inventadas pelo governo Dilma. Começaram em 2001, na gestão de Fernando Henrique Cardoso e repetiram-se anos a fio. Agora, 14 anos depois, parecem ter virado motivo para derrubar presidentes.
É claro que o buraco a que chegou o governo Dilma foi cavado, antes de tudo, por ele próprio. Desde as eleições iniciou-se uma comédia de erros e opções antipopulares. A agenda foi marcada pela política econômica recessiva e ataques a direitos sociais. Quanto mais a direita avança, mais o governo se endireita.
A política deste governo é a grande responsável por sua impopularidade recorde e não deve ser defendida. Isso é uma coisa. Outra coisa é usar essa situação para manobras golpistas –seja pelo TCU, pelo TSE ou pelo Congresso– que institucionalizem uma saída à direita ante da crise do governo petista.
Ministros do TCU decidiram de uma hora para a outra apresentarem-se como arautos da moralidade pública. E, embora as conspirações de bastidores vazem aqui e acolá, tentam tingir seu julgamento como imparcial e apolítico.
Apolítico é tudo o que o TCU não é. Dos nove ministros, seis são indicados pelo Congresso Nacional e três pelo presidente da República, com regras mais restritivas.
O atual presidente do Tribunal, Aroldo Cedraz, foi deputado federal pelo então PFL (hoje DEM). O relator das contas de Dilma, Augusto Nardes, começou a carreira na ditadura militar, como vereador pela Arena. Quando foi indicado ministro era deputado pelo PP, o partido mais comprometido na Lava Jato.
O ministro Vital do Rego Filho, o Vitalzinho, era senador pelo PMDB. Raimundo Carreiro e Bruno Dantas foram indicados pela proximidade com Renan Calheiros. E por aí vai, passando por PTB, PSB e indicados por Fernando Henrique. A maquiagem “técnica” e “apolítica” fica um tanto desbotada quanto se considera a procedência dos ministros.
Quanto à defesa da moralidade pública, convenhamos que há ministros do TCU devendo algumas explicações à sociedade, a começar pelo relator das contas de Dilma.
Augusto Nardes, novo herói da oposição, está sendo investigado pelo Ministério Público e pela Polícia Federal sob suspeita de ter recebido irregularmente R$ 1,65 milhão de uma empresa envolvida em fraudes fiscais, de acordo com a Operação Zelotes. Em mensagens interceptadas pela PF, os investigadores supõem que o ministro recebia a carinhosa alcunha de “tio”, dado que seu sobrinho e sócio também tinha participação no negócio.
Nardes –ao lado do também ministro do TCU Mucio Monteiro– já havia aparecido nas páginas de jornais em 2013 no caso conhecido como dos “supersalários”. Os ministros acumulavam o salário do TCU com a aposentadoria do Congresso Nacional, chegando a receber até R$ 47 mil por mês, quase o dobro do teto do serviço público.
Já Vital do Rego foi alvo de denúncia em julho deste ano por suposto desvio de R$ 10 milhões em contrato da Prefeitura de Campina Grande (PB) com uma empreiteira. O prefeito era seu irmão e, de acordo com o denunciante (ex-tesoureiro da prefeitura), o dinheiro teria ido para a campanha ao Senado do atual ministro.
Aroldo Cedraz, atual presidente do Tribunal, e seu vice Raimundo Carreiro foram citados na delação premiada de Ricardo Pessoa, que disse ter comprado por R$1 milhão uma decisão favorável do TCU à continuidade da licitação da usina de Angra 3 (http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/06/1648578-delator-diz-que-comprou-decisao-no-tcu.shtml). Pessoa disse ainda que pagava uma mesada de R$50 mil a Tiago Cedraz, filho de Aroldo, para obter informações sobre o processo.
Isso para citar os casos mais recentes e emblemáticos envolvendo ministros do TCU. Causa estranheza que o Tribunal e seus ministros sejam a grande esperança daqueles que dizem querer limpar o país da corrupção.
A indignação seletiva está se tornando um mal epidêmico no Brasil. Os novos “caçadores de marajás” andam de mãos dadas com Eduardo Cunha e exaltam a probidade do TCU. Não convencem.
As contas do governo foram julgadas pelo TCU. Agora, fica a pergunta: quem julgará as condutas dos ministros do TCU?
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